publicado dia 10 de agosto de 2012
Instrumento fundamental para a alfabetização e para a aprendizagem em sala de aula, os recursos multimídia estão sendo vinculados aos livros de forma bem mais lenta do que o esperado. A análise é do presidente da Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares (Abrelivros), Sérgio Quadros.
Presente na 22ª Bienal do Livro de São Paulo, a Abrelivros é uma rede composta por alguns dos gigantes do ramo, como a FTD, a Melhoramentos e a Moderna. Responsável pela distribuição de livros escolares para mais de 50 milhões de estudantes do ensino básico no Brasil, tanto no setor privado quanto no estatal, segundo informa a própria entidade.
Quadros reafirmou o posicionamento e compromisso com a formação de novos leitores. “Mesmo os livros que são interativos e animados, preservam o texto, algo que é esperado pelos professores com relação aos livros didáticos”, afirmou.
Ciente de sua importância na alfabetização, as editoras de livros didáticos vêm tentando encontrar estruturas relevantes na junção do livro com as inovações tecnológicas. “Estamos fazendo protótipos de materiais digitais que não têm mais a estrutura de livro”, diz Quadros.
Com uma programação voltada para a discussão do letramento e da alfabetização durante a Bienal, o Portal Aprendiz entrevistou o presidente da Associação sobre o posicionamento das editoras frente às mudanças trazidas pelas novas tecnologias da informação e o impacto das mesmas na sala de aula. Confira:
Portal Aprendiz – Livros didáticos estão passando por adaptações para incorporar os recursos das tecnologias da informação e comunicação?
Sérgio Quadros – Sim, estão. Tanto no caso da produção destinada às escolas privadas e que já vem acompanhada de objetos digitais, quanto no material adquirido pelo Ministério da Educação, que pela segunda vez traz conteúdos digitais.
Aprendiz – No que consiste este conteúdo?
Quadros – O livro ainda é no suporte papel, mas ele vai acompanhado de uma série de atividades como animações, mapas interativos, vídeos, jogos, áudio. Por enquanto são objetos referenciados no próprio livro. Não existe ainda um produto desenhado digitalmente do começo ao fim, apenas protótipos nas editoras. Não há, contudo, estrutura nas escolas para que o livro seja usado dessa maneira – é uma evolução natural.
Aprendiz – Outros setores do mercado editorial livreiro, como os livros de ficção, por exemplo, tendem a incorporar mais rapidamente estes recursos?
Quadros – Na literatura de ficção está avançando mais rápido. Por ter um leitor individual, o processo é menos complexo. O problema do livro didático é que ele é usado como ferramenta em sala de aula. Enquanto a escola não estiver com o seu ambiente adaptado plenamente ao uso da tecnologia, fica mais difícil. Hoje a gente tem desde livros que são simplesmente o conteúdo digitalizado, como também já há livros com conteúdo interativo específico. É o caso dos infantis, em que a criança pode interagir com animações, áudio, narrador, mas ainda mantendo o texto. No caso da Abrelivros a gente continua dando muita ênfase à leitura, então o texto está sempre presente. Evitamos ir para um livro que seja totalmente um jogo, ou só narrado com animações.
Aprendiz – Por quê?
Quadros – Temos compromisso com a leitura. A criança precisa ler. Mesmo os livros que são interativos e animados, ele preserva o texto, algo que é esperado pelos professores com relação aos livros didáticos. Mas já há outras experiências. No caso de um paradidático para matemática, por exemplo, já existe uma abertura maior para um outro tipo de construção, não mais pensada em livro. Estamos fazendo protótipos de materiais digitais que não têm mais a estrutura de livro.
Aprendiz – Qual estrutura é adotada nestes casos?
Quadros – Ou um game, ou uma estrutura de hyperlinks, não mais sequencial e sem enumerar páginas. A interação acontece com uma estrutura mais dinâmica, numa outra forma de se consumir. A gente acredita que esse tipo de produto entrará na escola muito rapidamente, com a tecnologia cada vez mais barata, leve e fácil de carregar, como é o caso das facilidades proporcionadas pela adoção dos tablets, por exemplo.
Aprendiz – A experiência proporcionada pela leitura em si mesma se tornará defasada?
Quadros – Temos tomado cuidado para que isso não aconteça. Especialmente nas fases iniciais da criança existem atividades, como a da escrita, que são insubstituíveis no meio digital. A editora de didático está atenta ao tipo de atividade que o livro proporciona e o seu valor pedagógico, o que nos torna mais cautelosos nesse terreno. Nem sempre o uso de tecnologia é melhor do que o livro lido com texto e imagem. Quando é melhor, a gente procura usar. Do contrário a gente fica na estrutura tradicional mesmo.
Aprendiz – Com os novos modelos de negócio para o mercado editorial, as editoras passarão a disponibilizar o conteúdo dos livros online?
Quadros – Todas as editoras hoje estão preocupadas com o modelo de negócios, que vai haver, mas ainda não se sabe exatamente como. Não sabemos ainda se esses novos objetos digitais serão vendidos como objetos à parte ou num portal, ou mesmo de que maneira serão entregues. Isso muda a cadeia, a logística, a livraria. Felizmente acreditamos que essa transição será mais lenta do que parecia, porque daí haverá tempo para que essas estruturas se acomodem. Se fosse muito disruptiva seria mais difícil, porque tem muitos “players” entrando num modelo ainda não estabelecido. O jornal, que começou muito antes, ainda não conseguiu fechar uma forma. Tem tanto o portal gratuito com parte paga, ou é assinatura com uma parte free, ainda não tem um modelo. Tem alguns jornais muito felizes com o que escolheram, outros que não funcionaram. Portanto, ainda demorará um pouquinho até as editoras se ajustarem a esta nova realidade. Vai depender muito da demanda e do tipo de expectativa que as pessoas têm.
Existe uma ideia falsa de que o conteúdo digital, como está na internet, todo mundo pode acessar gratuitamente, então ele tem de ser gratuito. De fato há muito conteúdo gratuito, mas o conteúdo que foi estruturado e pensado para um uso específico, seja no jornal ou no livro didático, não pode ser gratuito, porque uma série de profissionais precisam ser remunerados nessa cadeia.