publicado dia 5 de novembro de 2020
Eleições 2020: cinco desafios para a cidade de São Paulo durante e após a pandemia
Reportagem: Cecília Garcia
publicado dia 5 de novembro de 2020
Reportagem: Cecília Garcia
São Paulo, a cidade mais populosa do Brasil, teve as suas já profundas desigualdades desveladas e acentuadas durante a pandemia. O maior número de óbitos por Covid-19 se deu na borda do município; trabalhadores vulneráveis, que não tem a opção de fazer home office, enfrentam ônibus lotados; e, ainda, regiões periféricas sofrem com o aumento de desemprego.
“A desigualdade está sendo construída há décadas nesta que é a mais rica cidade da América Latina, mas que ainda não sabe distribuir suas riquezas. Ela não pode, entretanto, ser naturalizada. Se é fruto de uma construção desigual de políticas públicas, é possível revertê-la”, defendeu o sociólogo Jorge Abrahão no lançamento virtual do Mapa da Desigualdade 2020, pesquisa da Rede Nossa São Paulo que há mais de uma década mede a desigualdade territorial na capital.
É possível assistir o lançamento do Mapa da Desigualdade no canal de Youtube da Rede Nossa São Paulo.
Embora os dados do Mapa sejam de 2019, é possível fazer uma aproximação entre os índices e a mortandade por COVID-19, que ceifou mais de 39 mil vidas. “Justamente nos lugares que apresentam índices altos de desigualdades, onde está a população mais vulnerável em renda, habitação e saúde, foram onde ocorreram o maior número de mortes”, corroborou Abrahão.
Os 47 indicadores do Mapa da Desigualdade foram apresentados em duas lives para candidatos à Prefeitura de São Paulo. A razão do convite foi para que possíveis prefeitos pudessem comentar os números e apresentar propostas de políticas públicas para mitigá-las.
O Portal Aprendiz congregou alguns índices em cinco temáticas para pensar os desafios que Prefeitura e Câmara dos Vereadores irão enfrentar a partir de janeiro de 2021.
Desigualdade racial e como ela se expressa na falta de acesso à direitos
“As mortes de Covid-19 têm cor e endereço”, relatou Carolina Guimarães, coordenadora da Rede Nossa São Paulo. A taxa de mortalidade de pessoas negras por Covid-19 é 60% maior que a de brancas, segundo estudo Raça e Covid realizado pelo Instituto Pólis. Isso diz respeito a uma população cujo acesso à saúde, moradia e outros direitos constitucionais são racial e territorialmente negados.
A população preta e parda ocupa em sua maioria a borda da cidade, em um processo de gentrificação construído ao longo da formação da capital. No período pós-abolição, esta população estava concentrada no centro da cidade. Políticas de embranquecimento da região empurraram estes sujeitos para as bordas e as consequências se espraiam até o presente, traduzidas em desigualdades.
O racismo estruturante será um grande desafio para as políticas públicas paulistanas em 2021, porque ele implica não somente na violência racial — que segundo o Mapa da Desigualdade, acontece primordialmente em bairros brancos — mas também no acesso a direitos como moradia, educação, renda e saúde.
Para além disso, é preciso um olhar atento da gestão com relação às juventudes negras. Isso inclui a participação dessa faixa etária na formulação de políticas públicas de educação, cultura e direito à saúde. Não é possível olhá-la apenas pelo viés da segurança pública, na qual os jovens negros são as principais vítimas.
“O imaginário coletivo é que o jovem não se interessa por política. Mas a política faz parte do cotidiano, e nós como jovens da periferia e das quebradas, constituímos a nossa com pessoas e territórios. Somos nós jovens que criamos coletivos, saraus e bibliotecas comunitárias”, escreveu o ativista Bruninho Souza para o Portal Aprendiz.
Mobilidade: desafio antigo e que ganhará novas camadas com a pandemia
Durante a quarentena, a Prefeitura de São Paulo tomou decisões questionadas por especialistas em relação ao transporte público: houve diminuição de frota, o que acarretou lotações, principalmente em trajetos longos. Não à toa, um estudo feito pelo Observatório de Conflitos Fundiários da Universidade de São Paulo conclui que os trabalhadores mais vulneráveis, aqueles que tiveram que trabalhar externamente e dependeram de transporte público, foram os mais vitimados durante a pandemia.
