Como produzir um Mapa da Desigualdade em sua cidade?
Publicado dia 24 de março de 2017
Publicado dia 24 de março de 2017
“A desigualdade é um problema que vai muito além da distribuição de renda.” É em torno desta afirmação que o Guia orientador para a construção de Mapas da Desigualdade nos municípios brasileiros pretende orientar e incentivar cidadãos e instituições públicas a reunirem indicadores e elaborarem seus próprios levantamentos sobre a desigualdade territorial existente em suas cidades.
Segundo o guia, a desigualdade está presente no acesso a serviços básicos de saúde e educação, na oferta de equipamentos esportivos e culturais, no tempo médio de vida da população e em áreas como transporte, segurança e habitação. “No Brasil, lidamos diariamente com o abismo que separa regiões extremamente pobres de lugares que apresentam índices de países desenvolvidos. É como se Japão e Serra Leoa convivessem lado a lado, inseridos no mesmo território”, afirma o documento.
Portanto, a desigualdade também acontece em escalas menores, dentro de uma mesma cidade. O Mapa da Desigualdade de São Paulo, produzido há cinco anos pela Rede Nossa São Paulo, revela que 31 distritos – de um total de 96 – não possuem leito hospitalar. Em 34, não há parques; em 36, não há bibliotecas. Quem mora em Cidade Tiradentes, na zona leste, tem um tempo médio de vida de 53,8 anos; no Alto de Pinheiros, na zona oeste, esse índice é de 79,6 anos.
Em 2016, o Mapa da Desigualdade foi produzido no Distrito Federal e na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
“Essas informações reforçam a importância do enfrentamento à desigualdade na esfera pública e a necessidade de políticas que priorizem os investimentos nos locais que mais precisam de recursos”, defende o Guia. O Mapa da Desigualdade aponta as diferenças entre as melhores e piores regiões de um território, de modo que seja possível mapear as mais carentes de serviços e infraestrutura.
A Plataforma Cidades Educadoras conversou com Clara Meyer, coordenadora de Indicadores do Programa Cidades Sustentáveis, sobre o desenvolvimento do Guia e produziu um passo a passo metodológico para as cidades interessadas em produzir seu Mapa da Desigualdade.
1# Levantamento de indicadores
Estabelecer um conjunto de indicadores que contemple áreas como Educação, Saúde, Trabalho, Meio Ambiente, Cultura, Violência, entre outras, é o primeiro passo para a elaboração do Mapa da Desigualdade.
“É recomendável que algumas áreas reúnam mais de um indicador, de modo que se obtenha um diagnóstico preciso da cidade e suas subdivisões administrativas. Em Saúde, por exemplo, o levantamento de dados pode envolver informações como baixo peso ao nascer, gravidez na adolescência, leitos hospitalares, mortalidade infantil e assim por diante”, afirma o Guia.
Segundo Clara Meyer, esta é a etapa mais delicada na elaboração do Mapa da Desigualdade. “É a fase mais complicada do processo: em muitos casos, os indicadores de uma cidade englobam a sua totalidade, e não fazem o registro local. Também na maioria das vezes as informações vêm do poder público municipal, mas o Mapa pode e deve ser feito por movimentos da sociedade civil.”
Alguns dados de Saúde, por exemplo, podem ser obtidos no DATASUS, e os de Educação, no INEP. Dados do Censo Demográfico devem ser evitados para a composição do Mapa, pois são atualizados uma vez a cada década. Para se obter comparações precisas, o ideal é utilizar indicadores que sejam atualizados anualmente.
2# Seleção dos dados por região da cidade
“É importante observar a divisão territorial da cidade e fazer o levantamento de indicadores a partir da menor unidade administrativa regulamentada (como bairros, zonas e distritos)”, aponta o documento. Compare, então, os dados de cada uma dessas áreas e faça uma escala progressiva a partir das regiões que apresentam os melhores indicadores.
“Em uma cidade como São Paulo, principalmente por seu tamanho e suas diferenças entre regiões, é fundamental que os dados sejam apresentados por distrito. Nas cidades menores, que não possuem muita diferença entre regiões, faz sentido comparar as áreas rural e urbana”, observa Clara.
3# Configuração do Sistema de Indicadores
Em parceria com a Eokoe, a Rede Nossa São Paulo desenvolveu um sistema para gerenciamento de indicadores, com o objetivo de auxiliar as prefeituras signatárias do Programa Cidades Sustentáveis. Os movimentos que fazem parte da Rede Social Brasileira por Cidades Justas, Democráticas e Sustentáveis também utilizam o sistema para fazer o monitoramento dos indicadores das cidades. O software é livre e pode ser utilizado gratuitamente pelos usuários.
“O Guia apresenta um passo a passo de como instalar esse software, que cria um observatório de desigualdade. Trata-se de um sistema completo de indicadores por região das cidades”, afirma Clara.
4# Cálculo do Desigualtômetro
O fator de desigualdade é calculado a partir da relação entre o melhor e o pior indicador em cada unidade administrativa. Para tanto, divida o indicador da melhor região pelo indicador da pior região.
5# Listagem dos indicadores zerados
“É de fundamental importância destacar os indicadores zerados, considerando os zeros ‘positivos’ (como zero casos de homicídio) e ‘negativos’ (como zero centros culturais). Com isso, é possível relacionar os dados no contexto da série histórica e avaliar se os indicadores zerados de fato melhoraram ou pioraram.”
6# Avaliação das regiões
Para a avaliação das regiões com os piores indicadores, é necessário criar uma planilha com todos os números e fazer um recorte das áreas que aparecem entre as trinta piores para todos os indicadores. Depois disso, faça a contagem de quantas vezes cada uma das regiões aparece nessa lista. Indicadores com valor zero de caráter negativo (como “Leitos Hospitalares”) também devem ser contabilizados.
“É muito importante enfatizar que diversas regiões em uma cidade não têm acesso a nenhum equipamento. Na maioria dos casos, os piores indicadores estão concentrados nas periferias de um centro urbano. A formulação de políticas públicas deve priorizar esses espaços”, defende Clara.
7# Apresentação do resultado
Ao final do levantamento, escolha os principais indicadores e destaque os dados básicos, como nome, descrição, fórmula de cálculo, fontes e informações adicionais. A apresentação deve incluir os indicadores de valor zero, o indicador da melhor e o da pior região, e o fator de desigualdade entre as regiões. “Apresente também a evolução do fator de desigualdade, a avaliação das regiões com os piores indicadores e a avaliação dos indicadores iguais a zero. Além disso, disponibilize um arquivo com todas as informações, ou seja, com os dados de todas as regiões”, finaliza o Guia.