publicado dia 26 de setembro de 2024
Como a crise climática impacta as eleições em 2024?
Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
publicado dia 26 de setembro de 2024
Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
🗒️Resumo: Com ondas de calor, enchentes, secas e queimadas em alta, os territórios têm sofrido com os eventos climáticos extremos em 2024. Entenda como os efeitos e o enfrentamento à crise climática se expressam nas eleições municipais, marcadas para acontecer em outubro.
Em 2024, as eleições municipais terão como plano de fundo o agravamento da crise climática nos territórios. Somente nos últimos meses, o Brasil observou efeitos catastróficos, com eventos climáticos extremos indo das enchentes no Sul à seca histórica na região Norte e Centro-Oeste, passando pelas queimadas que pioraram a qualidade do ar em todo o país.
Leia + Vote pelo Clima: sociedade civil conecta eleitores a candidatos
As consequências são sentidas diretamente pela população e afetam, sobretudo, os mais vulneráveis. No Rio Grande do Sul, por exemplo, as chuvas intensas deixaram milhares de pessoas desabrigadas após enchentes e alagamentos, atingindo especialmente populações negras e periféricas.
A nova realidade da crise climática é percebida no cotidiano por quase todos (97%) dos brasileiros, captou pesquisa Datafolha em julho. O levantamento mostrou também que 77% vivenciaram algum tipo de evento extremo, com destaque para o calor (65%), seguido de chuva intensa (33%), seca (29%), enchentes (20%) e deslizamento de terra (7%).
Leia + Em meio ao clima extremo, cidades brasileiras sofrem piora na qualidade do ar
“Vereadores e prefeitos precisam compreender que o eleitorado brasileiro está muito mais atento à questão climática e ambiental, por estarem vivenciando eventos climáticos nas diversas regiões no Brasil”, aponta Marina Marçal, especialista em política climática, mestra em Sociologia e Direito (UFF) e em Relações Étnico-Raciais (CEFET-RJ).
“Vereadores e prefeitos precisam compreender que o eleitorado está mais atento à questão climática”, analisa Marina Marçal, especialista em política climática.
Em Porto Alegre (RS), pesquisa Quaest sobre as intenções de voto, realizada em agosto, mostrou que, pela primeira vez, enchentes e alagamentos estão no topo da lista de preocupações dos eleitores (33%), à frente de temas tradicionais como Saúde e Educação.
O mesmo efeito eleitoral, porém, não foi detectado pela pesquisa em outras capitais brasileiras, embora seja papel dos prefeitos e vereadores tornar as cidades mais resilientes aos eventos extremos e às consequências da emergência climática. Para isso se tornar realidade, defende a especialista, as agendas ambiental, social e climática devem estar entre as prioridades dos candidatos.
“O caminho natural seria que vereadores e prefeitos fizessem a sua parte e os votos fossem consequência desse processo. Infelizmente, vemos uma inversão desse sentido no Brasil”, analisa Marina.
Análise da Agência Pública mostrou que o clima está presente nos discursos dos candidatos às prefeituras das capitais, mas não se concretiza nos planos de governos. Batizado de Climômetro, o levantamento perguntou aos candidatos se concordam ou não com diferentes afirmações sobre as mudanças climáticas e os impactos nas cidades.
“O meio ambiente é tema urgente, mas normalmente outras pautas ganham atenção dos eleitores e dos candidatos”, pondera Márcio Astrini, do Observatório do Clima
Embora quase todos (94%) digam que estão comprometidos em priorizar ações de combate às mudanças climáticas na gestão municipal, a intenção não está traduzida nos planos dos candidatos à Prefeitura. Dos 52 planos de governo analisados, só 21 de fato falam de crise climática e trazem medidas detalhadas para o seu enfrentamento.
Para Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, embora tenha ganhado importância, a questão ambiental ainda é pouco presente no debate político nacional. “O meio ambiente é um tema urgente, mas normalmente outras pautas ganham atenção dos eleitores e dos candidatos”, analisa.
Ainda que não esteja em primeiro plano nos debates, a questão climática precisa ser priorizada pelos governantes. “Quando o meio ambiente está em desequilíbrio, ele amplia todos os outros problemas, como fome, desemprego, moradia e doenças. Vimos tudo isso no Rio Grande do Sul e agora com a atual seca. O clima é um agravante de problemas sociais, então, cuidar do clima é cuidar da vida das pessoas”, defende Astrini.
O Relatório Mundial das Cidades, publicado em 2022 pela Organização das Nações Unidas (ONU), estima que 68% da população mundial viverá em áreas urbanas até 2050. O Brasil já supera essa média, com 76% de seus habitantes vivendo em centros urbanos.
Por outro lado, um levantamento do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), vinculado à Secretaria de Estado de Economia e Planejamento do Espírito Santo, aponta que das 27 capitais, incluindo o Distrito Federal, 15 não contam com o Plano de Mudanças Climáticas. Além disso, 1.641 municípios estão em alto ou muito alto risco de desastres relacionados a chuvas, segundo a plataforma AdaptaBrasil, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Leia + Brasil está na contramão do direito ao meio ambiente saudável
Nesses locais, comunidades vulneráveis, formadas em geral por pessoas pretas, pobres e mulheres, estão entre as mais expostas e enfrentam maiores dificuldades de recuperação. Para Diana Sampaio, do ClimaInfo, o campo político costuma agir apenas de forma reativa, ignorando medidas de prevenção.