Os números do Mapa da Desigualdade demonstram que a efetivação de direito à cidade esbarra na mobilidade urbana em São Paulo. Uma pessoa que mora em Marsilac, região do extremo sul, demora cerca de quatro vezes mais em seus trajetos cotidianos do que alguém que vive no bairro da Consolação. Entre os distritos, 29 não têm acesso à transporte de massa em um raio de 1 km.
A cidade precisa enfrentar desafios antigos, como a questão de licitação de ônibus, que todo ano reflete em aumento de passagem. Ademais, com o risco pandêmico em espaços fechados, a gestão também precisará fortalecer políticas públicas de mobilidade pedestal e cicloviária, expandindo calçadas e ciclovias: São nove os distritos sem nenhuma ciclofaixa, enquanto outros as possuem, mas sem conexão entre elas.
Habitação: quem pode ficar em casa é quem tem casa.
Não há lei que impeça despejos e reintegrações de posse durante a pandemia em São Paulo. Embora Defensoria e Ministério Público tenham tentado sugerido que o Tribunal de Justiça criasse uma proteção legislativa, a decisão ficou a cargo de cada magistrado. Essa incerteza gerou uma série de remoções forçadas e despejos nos últimos meses na cidade.
Isso demanda políticas públicas que assegurem o direito à moradia e ajudem a sanar o déficit quantitativo de mais de 500 mil unidades habitacionais da cidade. Para além disso, é importante garantir o acesso ao saneamento básico. Embora a cidade seja uma das que mais investe no setor, regiões periféricas ainda sofrem com o não tratamento de esgoto.
O poder público precisará olhar também para a crescente população em situação de rua, que este ano chegou a cerca de 30 mil pessoas. A tendência é que com a economia desgastada e o aumento do desemprego, este número cresça e demande uma atuação intersetorial para dar conta dos direitos desta população.
Educação: garantir os direitos de aprendizagem e uma escola saudável
Com o fechamento dos prédios escolares, os desafios educacionais da cidade aumentaram: educadores e gestores sofreram para se adaptar às novas rotinas, muitas famílias não tinham acesso à internet para as aulas digitais e outras tantas sofriam com a falta de merenda e seu impacto na alimentação e saúde das crianças. A pandemia demonstrou a imprescindibilidade da escola na garantia de direitos da infância e da adolescência.
Enquanto são discutidas e criticadas as ações de volta às aulas na capital, é possível antever que os desafios para 2021 se multipliquem. Com a diminuição de renda da população em geral, é previsto aumento na procura por vagas em escolas públicas. Estas, por sua vez, precisarão oferecer segurança sanitária para educadores, gestores e alunos.
Especialistas em educação alertam que é preciso encarar o retorno às escolas como uma oportunidade de recriar esse espaço, tão ensimesmado e pouco afeito à mudanças. Movimentos formados por educadores, gestores e sociedade civil têm preconizado um retorno seguro, mas também uma escola que finalmente faça sentido para a nova realidade das crianças, capaz de tecer pontes entre território e comunidade.
Como recuperar o valor da cultura em uma cidade que ainda não a reconhece como importante
Embora São Paulo tenha um grande número de equipamentos culturais, seus museus, bibliotecas e cinemas estão distribuídos majoritariamente em espaços centrais. Segundo o Mapa da Desigualdade, 70 distritos não possuem casas de cultura, enquanto 80 não possuem nenhum tipo de museu.
Para além do desafio de descentralizar territorialmente os espaços culturais, há também necessidade de legitimação e proteção de espaços culturais orgânicos e manifestações culturais oriundas da periferia, como bailes funks, saraus, slams e outras manifestações.
Isso também inclui evitar despejos e proteger ocupações culturais descentralizadas e que contam com pouco ou nenhum apoio de políticas públicas, como é o caso da Comunidade Cultural Quilombaque (SP). A cultura ainda não é encarada como uma possibilidade de transformação social, mas pode colaborar para a construção de uma nova cidade caso isso aconteça.