Como articular uma Virada Educação na sua cidade?
Publicado dia 10 de outubro de 2018
Publicado dia 10 de outubro de 2018
Dos portões de uma escola pública, emergiu um cortejo de crianças: carregando seus instrumentos feitos de material reciclado e tambores de grupo de maracatu, elas transbordavam aprendizados de dentro para fora da escola, ocupando o espaço público com poesia e ludicidade, no potencial de um território que educa.
Essa foi uma das tantas cenas da Virada Educação, que celebrou sua quinta edição em São Paulo em setembro de 2018. “A proposta [da Virada] é entender como a escola pública transborda seus muros, ocupa territórios e faz com que a rua também seja percebida como espaço educativo”, afirma André Gravatá, educador e escritor.
A ideia nasceu em 2014, quando o próprio André e um grupo de amigos – que hoje formam o Movimento Entusiasmo – se articularam para entender como a escola pública poderia incidir no resto do território. O projeto também se inspirou na Virada Cultural, evento que propõe um catarse de cultura na capital paulista durante uma madrugada.
“Eventos geram uma experiência que atravessam o corpo e produz memórias incríveis. Para nós, sempre foi importante imaginar a Virada Educação como um pretexto para potencializar as articulações no território e mobilizar as pessoas a criarem vínculos mais fortes, dando visibilidade a certas práticas educativas e, quem sabe, um momento de fôlego para que continuem depois”, continua o educador.
Esse movimento catártico chamou a atenção de outros municípios, que à sua maneira, criaram suas próprias versões da Virada Educação – este ano, ela aconteceu também em Conde (Paraíba), Joinville (SC), Mogi Guaçu (São Paulo) e Pindamonhangaba (SP).
“Enxergamos a virada como um projeto que pode se espalhar por diferentes territórios, até porque sua feitura é muito humana, não há uma metodologia fechada ou um desenho que tenha que ser reproduzido. Quando as pessoas se apropriam da Virada, ela acontece de maneiras muito distintas, que tem muito a ver com o território.”
Em parceria com a plataforma Cidades Educadoras, André Gravatá traz inspirações de como cada território pode voltar para si mesmo e “descobrir-se educador, para que se perceba e se afirme mais fértil”.
O Brasil é um país diverso social e geograficamente, e cada cidade ou município tem suas particularidades. A escola pública é, entretanto, um equipamento comum, capilarizado e aglutinador de diversidades. “Nas escolas públicas, existem muitas pessoas e histórias, projetos que já são muito incríveis e potentes. Não adianta achar que escola pública é só tragédia, como muitas vezes a mídia mostra, porque aí acabamos inviabilizando iniciativas”, se atenta André.
Na capital de São Paulo, são seis as escolas municipais que hoje se articulam durante a Virada Educação: as EMEI Gabriel Prestes, EMEI Patrícia Galvão, EMEI Armando de Arruda, EMEI Monteiro Lobato, E.E Professora Marina Cintra e E.E Caetano de Campos. Elas compõem o que se convencionou chamar Território Consolação, e olham para sua própria produção pedagógica e também para as potências e desafios da região central.
“A palavra costura é muito importante. As escolas já estão fazendo projetos, então, como elas podem se perceber e aprender umas com as outras ao se aproximar?”.
Uma das alternativas que esse território encontrou foi utilizar os horários de formação continuada, como o Jornada Especial Integrada de Informação (JEIF), para criar momentos de intercâmbio de conhecimento das escolas envolvidas e do territórios ao seu redor. “Só o ato de sair da escola, de fazer a formação em outra, entender como sua escola parceira organiza o espaço, já proporciona uma troca”, reafirma André.
A qualquer pessoa que intenta iniciar uma Virada Educação, André aconselha que se circule pelo território e escute o que as pessoas, as instituições e o espaço têm a dizer: “No território da Consolação, a gente conversa com os educadores e com eles anda pelas ruas, entendendo como o espaço pode ser ocupado, percebido e conversado.”
Caminhar por uma praça, se debruçar sobre as bancadas do comércio local ou falar com os moradores é um bom jeito de fortalecer uma cultura de construção coletiva: que eventos eles ou elas gostariam que tivesse na Virada Educação? Que brincadeiras e aprendizados gostariam de ver na rua?
