publicado dia 14 de julho de 2025
“Crise climática ameaça presente e futuro da infância e da adolescência no país”
Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
publicado dia 14 de julho de 2025
Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
🗒️Resumo: A crise climática ameaça o presente e o futuro da infância e da adolescência no Brasil. Apesar do impacto, a participação das juventudes em discussões como a COP30 em Belém (PA) ainda é incerta. Especialistas defendem que as vozes de crianças e adolescentes sejam ouvidas no megaevento diplomático, uma vez que são a população mais impactada pela emergência climática.
Mais impactados pelas mudanças climáticas, as crianças e adolescentes ainda não são incluídos nos debates sobre o tema como deveriam. É o que avaliam coletivos como a Coalizão pelo Clima, Crianças e Adolescentes (CLICA), formada por 19 organizações que atuam nacional e internacionalmente pela defesa dos direitos de crianças e adolescentes ao meio ambiente limpo, saudável e sustentável.
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Em abril de 2023, a coalizão foi nomeada pela ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, para integrar o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), um dos principais espaços de formulação de políticas ambientais do país — garantindo que a pauta infantojuvenil esteja presente em decisões que impactam diretamente a saúde, o bem-estar e os direitos de meninas e meninos.
A cerca de 4 meses para a realização da 30ª Conferência das Partes (COP30) em Belém (PA), a garantia da participação das juventudes no evento mais importante sobre o clima no mundo ainda é incerta, conforme revela Júlia Gouveia, especialista em Mudanças Climáticas e Emergências na Plan Internacional.
“Estamos enfrentando enormes dificuldades para assegurar uma presença real, segura e significativa de crianças e adolescentes na COP30. Essa participação, que já enfrenta inúmeras barreiras, torna-se ainda mais frágil quando o evento não cria as condições mínimas para acolher a voz infantojuvenil”, aponta.
Somente no Brasil, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) estima que existam 40 milhões de crianças e adolescentes expostos aos impactos da crise climática, agravada por fatores como enchentes e ondas de calor extremo. Daí uma das necessidades de incluir essa população no debate climático.
“A ausência de espaços de escuta e participação nos processos de tomada de decisão sobre políticas climáticas evidencia uma grave violação do direito à participação. A crise climática não é apenas uma emergência ambiental, é uma crise de direitos, que ameaça o presente e o futuro da infância e adolescência no país”, alerta Brenda Kauane, líder do movimento Médicos pelo Clima, idealizado pelo Instituto Ar.
“A crise climática não é apenas uma emergência ambiental, é uma crise de direitos”, alerta Brenda Kauane, da CLICA
A Plan Internacional e o Instituto Ar são duas das 19 organizações que compõem a CLICA. Em entrevista ao Educação e Território, Júlia e Brenda abordam como a crise climática impacta os direitos das crianças e adolescentes, quais os gargalos da legislação brasileira para protegê-las e a importância de incluir as juventudes nas discussões sobre o tema.
Confira, a seguir, a entrevista com Brenda Kauane e Júlia Gouveia.
Educação e Território: Quais são as principais ameaças aos direitos das crianças e dos adolescentes provocadas ou potencializadas pela crise no clima?
Brenda Kauane: A crise climática representa uma ameaça crescente aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes, agravando as vulnerabilidades já existentes. O aumento de eventos extremos como enchentes, secas e deslizamentos impacta diretamente o direito à saúde, à alimentação e à moradia digna. A insegurança alimentar e hídrica, provocada pela escassez de recursos naturais, compromete a nutrição e o desenvolvimento infantil, especialmente em comunidades periféricas, indígenas e rurais. A destruição de casas e escolas, aliada aos deslocamentos forçados, interrompe o acesso à educação e afeta a estabilidade emocional de meninas e meninos, prejudicando também sua saúde mental.
Em contextos de emergência, redes de proteção social se fragilizam, expondo crianças e adolescentes a riscos maiores de violência, exploração e trabalho infantil. Além disso, a ausência de espaços de escuta e participação nos processos de tomada de decisão sobre políticas climáticas evidencia uma grave violação do direito à participação. Ou seja, a crise climática não é apenas uma emergência ambiental, é uma crise de direitos, que ameaça o presente e o futuro da infância e adolescência no país.
EdT: De que forma as mudanças climáticas estão impactando os direitos fundamentais de crianças e adolescentes no Brasil, especificamente?
Júlia Gouveia: Aqui no Brasil, cerca de 2,1 milhões de crianças e adolescentes vivem em encostas, margens de rios e favelas — locais onde basta uma chuva forte para transformar a vida em uma emergência.
Desastres podem destruir escolas ou impedir o deslocamento seguro até elas. Crianças deslocadas ou em abrigos muitas vezes abandonam a escola, com impactos de longo prazo sobre suas oportunidades futuras. Nessa mesma perspectiva de exposição a riscos de desastres, as escolas também estão ameaçadas: segundo o Cemaden, mais de 2.000 escolas estão situadas em áreas de risco.
