Professor usa “dialeto periférico” e Racionais para ensinar filosofia na ZL em São Paulo
Publicado dia 25 de novembro de 2021
Publicado dia 25 de novembro de 2021
O professor Fabiano Ramos Torres, de 47 anos, encontrou na linguagem popular das periferias, ou dialeto periférico, e até em músicas do grupo Racionais MC’s, uma forma de aproximar alunos das escolas públicas de São Paulo da Filosofia. Graduado na disciplina pela Universidade de São Paulo (USP) e com doutorado em Educação pela mesma universidade, Fabiano lecionou durante 15 anos em escolas públicas e atualmente é professor visitante na UFABC (Universidade Federal do ABC).
Nascido em Guaianases, onde morou até os seis anos, quando se mudou para Guarulhos, o professor encontrou nas gírias usadas na periferia uma forma de trazer a Filosofia para o dia a dia dos alunos. Ou como ele mesmo diz, o dialeto das periferias. “Quando falo em dialeto me refiro também à passagem de uma música dos Racionais que diz ‘gíria não, dialeto’. Acabei me referindo a isso para pensar nessa dimensão viva da linguagem e de pensamentos”.
O professor defende a ideia de se aproximar, com expressões comuns do dia a dia dos alunos, para trazer conceitos filosóficos. “A ideia de ‘fluxo’, por exemplo, a molecada sempre cantando que é o ‘fluxo’ e falando de ‘pancadão’ e ‘rolezinho’, mas também há inúmeros exemplos na Filosofia que a palavra fluxo é usada como um conceito e ideia de processo. Fluxo é uma palavra que, desde a antiguidade grega, o termo está presente e, embora sejam coisas distintas, ela traz uma proximidade que permite falar sobre”.
Além do “dialeto periférico”, o professor também faz questão de levar arte para a sua metodologia de ensino, utilizando, por exemplo, performances e as mais variadas linguagens. “As interfaces da arte com a educação estão sempre presentes e faço questão de utilizar em favor da educação pública”.
Atualmente morador da Parada XV de Novembro, Fabiano diz que chegar ao local foi uma verdadeira revolução na sua forma de ver o mundo. Conta que ficou espantado e encantado ao mesmo tempo com a dimensão das periferias, com suas precariedades e também com a exuberância da cultura popular e periférica, fazendo questão de entender os pensamentos das quebradas para repassar e reproduzir conhecimento.
“Tive uma vida acadêmica na universidade pública e sou um aluno vindo da periferia, bancado por recursos da população e, por uma atitude política, escolhi trabalhar na periferia para retorno à sociedade. Mas também por questões pedagógicas, porque são as periferias que precisam de bons professores e era isso que eu queria a partir do momento em que pisei na escola e começou minha jornada de professor”.
Durante 15 anos Fabiano lecionou nas escolas estaduais Ruth Cabral, em Itaquera, e Oswaldo Caetano, no Tatuapé, ambas na zona leste. Conta também que por ser morador da região, muitas vezes encontrava os alunos na condução até a escola e, por vezes, as aulas começavam ali mesmo. Foram nesses encontros que surgiram as primeiras experiências de linguagens e performances e, em certa medida, o nascimento do “dialeto periférico” para ensinar Filosofia.
“Procurei fazer o que chamo de Filosofia em ato, isso significa ser professor e pesquisador ao mesmo tempo, fazendo do próprio trabalho um objeto de pesquisa. Também pensava junto com os alunos como poderia ensinar, fazia um trabalho de escuta, de proximidade e construção conjunta com os alunos. Eles sempre tiveram abertura para me dizer se aquilo estava funcionando ou não”.
Agora, dentro de uma universidade, Fabiano abandonou o ensino do “dialeto da periferia” no chão das escolas públicas, mas continua disseminando o conhecimento filosófico através das suas redes sociais, de crônicas que escreve sobre o cotidiano escolar e lives temáticas; tem espaço para novos alunos e mantém contato com os antigos.
Torres revelou que tinha de medo de ser professor e dar aulas não estava em seus planos, mas a vida o levou para a profissão da qual não se arrepende. “Eu não achava que seria capaz de dar aulas e construir uma carreira, quando estava terminando a graduação sequer existia aula de Filosofia nas escolas, mas em 2005 houve um decreto que reintroduziu a Filosofia no ensino e fui fazer um concurso, mas tremendo na base”, conta.
Ele também diz que sempre gostou bastante de estudar e ter uma troca com as pessoas dentro da sala de aula, mas o fato de encarar jovens, sobretudo adolescentes periféricos, o assustava um pouco. Apesar da insegurança, Fabiano se surpreendeu e afirma que a sala de aula o transformou completamente.
“Professores podem transformar vidas, mas nós também podemos ser transformados. No exercício e prática da profissão, no contato com o outro e com as precariedades e dificuldades fui me tornando professor à medida em que descobria os desafios, possibilidades, potências e riquezas. Há muitas situações de sala de aula e da vida escolar que vão muito além do ensino da disciplina”.
Ele também destaca a importância e necessidade do ensino da matéria dentro do ambiente escolar: “A Filosofia dá a capacidade de perceber múltiplas perspectivas e também tenta esclarecer os discursos de ideologia e de poderes. O pensamento crítico amplia horizonte e dá a possibilidade de fazer um ‘rolê’ pelas várias perspectivas que estão em disputa”, finaliza.