Das 27 capitais, incluindo o Distrito Federal, 15 não possuem planos para enfrentar as mudanças climáticas
“Enquanto diversos estudos apontam que um ambiente arborizado nas grandes cidades traz benefícios, não só melhorando a temperatura e qualidade do ar, mas também a saúde mental das pessoas, ainda temos políticos que ignoram a importância de um meio ambiente resiliente”, exemplifica. “Os passos dados pelo poder público são sempre após grandes desastres, em situação de emergência e de contenção de danos”, afirma Diana.
Em cidades do litoral de São Paulo, afetadas no ano passado por deslizamentos e enchentes, as propostas de parte dos candidatos não incluem adaptações a eventos extremos, mostrou reportagem do Intercept Brasil.
Já no Rio Grande do Sul, na avaliação de Diana, a questão ambiental também é abordada de forma limitada pelos candidatos. “O foco de todos os candidatos é a reconstrução e modernização do sistema de diques de contenção e casas de bombas, que se mostraram insuficiente nas enchentes deste ano”, critica.
“Sem políticas públicas de prevenção e resiliência dos nossos biomas, estaremos sempre no modo de mitigação”, critica Diana Sampaio, do ClimaInfo.
“Sem políticas públicas de prevenção e resiliência dos nossos biomas, estaremos sempre no modo de mitigação. Com isso, a população se vulnerabiliza, principalmente pelo fato que, um dos pontos principais das mudanças climáticas é o aumento da frequência dos eventos extremos”, alerta.
Outro ponto é que as cidades são responsáveis por 70% das emissões de gases de efeito estufa, causadores da crise climática. Assim, os governos locais, formados pelos prefeitos e vereadores, ocupam posições fundamentais para que as decisões relacionadas à redução das emissões sejam tomadas.
“Os tomadores de decisão vão decidir por ações que possuem impacto direto com a saúde, transporte, o lixo nas cidades e todas essas agendas têm relação direta com a crise climática e a velocidade de implementação da transição energética. As áreas urbanas desempenham um papel fundamental na descarbonização e, portanto, melhoria da qualidade de vida das pessoas em meio à crise climática”, detalha Marina Marçal.
A Constituição Federal estabelece que os governos municipais são responsáveis pela regulamentação de questões ambientais específicas ao contexto local e pela gestão dos recursos naturais dentro de seus limites territoriais, inclusive em complemento às legislações estaduais e federais.
Leia + O que é racismo ambiental
Para construir cidades mais sustentáveis, os prefeitos e vereadores podem trabalhar na temática a partir de metas estipuladas no Plano Diretor e ações de preservação e restauração, como o reflorestamento de áreas de encostas, criação de corredores verdes, educação ambiental para o manejo do fogo, fortalecimento da coleta seletiva e utilização de produtos da agricultura familiar em serviços públicos como creches, universidades e asilos.
Os governos municipais também podem aderir ao Plano de Mudanças Climáticas, que tem como uma das principais metas zerar as emissões de gases de efeito estufa até 2050.
A poucos dias das eleições e na esteira da epidemia de queimadas, candidaturas comprometidas com a questão do clima e do meio ambiente articularam-se na recém-criada Bancada do Clima.
As adesões saltaram de 5 para 185 representantes desde o lançamento em 11/09. A ministra do Meio Ambiente e Mudança no Clima, Marina Silva, apoia a iniciativa.
Ver essa foto no Instagram
Para a especialista em política climática Marina Marçal, a iniciativa é bem-vinda, mas ainda insuficiente. “É uma proporção baixa (de candidaturas comprometidas com o clima) para a posição na vereança, tão importante para a elaboração de leis capazes de avançar no nível de implementação local e também a responsabilidade de fiscalização dos prefeitos e prefeitas em sua atuação Executiva”.
Leia + Marchas por Justiça Climática pedem ação contra crise no clima
A especialista considera ainda que o compromisso com o clima é fundamental para uma sociedade com a democracia fortalecida.
“Em uma democracia frágil, a agenda ambiental não avança. Portanto, o fortalecimento da democracia é crucial para a agenda ambiental e climática dos países. Esse ano, 64 países enfrentam eleições, isso representa metade da população mundial. Em democracias fortalecidas, a sociedade civil tem papel fundamental em cobrar, fiscalizar e monitorar as ações prometidas por seus candidatos”. conclui Marina.
No campo da sociedade civil, 70 organizações querem dar visibilidade a candidaturas comprometidas com as mudanças climáticas nas cidades por meio da campanha “Vote pelo Clima”.
De maneira prática, a iniciativa conecta o eleitorado com candidaturas que priorizam o clima. São mais de 1 mil postulantes já cadastrados na plataforma e 695 estão disponíveis para visualização, 643 candidatos a vereadores e 52 a prefeitos. A ferramenta possibilita filtrar as candidaturas por município, cargo, partido, tema ou nome.
Ao acessar os resultados, o eleitor consegue obter informações sobre o perfil do candidato, além das principais propostas relacionadas à temática ambiental e climática.