Além disso, o Instituto Alana aponta que um terço das capitais brasileiras tem pelo menos 50% de suas escolas localizadas em “ilhas de calor” — regiões onde a temperatura é significativamente mais alta do que a média da cidade, devido à ausência de áreas verdes e ao excesso de concreto. Diante desse cenário, fica evidente como a crise climática também é um fator que impulsiona a evasão e a exclusão escolar, impactando o direito de crianças e adolescentes à educação de forma segura, digna e contínua.
EdT: Quais legislações garantem a proteção às infâncias e adolescências no contexto da crise climática? O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) aborda essa questão?
Júlia: O ECA é uma base jurídica sólida, capaz de embasar ações e políticas públicas voltadas à proteção de crianças em situações de desastre ou vulnerabilidade ambiental, ainda que não trate dessa questão de forma específica ou detalhada.
No plano internacional, o Brasil é signatário da Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), assumindo o compromisso de garantir a sobrevivência, o desenvolvimento integral e a proteção de todas as crianças. Para avançar na especificação dessas responsabilidades frente à crise climática, a CLICA enviou contribuições ao Comitê dos Direitos da Criança da ONU, responsável pela elaboração do Comentário Geral nº 26, que trata dos Direitos da Criança e o Meio Ambiente, com foco especial nas mudanças climáticas.
Esse documento é um marco relevante não apenas para o Brasil, mas para todos os países signatários da Convenção, pois oferece orientações claras sobre como integrar a perspectiva climática na proteção e promoção dos direitos da infância e adolescência.
Ainda no campo das legislações e da incidência política, a CLICA foi nomeada pela ministra Marina Silva para compor o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) — um dos principais espaços de formulação de políticas ambientais do país — garantindo que a pauta infantojuvenil esteja presente em decisões que impactam diretamente a saúde, o bem-estar e os direitos de meninas e meninos.
No âmbito nacional, temos atuado ativamente na construção do Plano Clima Participativo, uma iniciativa do Governo Federal que reúne diferentes ministérios. Nesse espaço, a Coalizão propôs a criação do Programa Nacional de Proteção de Crianças e Adolescentes aos Impactos das Mudanças Climáticas, com foco em protocolos intersetoriais para emergências, educação climática em escolas e comunidades e políticas de adaptação nos territórios mais vulneráveis.
Já nas eleições municipais de 2024, organizamos recomendações para candidaturas, com base na escuta ativa de meninas, meninos e adolescentes de diferentes regiões do país, sistematizando dados e experiências para influenciar planos de governo com uma perspectiva geracional e de justiça climática.
Todas essas ações de incidência buscam fortalecer a pressão por políticas públicas mais específicas e eficazes, baseadas nos marcos legais já existentes e orientadas para proteger, de forma concreta, as infâncias e adolescências frente à crise climática.
EdT: O Protocolo Nacional Conjunto para a Proteção Integral a Crianças e Adolescentes, Pessoas Idosas e Pessoas com Deficiência em Situação de Riscos e Desastres detalha com orientações claras como os direitos da criança e do adolescente devem ser respeitados na ocorrência de desastres ambientais. Ele envolve ações da Saúde, Assistência Social, Educação e Segurança Pública. Essa proteção aos direitos das crianças tem sido respeitada durante desastres e emergências climáticas? De que forma? Caso não aconteça, como os governos e comunidades podem se organizar?
Brenda: Na prática, essa proteção muitas vezes enfrenta desafios significativos. Em várias regiões do Brasil, a resposta a desastres ambientais ainda é insuficiente para assegurar plenamente os direitos das crianças e adolescentes. Problemas como falta de infraestrutura adequada em abrigos, interrupção do acesso à educação, ausência de atendimento psicológico e fragilidade das redes de proteção social são frequentes durante emergências climáticas.
É fundamental que governos e comunidades adotem estratégias integradas, isso inclui o fortalecimento das capacidades locais para o planejamento e a resposta a desastres, com foco específico nas necessidades das crianças e adolescentes. A formação de equipes multidisciplinares capacitadas para atuar em emergências.
Importante envolver as próprias comunidades na identificação de riscos, no desenvolvimento de planos de contingência e na reconstrução pós-desastre, promove resiliência e respeito aos direitos. Outra frente importante é a promoção da educação preventiva, que prepara crianças, famílias e escolas para situações de risco, reduzindo vulnerabilidades.
EdT: Em 2019, na COP 25, aconteceu a assinatura da Declaração Intergovernamental sobre Crianças, Adolescentes, Juventude e Ação Climática. Até agora, o documento é o único compromisso do tipo para impulsionar a adoção de políticas e ações climáticas inclusivas e centradas nesse segmento etário nos níveis nacional e global. Seis anos depois de seu lançamento, a declaração conta com a assinatura de 64 países. O Brasil não é um deles. Qual é a importância desse tipo de documento? O que poderia mudar caso o país fosse signatário? Há outras iniciativas nesse sentido? Existe alguma mobilização para a proteção dos direitos das crianças na COP30?
