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publicado dia 31 de janeiro de 2025

Mudanças na moderação de conteúdo em redes sociais deixam crianças mais vulneráveis

Reportagem: | Edição: Tory Helena

🗒️Resumo: A Meta, empresa controladora do Facebook, Instagram, Threads e WhatsApp, anunciou no início de janeiro mudanças nas suas políticas de moderação de conteúdo, a começar pelos Estados Unidos. Entenda como isso impacta os direitos das crianças e adolescentes, que são as populações mais vulneráveis ao discurso de ódio que circula nas plataformas.

Crianças e adolescentes que acessam redes sociais podem ficar ainda mais vulneráveis a situações de cyberbullying, preconceito e discurso de ódio com as mudanças anunciadas neste mês de janeiro pela Meta — empresa controladora do Facebook, Instagram, WhatsApp e Threads. 

A big tech alterou suas políticas de moderação de conteúdo, encerrando os filtros que coibiam falas odiosas e dando fim  ao programa de checagem de fatos. As novas diretrizes já passaram a valer nos Estados Unidos e é uma questão de tempo para que sejam adotadas também no Brasil.

A novidade despertou preocupação nos pais e responsáveis e em organizações defensoras dos direitos de crianças e adolescentes, uma vez que essas pessoas já são os grupos mais vulneráveis a violações de direitos na Internet.

Para se ter ideia, 3 a cada 10 crianças e adolescentes brasileiros de até 17 anos que acessam a internet afirmam já ter vivenciado alguma situação ofensiva, de acordo com a pesquisa  TIC Kids Online Brasil 2024, do Comitê Gestor da Internet no Brasil.

A pesquisa mostra também que, entre as crianças de 9 e 10 anos, 60% são ativas em pelo menos uma rede social, embora a maioria das plataformas não aceitem usuários menores de 13 anos.

Em comunicado, a Meta defendeu que o novo modelo permitirá que as pessoas se expressem mais, “eliminando restrições sobre alguns assuntos que são parte de discussões em voga na sociedade e focando a moderação de conteúdo em postagens ilegais e violações de alta severidade”.

Na avaliação do advogado João Coelho, do Programa Criança e Consumo do Instituto Alana, as mudanças nas políticas de moderação da Meta são preocupantes, já que crianças e adolescentes são os usuários mais vulneráveis aos discursos de ódio que circulam nas plataformas, com reflexos que ultrapassam o ambiente digital.

“Basta a gente lembrar a escalada de violência nas escolas que verificamos no início de 2023 para percebermos o quão impactante pode ser esse tipo de discurso na vida das crianças que usam a Internet e também daquelas que convivem com crianças que eventualmente são levados para essas espirais de radicalização”, aponta.

Em 2023, o Brasil registrou pelo menos 16 ataques extremos às escolas brasileiras, o que fez do ano o mais violento desde o primeiro caso registrado em 2002. Os dados são do relatório “Ataque às escolas no Brasil: análise do fenômeno e recomendações para a ação governamental”, elaborado pelo Grupo de Trabalho de Especialistas em Violência nas Escolas, estabelecido pela Portaria 1.089 do Ministério da Educação (MEC).

As violências ocorridas no ambiente escolar não podem ser atribuídas somente ao discurso de ódio frequente nas redes sociais, mas é preciso levar em conta sua influência, considera João Coelho.

“Se você não coloca nenhum tipo de limite em relação ao discurso de ódio e diz que tudo isso será tratado como uma forma legítima de liberdade de expressão, a tendência é que você favoreça esse tipo de conteúdo e que situações como as de dois anos atrás voltem a se repetir e se ampliem”, analisa o jurista.

Crianças mais vulneráveis a propagandas

Com as mudanças nas plataformas da Meta, outra preocupação levantada pelo advogado do programa Criança e Consumo é a vulnerabilidade de crianças e adolescentes a propagandas de jogos de apostas, as Bets, como ficaram conhecidas popularmente.

“A partir do momento em que são desmanteladas as políticas contra o discurso de ódio e as estruturas internas da empresa que lidam com a proteção dos consumidores, terminam também a proteção contra outras violações, inclusive outras formas de conteúdo que podem ser extremamente prejudiciais para as crianças, que são as propagandas de Bets feitas por influenciadores” aponta Coelho.

Leia + Manu Halfeld: “Plataformas acessadas por crianças e adolescentes devem ter controle parental acessível”

Um monitoramento feito pelo programa Criança e Consumo no primeiro semestre de 2024 identificou 10 perfis de influenciadores mirins que promoviam sites de apostas para crianças e adolescentes. 

