publicado dia 1 de abril de 2016
Educação Patrimonial abre novas possibilidades de aprendizagem na cidade
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 1 de abril de 2016
Reportagem: Danilo Mekari
A estátua do Barão de Mauá, instalada na praça que leva seu nome, no centro do Rio de Janeiro, foi produzida pelo escultor mexicano Rodolfo Bernadelli em 1910. Hoje, mais de um século após a sua inauguração, o monumento transformou-se em ponto de partida para o projeto “Mauá 360”, que oferece formação aos jovens moradores da zona portuária e educadores do Museu do Amanhã sobre a história da região.
Ao pé da estátua, um giro de 360º revela diversos períodos e facetas da capital fluminense sob a ótica da arquitetura, da história e da natureza. Dali se avista museus novos como o do Amanhã e o de Arte do Rio (MAR), a baía de Guanabara, a Igreja de Mont Serrat, a ponte Rio-Niterói, outras praças vizinhas e – mais importante – um enorme vai-e-vem de pessoas.
O projeto simboliza uma renovação dentro da discussão sobre a utilização e ativação dos patrimônios culturais, materiais e imateriais, existentes nos espaços urbanos do Brasil. Em direção oposta ao esquecimento e invisibilidade que costuma acometer esse tipo de patrimônio, o Mauá 360 trabalha com a memória e resgata a importância de um local histórico para a formação do Rio de Janeiro.
“O Museu do Amanhã está inserido em uma região extremamente importante da cidade, uma área de produção cultural popular e sofisticada”, aponta a gerente de Relações Comunitárias da instituição, Laura Taves, responsável por engajar o público vizinho no processo de construção coletiva do Museu.
O espaço cultural, aliás, abriu suas portas para os 30 mil moradores da região portuária carioca: o programa “Vizinhos do Amanhã” possibilita a entrada gratuita para quem realizar cadastro. Até o momento, cerca de 1.400 habitantes do entorno usufruem do benefício, e o Museu, em parceria com organizações sociais, está realizando uma força-tarefa para ampliar ainda mais esse número.
“Temos que valorizar o nosso espaço como um local de encontro. Liberar o acesso da vizinhança faz com que os próprios moradores se sintam parte do museu e divulguem o seu conteúdo”, acredita Laura. “Quando os próprios vizinhos norteiam o museu é muito mais interessante. Queremos estimular cada vez mais ações que façam com que a população se sinta cada vez mais como um agente da transformação.”
Em um país onde cerca de 85% da população mora em zonas urbanas, a educação patrimonial deve ser considerada fundamental para a criação de Cidades Educadoras. O documento “Educação Patrimonial: histórico, conceito e processos”, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), considera como “imprescindível” que toda ação educativa “assegure a participação da comunidade na formulação, implementação e execução” das atividades.
De acordo com a coordenadora de Educação Patrimonial do IPHAN, Sônia Rampim, mesmo que o artigo 216 da Constituição Federal de 1988 preveja uma ampliação do conceito de patrimônio cultural, atualmente está em vigor uma nova perspectiva sobre o tema. “Não existe mais aquela história de o Instituto decidir sozinho, de cima para baixo, o que é e o que não é patrimônio. Hoje, acreditamos na construção coletiva do conhecimento e as pessoas que fazem aquele patrimônio continuar vivo têm que fazer parte desse processo.”
Ao estabelecer parceria com o programa Mais Educação, o IPHAN levou às escolas um inventário em que os próprios alunos apontam lugares, objetos, celebrações, formas de expressão e saberes marcantes para as suas vidas. A atividade estimula um olhar ao conhecimento acumulado no entorno da escola, levantando as referências culturais que formam o patrimônio cultural do local.
A intersetorialidade também é um elemento essencial para a ampliação das ações educativas de preservação e valorização do patrimônio cultural, na visão de Sônia. “Devemos trabalhar a perspectiva do patrimônio cultural com outras politicas públicas das áreas de cultura, turismo, educação, meio ambiente, saúde e desenvolvimento urbano.”
“As escolas acontecem para além dos muros, nos territórios educativos. O espaço em que a vida acontece é um espaço educativo por si só, boa parte do que aprendemos é fora da escola, a escola tem que assumir o lado de olhar a sua cidade, seu bairro, quilombo ou comunidade indígena e sistematizar o que já sabe sobre ele”, observa.
Para Sônia, a Educação Patrimonial permite que a pluralidade venha à tona. “A partir do momento em que afirmamos as culturas dos diferentes grupos, dizemos que não existe uma cultura única, um único jeito de estar no mundo que, para ser feliz, não precisa ir ao shopping fazer compras, estamos valorizando a diversidade cultural, e não apenas o jeito que a sociedade do consumo nos impõe o tempo todo.”
Valorizar o bairro
Acostumados a identificar as ausências, deficiências e problemas dos territórios, olhando sempre para o “lado vazio do copo”, os habitantes tendem a crer que, em seus bairros, não há nada que possa ser valorizado. “É mentira, todo bairro tem um lugar de encontro, todo bairro e toda cidade é histórica. Esse conceito acabou ficando obsoleto, não deveríamos utilizá-lo mais”, conclui a pesquisadora.