Júlia: Há uma resistência generalizada em reconhecer que crianças e adolescentes têm o direito de participar da construção de políticas climáticas. Essa resistência nasce, em grande parte, da falta de reconhecimento de meninas, meninos e adolescentes como sujeitos de direitos, capazes de contribuir de forma significativa para as medidas que impactam diretamente suas vidas e seu futuro.
Em junho, realizamos no Senado Federal uma discussão organizada pela Plant For the Planet Brasil e pela Frente Jovem Parlamentar, sobre os desafios e as oportunidades para garantir a participação de crianças e adolescentes na COP30. O que emergiu desse encontro — e de tantos outros espaços da sociedade civil — é um diagnóstico preocupante: estamos enfrentando enormes dificuldades para assegurar uma presença real, segura e significativa de crianças e adolescentes na COP30. Essa participação, que já enfrenta inúmeras barreiras, torna-se ainda mais frágil quando o evento não cria as condições mínimas para acolher a voz infanto-juvenil.
É fundamental lembrar que o desafio vai muito além da COP30. Na verdade, o processo rumo à COP tem escancarado obstáculos que enfrentamos cotidianamente enquanto organizações que defendem os direitos das infâncias e adolescências: falta de escuta qualificada, barreiras institucionais e financeiras, ausência de representatividade e espaços de decisão que ainda não reconhecem o protagonismo infantojuvenil como legítimo e necessário.
Esses espaços de tomada de decisão, na prática, seguem sendo hostis ou mesmo excludentes para a presença ativa de crianças e adolescentes. Nos últimos anos, avançamos na criação de mais espaços de diálogo, na produção de dados e evidências sobre os impactos da crise climática sobre as infâncias — o que é essencial —, mas isso ainda não é suficiente.
Essa exclusão persistente nos preocupa profundamente, porque as decisões tomadas hoje ignoram justamente quem será mais impactado por elas amanhã: meninas, meninos e adolescentes, que têm o direito de ser ouvidos e de participar das soluções que moldarão seu futuro e desenvolvimento.
EdT: As crianças não são responsáveis pelas alterações climáticas, mas serão elas que enfrentarão e já estão enfrentando as consequências. Além disso, essa população é pouco considerada no desenho de possíveis mitigações e soluções para a crise no clima. Como incluir mais as crianças e os adolescentes nesse debate?
Brenda: Incluir elas no debate climático exige mais do que participação, é preciso garantir espaços onde suas vozes sejam ouvidas, respeitadas e consideradas na formulação de soluções. A educação, por exemplo, tem papel central. Escolas podem ser espaços de escuta, formação crítica e mobilização considerando o conhecimento conectado com a realidade dos territórios e das desigualdades vividas pelas infâncias brasileiras.
Fora das escolas, é necessário fomentar ambientes institucionais como conselhos, consultas públicas e políticas participativas, onde crianças e adolescentes possam atuar como protagonistas, com linguagem e formatos adequados às suas idades. Incluir infâncias e juventudes nas decisões sobre clima não é só uma demanda por justiça, mas é uma oportunidade para criar respostas e soluções realmente eficazes e duradouras à emergência que vivemos.
EdT: Expandir a Educação Ambiental e Climática nas escolas pode ajudar a proteger os direitos das crianças? De que forma?
Júlia: Levar Educação Climática crítica para dentro das escolas, não apenas como informação técnica, mas conectada a direitos, justiça social, gênero e soluções locais, é essencial para garantir que crianças e adolescentes sejam realmente incluídos no debate climático. O acesso à informação de qualidade é, por si só, um direito fundamental. Compreender temas como clima, meio ambiente, riscos e soluções prepara meninas e meninos para entender os problemas que afetam diretamente suas vidas — desde a qualidade da água e do ar até as enchentes, queimadas ou ondas de calor.
A Educação Socioambiental não pode se limitar a conteúdos técnicos. Quando realizada de forma consistente, ela forma cidadãos críticos, capazes de questionar decisões injustas, exigir políticas públicas mais eficazes e participar ativamente da construção de soluções nos seus territórios. Assim, fortalece o direito à participação.
Incluir temas de mudança climática nos currículos escolares é o primeiro passo, mas não basta. É indispensável ter professoras e professores bem preparados, capazes de trabalhar o tema de forma interdisciplinar, conectando conteúdos com a realidade local. Por fim, envolver pais, cuidadores e lideranças comunitárias em oficinas, rodas de conversa e ações educativas amplia o alcance desse conhecimento, fortalece as redes de proteção e cria um ambiente mais seguro e resiliente para crianças e adolescentes enfrentarem os desafios climáticos.da proteção e gera redes de apoio mais fortes em situações de crise.
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