publicado dia 13 de março de 2025
Trabalho doméstico e filhos impactam acesso das mulheres à Cultura
Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
publicado dia 13 de março de 2025
Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
Resumo: Mais interessadas em atividades culturais do que os homens, as mulheres enfrentam mais obstáculos para sair de casa e acessar cinemas, museus e shows. É o que mostra a pesquisa Cultura nas Capitais, que mapeou os hábitos culturais em grandes cidades brasileiras.
Ir ao teatro, curtir um filme no cinema, dançar em um show: as brasileiras têm, em geral, mais interesse em atividades culturais do que os homens. Elas, no entanto, enfrentam barreiras estruturais para transformar o desejo em realidade.
É o que diz a pesquisa Cultura nas Capitais, que mostra como a desigualdade de gênero também está presente no acesso à Cultura nas grandes cidades do Brasil.
A histórica dupla jornada de trabalho acumulada por elas, que inclui o cuidado com familiares e tarefas domésticas, é um dos fatores apontados para a diferença mostrada pelo levantamento.
A população feminina dedica, em média, 17 horas da sua semana para limpar a casa, preparar refeições, cuidar de crianças pequenas e de idosos. O tempo gasto pelas mulheres com essas atividades chega ao dobro dos homens, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) de 2022.
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“Hoje em dia, homens e mulheres estão no mercado de trabalho, mas ela dedica mais horas ao trabalho do cuidado. Muito do seu tempo é alocado nesse trabalho, que não é remunerado, e sobra menos tempo para o lazer”, aponta a economista Lorena Hakak, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) e presidente da Sociedade de Economia da Família e de Gênero (GeFam).
Para especialistas, o dado é relevante para orientar políticas públicas que visem ampliar o acesso das mulheres à Cultura, com a necessidade de ações intersetoriais e específicas para elas.
Desigualdade de gênero no acesso à Cultura nas capitais
O mapeamento sobre hábitos culturais nas metrópoles Cultura nas Capitais, divulgado em fevereiro, aponta que as responsabilidades domésticas impactam desigualmente o acesso de homens e mulheres a espetáculos de dança, shows, peças teatrais, museus e festas populares.
Embora as mulheres apresentem maior interesse por cultura do que os homens, elas enfrentam mais obstáculos para transformar esse desejo em participação efetiva. O levantamento mostra que nas cinco atividades em que o grau de interesse foi pesquisado (dança, show, teatro, museu e festas populares), o percentual de mulheres que deu notas de 8 a 10, numa escala de 0 a 10, foi maior que o dos homens.
Segundo a pesquisa, realizada pela JLeiva Cultura & Esporte, com patrocínio do Itaú e do Instituto Cultural Vale e em parceria com a Fundação Itaú, homens e mulheres com filhos de até 12 anos geralmente fazem menos atividades culturais do que quem não tem filhos, mas a queda é maior para as mulheres.
Entre os entrevistados sem filhos, elas vão mais a museus do que eles: 37% e 33%, respectivamente. Entre os que têm filhos de até 12 anos, os números caem, mas as posições se invertem: homens (25%) vão mais do que mulheres (23%).
A maternidade também reduz em 10 pontos percentuais o acesso das mulheres a shows de música: 52% entre as que não têm filhos e 42% entre as mães. Para os homens, o recuo é menos intenso, de 49% para 45%.
Entre os entrevistados, apenas 34 homens, de todos os 19.500 entrevistados, se declararam “donos de casa”.
“Esse é um dado muito relevante quando pensamos na perspectiva da política pública, pois aponta para a importância de pensarmos ações interfederativas entre o Ministério da Cultura, para democratizar o acesso à cultura no país, e entre as secretarias estaduais e municipais para executarem ações específicas voltadas para as mulheres”, considera Carla Chiamareli, gerente do Observatório Fundação Itaú.
Política Nacional de Cuidados pode ser uma saída
Sancionada pelo governo federal em dezembro de 2024, a Política Nacional de Cuidados pode ser um primeiro passo para as mulheres brasileiras conseguirem mais tempo para se dedicar ao lazer e, naturalmente, acessarem mais seus direitos à Cultura e à Cidade.
A política pública, a primeira a lançar um olhar do Estado sobre o trabalho de cuidados, visa garantir o Direito ao Cuidado por meio da corresponsabilização entre homens e mulheres e entre as famílias, a comunidade, o Estado e o setor privado pela provisão de cuidados, considerando as múltiplas desigualdades que impactam o acesso a esse direito.
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“Essa política inclui, por exemplo, a promoção de políticas públicas para valorizar as atividades do cuidado e quem exerce, além de gerar condições de compatibilizar o trabalho não remunerado e o trabalho pago com as próprias necessidades da família. Isso também está ligado à própria extensão da licença-paternidade, que é uma outra discussão em curso no Congresso. É uma forma de o Estado mostrar para a sociedade que o cuidado da criança não deve ser somente da mãe. Por isso, essa política é bastante importante. Se o homem começa a fazer mais o trabalho do cuidado, é liberado mais tempo para a mulher ter lazer”, completa a economista Lorena Hakak.