publicado dia 30 de maio de 2012
O historiador americano Robert Darnton, 73, professor da Universidade Harvard (EUA) e diretor da biblioteca da universidade, participou ontem de seminário para jornalistas na Folha.
No encontro, Darnton -que veio ao Brasil para o 4º Congresso  Internacional Cult de Jornalismo Cultural- falou sobre o projeto de  criação de uma biblioteca digital americana, com acesso mundial e  gratuito, que deve entrar no ar em abril de 2013.
“É uma oportunidade inédita de compartilhar nossa riqueza de conhecimento.”
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Filho de jornalistas e graduado em Oxford, no Reino Unido, ele é especialista em Revolução Francesa e na história do livro e da imprensa.
Entre seus trabalhos mais conhecidos estão “O Iluminismo como Negócio” (1987) e “Os Best-Sellers Proibidos da França Pré-Revolucionária” (1996), lançados no país pela Companhia das Letras.
Leia, a seguir, trechos de sua conversa com os jornalistas da Folha.
JORNALISMO IMPRESSO
Venho de uma família de jornalistas. Meu pai, minha mãe, eu e meu irmão  trabalhamos no “New York Times”. Meu pai morreu no Pacífico cobrindo a  Segunda Guerra. Eu não o conheci, tinha três anos.
Comecei minha carreira cobrindo crimes. Na época se dizia: “Se você  consegue cobrir assuntos policiais, pode cobrir [os da] Casa Branca”.
A grande questão na vida de um repórter é como narrar uma história em  500 palavras. Ele acaba transmitindo sua experiência. Não vejo notícias  como realidade, mas como histórias sobre a realidade.
INTERNET
Nos EUA a mudança é profunda. Quase toda semana um jornal morre. A maior  parte da receita publicitária do “The New York Times”, por exemplo,  vinha dos classificados. Quase todos esses anúncios estão on-line. Mas  acho que os grandes sobreviverão. A questão é descobrir um modelo de  financiamento.
O trabalho do repórter também mudou. Continuo achando que o contato  pessoal de um repórter com a fonte ou o acontecimento faz uma diferença  enorme. Não adianta reproduzir o que está no Twitter ou nos blogs.
BIBLIOTECA DIGITAL
Quando o Google decidiu que queria digitalizar livros, procurou Harvard  primeiro, pois é a maior biblioteca universitária do mundo. O Google fez  lobby com outras universidades. Eles queriam digitaliza qualquer livro,  não só os de domínio público. Criaram uma base de dados gigante de  livros cobertos por direitos autorais. A ideia era vender acesso às  obras, a um preço que eles próprios estipulariam. Não era algo legal.
No final, o acordo foi vetado pela Justiça, que o viu como uma tentativa de monopólio.
Nesse meio tempo, convidei os dirigentes de bibliotecas para criarmos  uma versão digital com milhões de livros, como o Google, mas gratuita.
Acabamos conseguindo financiamento de fundações privadas americanas  -muitas vezes elas funcionam melhor do que o governo. Em abril, entra no  ar uma enorme biblioteca digital que qualquer um no mundo poderá  acessar sem gastar um tostão. Criar essa plataforma para partilhar  conhecimento, sem empresas, está sendo a maior oportunidade da minha  vida.
Os direitos autorais são um tema sensível. Teoricamente só poderemos  disponibilizar obras anteriores a 1923, pois estas estão em domínio  público. São 2 milhões, o que não é pouco. As demais precisam ser  negociadas com os detentores dos direitos, e estamos estudando  alternativas.
AMÉRICA LATINA
Hoje os olhos dos americanos estão voltados para a América do Sul e a  Ásia. A nova geração está aprendendo espanhol e mandarim. Não acho que a  cultura europeia tenha se exaurido de vez, mas há ventos de mudança, e a  vitalidade dos dois continentes tende a ganhar influência.
FUTURO DO LIVRO
As pessoas dizem que os livros e as bibliotecas estão obsoletos. É  loucura: temos mais pessoas hoje nas nossas bibliotecas do que nunca. Se  o aluno tem que escrever um trabalho e fazer uma pesquisa, claro que  ele usa o Google e a Wikipedia. Mas não basta. Ele procura um  bibliotecário. Os bibliotecários desenvolveram uma nova função, que é  guiar pelo ciberespaço.
As estatísticas contrariam aqueles que dizem que o livro impresso está  acabando. Na China, a produção dobrou em dez anos. Em 2009 o planeta  atingiu uma marca histórica de 1 milhão de novos títulos impressos no  ano. Acho que os livros impressos e on-line não estão em guerra, são  suplementares.

                        

