publicado dia 15 de março de 2021
Comunidades quilombolas denunciam impactos industriais em Porto de Aratu (BA)
Reportagem: Da Redação
publicado dia 15 de março de 2021
Reportagem: Da Redação
Pescadores, marisqueiros e moradores das comunidades quilombolas da Ilha da Maré, região central do Porto de Aratu, um dos maiores portos industriais da Bahia, estão preocupados com os impactos industriais na região.
A marisqueira Eliete Paraguassu, 41, moradora de Porto dos Cavalos, diz que as populações nativas vêm sofrendo há décadas com as contaminações por produtos químicos das empresas arrendatárias do Porto de Aratu.
Matéria publicada originalmente na Agência Mural, com o título Comunidades quilombolas reclamam de impactos industriais em Porto de Aratu. A autoria e fotos são Eduardo Machado.
Conselheira quilombola da região, Eliete conta que diversas denúncias contra a poluição na área foram realizadas e vem sendo acompanhadas por órgãos como a ONU (Organização das Nações Unidas), a Anistia Internacional e a Comissão de Direitos Humanos, no Brasil.
“Essa poluição é um monstro invisível. Temos vários documentos, inclusive um dossiê, e diversos parceiros que nos ajudam, mas a pandemia trouxe uma não resposta ao problema. De vez em quando os organismos ligam pra saber como está a situação, porém o grande salto são as ocupações e as mobilizações em secretarias em todo canto para dizer que a gente existe”, afirma.
Extensão do Centro Industrial de Aratu (CIA) e do Polo Industrial de Camaçari, o Porto de Aratu é um dos mais importantes escoadouros da produção química e petroquímica de todo o País, sendo responsável por 60% do lucro na região e movimentação de cargas da Companhia das Docas do Estado da Bahia (Codeba).
Segundo a companhia, o porto opera com grandes variedades de mercadorias movimentando, simultaneamente, produtos como minérios de ferro, manganês e cobre, uréia, fertilizantes, nafta, propeno e concentrado de cobre.
De acordo com os moradores locais, as indústrias da região fazem o escoamento dos resíduos químicos nas águas da Baía de Aratu por meio de tubos instalados nas regiões.
Para a pescadora e presidente do restaurante coletivo Tempero do Quilombo, no Alto do Tororó, Maria de Fátima Lima Pereira, 63, o desenvolvimento industrial no território tem piorado a qualidade de vida e transformado a configuração do espaço, antes rural, em uma comunidade urbana.
“Cresci na maré e o racismo ambiental começou quando eu tinha dez anos de idade. Ali, já começaram a tirar as fontes, depois veio a pista e o mangue foi prejudicado; ficou arenoso. A lama que era pura, medicinal, virou uma lama podre”, diz.
Maria responsabiliza as empresas pela destruição do Matuím, uma coroa de mangue que foi cercada. “Eles escolheram este lugar para despejar a desgraça, porque o que eles chamam de evolução, eu chamo de destruição. Ninguém está se importando com as comunidades que vivem em volta da Baía de Aratu, eles ganham dinheiro e a gente fica doente, apodrece e morre”.
A bióloga Marcella Gomes destaca as possíveis consequências e riscos às comunidades quilombolas e pesqueiras da região. “Grande parte desses contaminantes são fontes cancerígenas, ainda que em níveis diferentes. Não à toa a mortalidade nessa região se destaca cada vez mais cedo, por meio de doenças crônicas respiratórias, psicológicas e cancerigénas”, observa.
Marcella ainda aponta outras modificações ambientais. “As substâncias contaminantes, sobretudo ao longo prazo, geram impactos no ecossistema marinho com alteração da qualidade da água e na dinâmica da cadeia trófica, uma vez que a morte de alguns organismos mais sensíveis desequilibra toda a cadeia alimentar”.
Para o marisqueiro Alex Santos da Silva, 19, morador da comunidade quilombola Bananeiras, e um dos poucos homens presentes na mariscagem na coroa de Pecém, distrito de Praia Grande, esses impactos já são observados na flora local. “As plantações de mangueiras, limoeiros e jaqueiras todas estão morrendo por causa da poluição, não sei os produtos, mas o porto de Aratu vêm devastando”.
Segundo o Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil com a Fundação Palmares (FCP), apesar de já serem reconhecidas, as comunidades quilombolas da Ilha de Maré e do Alto do Tororó desde o início da década de 1990 lutam pelo reconhecimento de sua identidade étnica e pela demarcação dos territórios tradicionais.
As cerca de 400 famílias das comunidades tradicionais da Ilha de Maré distribuídas nos distritos de Bananeiras, Martelo, Ponta Grossa, Porto dos Cavalos e Praia Grande foram oficialmente reconhecidas entre dezembro de 2004 e setembro de 2005, pela FCP – órgão ligado ao Ministério da Cidadania.
Graduanda em história e mestra em Estudo Étnicos pelo Centro de Estudos Afro Orientais (Ceao), Fernanda Bianca Gonçalves Galo questiona a violação do direito quilombola de consulta prévia, pois apesar da certificação de terras quilombolas pela Fundação Palmares e do território ser uma Área de Proteção Ambiental (APA), há na região algo que ela considera como o desenvolvimento dos polos industriais em detrimento da “zona do sacrifício”.
“Sem dúvidas um dos fatores que contribuem para essa não titulação ou este silenciamento são os grandes empreendimentos que estão aqui no entorno. Há o desenvolvimento, mas as comunidades não são escutadas e obviamente porque são populações que não interessam”, diz.
Em nota, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) afirmou que realiza o monitoramento da qualidade da água por meio das Diretorias Técnicas na baía de Aratu atuando com diversas atividades ambientais de acompanhamento das empresas instaladas na região e, atualmente, vem realizando estudos conjuntamente referentes à região de interesse, assim como a verificação do cumprimento das Portarias emitidas pelo órgão.
Já a Codeba afirma não existir ‘indústrias petroquímicas’ instaladas dentro do Porto Organizado de Aratu-Candeias, não havendo, portanto, ‘processamento’ de produtos químicos. Entendendo ser o meio ambiente um patrimônio público a ser assegurado e protegido, a companhia diz realizar, sistematicamente, ações alinhadas às boas práticas ambientais, no entorno do Porto de Aratu, incluindo a Ilha de Maré, atendendo aos padrões legais previstos para a atividade portuária.