Os perfis foram denunciados para a Meta, para o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) e para o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) em junho do ano passado a fim de responsabilizar os anunciantes e a Meta pela exploração comercial de crianças e adolescentes.

Segundo a denúncia, as plataformas não apenas permitem, mas também incentivam a participação de crianças e adolescentes em jogos de azar, oferecendo bônus e promoções que os atraem para esse universo. 

“A ausência de medidas efetivas por parte das autoridades para agir contra essas práticas permite que elas continuem ocorrendo livremente, prejudicando o bem-estar e o desenvolvimento saudável dos jovens, além de os expor a uma série de riscos sem qualquer proteção”, destacou o documento.

Mudanças na moderação de conteúdo em redes sociais, anunciadas pela Meta, deixam crianças mais vulneráveis.
Mudanças nas políticas da Meta deixam crianças e adolescentes mais vulneráveis a violências nas redes sociais. (Foto: Agência Brasil)

Como a legislação brasileira pode proteger as crianças e adolescentes? 

Após a repercussão das mudanças na política de moderação das plataformas da Meta, a Advocacia-Geral da União (AGU) notificou a empresa norte-americana em busca de uma explicação sobre como crianças, adolescentes, mulheres e comerciantes seriam protegidos.  A resposta da big tech não foi divulgada pelo governo. 

O país já dispõe de leis que protegem os direitos de crianças e adolescentes e que se estendem ao ambiente digital, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, que regulamentou o artigo 227, da Constituição Federal, que estabelece que a proteção dessas populações é uma responsabilidade compartilhada entre família, estado e toda a sociedade, incluindo o setor empresarial.

Contudo, ainda não há uma legislação específica a respeito das obrigações das empresas controladoras de plataformas digitais e como essa governança deve ser estruturada. 

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Mas isso pode mudar caso o Projeto de Lei (PL) 2628/2022 seja aprovado no Congresso e sancionado pelo poder executivo. Aprovado na Comissão de Comunicação e Direito Digital do Senado em novembro de 2024,  o PL traz entre suas principais diretrizes o reforço do dever das plataformas digitais em prevenir o acesso de crianças e adolescentes a conteúdos inadequados, mitigar exploração e abuso sexual e  coibir o uso de  informações comportamentais para fins publicitários.

Apoiado por organizações da sociedade civil, especialistas e defensores dos direitos das infâncias e adolescências, a proposta também visa impor o dever de remoção de conteúdos que violem os direitos do grupo, além de garantir o compromisso de todos com o desenho de um ambiente digital seguro e apropriado para diferentes idades.

“Existe uma crescente urgência em garantir que nossas crianças e nossos adolescentes estejam efetivamente protegidos de toda a gama de prejuízos que vêm com esse modelo de negócio dessas redes sociais. O PL adquire nesse momento uma importância muito grande e várias de suas disposições obrigam as empresas de tecnologia justamente a implementarem medidas para avaliar os riscos que podem surgir a partir da utilização de seus serviços e mitigá-los uma vez que sejam identificados”, observa João Coelho.

Para complementar a proteção a crianças e adolescentes no ambiente digital, a presidente do Instituto Palavra Aberta, Patricia Blanco, defende a regulação das redes sociais.

“A regulação pode exigir, por exemplo, uma transparência nos algoritmos e nos critérios de indicação de conteúdo. Esse é um dos papéis que eu vejo como importantíssimos de uma discussão, de uma regulação que tem como princípio a proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital”, destaca. 

Educação Midiática para crianças e adolescentes

A Educação Midiática, caracterizada pelo aprendizado de habilidades para acessar e analisar criticamente informações, pode ser uma aliada na proteção das crianças e adolescentes que acessam a Internet.

O Instituto Palavra Aberta, presidido por Patricia Blanco, é responsável pelo EducaMídia, um programa que oferece uma gama de formações e materiais didáticos sobre o assunto. Para ela, a Educação Midiática se torna ainda mais necessária diante das mudanças na moderação de conteúdo das plataformas da Meta.

“A Educação Midiática tem o papel fundamental de ensinar a acessar corretamente a informação, verificar se aquilo é um fato, se é um artigo de opinião, qual o propósito e ensina também onde buscar informações confiáveis”, explica.

O site do Educamídia também reúne uma série de conteúdos para orientar as famílias sobre como proteger as crianças e adolescentes na internet. Os materiais passam por temas como o uso de telas, regras para o primeiro celular, influência e privacidade.

“A máxima que a gente tem repetido é que se nós não deixarmos uma criança sozinha num terminal de ônibus ou numa rua muito movimentada, com o risco dessa criança sofrer algum tipo de violação, a gente também não deve, e não pode deixar essa criança sozinha num ambiente digital”, conclui Patricia.

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