A escola, em especial, tem que ser percebida como um universo de grandezas: ao adentrar nesse espaço que tensiona e aciona relações, se deve escutar as famílias, os educadores, as crianças e os jovens: “Já são muitos os saberes no território possivelmente presentes ou que podem ser descobertos ao seu escutar a escola”, afirma André.
É a partir dessa escuta coletiva, partida tanto dos proponentes da Virada como de quem tem interesse em fazê-la acontecer, que é possível perceber quais são as demandas do território e como essa Virada pode potencializar saberes locais já vivos ali.
Uma vez que as demandas estejam organizadas, é importante também compreender como quem está fora do território pode se articular. É a hora de reunir voluntários externos e internos que deem conta de concretizar estes anseios.
“É importante entender o que o território está buscando, o que as pessoas gostariam de criar, o que pode ser feito e como novas parcerias podem nos ajudar ao alcançar isso”, relata André.
No Território Consolação, por exemplo, é sempre notório o desejo por brincadeiras, poesia e arte. Então este ano, coletivos do território como o grupo de teatro Esparrama – que estreita relação entre arte e território – e também grupos externos, como o coletivo musical da Guiné-Bissau, Fareta Sidibé, fizeram parte da programação.
A atenção para com o território também ajuda a determinar que tipo de atividade pode acontecer dentro dele: se uma das atividades da Virada for uma caminhada das crianças pelo território, por exemplo, é importante perceber se pelo trajeto passam muito carros. Se passarem, André aconselha uma articulação com a guarda civil metropolitana, para que haja visibilidade das crianças e adultos passantes.
Mas há também territórios menores, espaços mais curtos, onde a intimidade entre os passantes pode ser um grande diferencial: “Cada território oferece uma metodologia diferente. Há território que quando se está andando com as crianças, por exemplo, é possível encontrar parentes, amigos com muito mais frequência”. Nesses espaços, é importante perceber que atividades podem estreitar mais ainda os laços comunitários.
O variado leque de atividades e experiência que acontece hoje na Virada Educação de São Paulo só é possível porque as dificuldades e acertos das edições passadas se refletem em um detalhamento de cada prática realizada.
Em um dos tradicionais movimentos da Virada, que é a caminhada pelas ruas, uma das estratégias desenvolvidas é de chamar as famílias. A experiência de estar na rua com o filho ou filha modifica as percepções dos adultos sobre o espaço, e também ajuda a aumentar o número de voluntários que se engajam e se atentam aos mínimos detalhes do percurso.
“Combinamos o horário de maneira muito detalhada: aquele que vamos sair, o tempo que vai levar, o percurso, o horário da volta, se o lanche vai acontecer durante o saída, se vai ter espaço para tomar água, fazer xixi, um lugar que vá dar conta do número de crianças”, relata André.
É também fundamental que, após o evento, se faça um diálogo para entender quais foram as dificuldades e potenciais descobertos durante o evento.
Quem já se deparou com qualquer ação da Virada, sabe como a arte está presente, por mais diferentes e múltiplas que sejam suas formas de manifestação. “A arte e a poesia são linguagens para aproximar as pessoas. Por meio da música, da palavra, do corpo, momentos são criados para que as pessoas se vejam mais íntimas e mais abertas ao território”, relata André.
Entender a arte e a poesia como fatores de aproximação e vínculo com território é fácil quando se presencia, por exemplo, o tradicional cortejo das crianças. “Quando a gente passa no território, quando as crianças estão cantando e um grupo de maracatu está acompanhando, isso passa a ser um ato de espanto e de encanto ao mesmo tempo. E as pessoas se perguntam ‘como é possível que isso esteja acontecendo hoje’? É um ato de afirmação da importância e da sensibilidade.”
Os atos públicos também são importantes fábricas de símbolos, que personalizam o território e deixam visíveis que ali há uma escola ansiosa por dialogar para além de seu perímetro. “São símbolos que as crianças passam a ver que têm a ver com a saída em si, mas também com o território, sua relação com a escola, das linguagens que deem mais cor e vida e que se valem da urgência da ocupação dos espaços públicos”, finaliza André.
Práticas