publicado dia 21 de julho de 2017
UniverCidade Educadora, em Passo Fundo (RS), dissemina integração entre conhecimento e território
Reportagem: Nana Soares
publicado dia 21 de julho de 2017
Reportagem: Nana Soares
As universidades comunitárias brasileiras nasceram da mobilização e anseio popular de garantir acesso à educação de qualidade. E, no Rio Grande do Sul, uma delas vem se destacando por explorar sua vocação democrática para que os municípios da região adotem práticas de cidades educadoras.
Desde 2011, a Universidade de Passo Fundo (UPF) promove esse debate com a comunidade. No entanto, foi com a criação do programa UniverCidade Educadora, há um ano, que aprofundou sua articulação com a política pública com o objetivo de fomentar ações educativas na perspectiva de cidade educadora em todos os municípios da região.
Com cerca de 200 mil habitantes, Passo Fundo é uma cidade referência no norte do estado, atraindo grande fluxo de pessoas e serviços, onde a UPF se inclui. Majoritariamente composta por trabalhadores estudantes, a universidade condensava problemas que se estendiam para além do campus e, por isso, começou a repensar o uso da cidade junto a outras organizações.
O grande gatilho foi a mobilidade urbana, já que a instituição de ensino recebe alunos de várias cidades e o campus é afastado do centro, o que tornava a UPF de difícil acesso para seu público. Além disso, o fluxo piorava nos horários de pico, especialmente, no fim da tarde e depois das 22h, já que 70% dos 20 mil alunos da instituição estudam no período noturno.
“Entendemos que não tinha como pensar o fluxo interno da universidade sem pensar a mobilidade geral”, relembra Márcio Tascheto, professor da Faculdade de Educação da UPF e coordenador do programa UniverCidade Educadora.
O debate começou em 2011 junto a cerca de 20 entidades de diversas áreas, que uniram-se para criar o Fórum de Mobilidade Urbana e Educação e, assim, pensar diretrizes para políticas públicas na área, atravessadas pela ideia de cidades educadoras. A pluralidade de vozes e o compromisso do Fórum com a agenda fez dele um espaço inspirador e influente politicamente, tornando-se referência para a criação do plano de mobilidade urbana de Passo Fundo.
“Nossa discussão não trouxe melhorias só para dentro da universidade. A gestão que assumiu a Prefeitura em 2013, por exemplo, trouxe avanços que claramente têm a ver com a mobilização da cidade no quesito transporte público”, diz Tascheto, enumerando ações como as bicicletas compartilhadas, implementação de ciclovias e revitalização de praças e parques. “Embora a prefeitura não adote a nomenclatura, a requalificação dos espaços públicos é uma prática de cidade educadora, que foi possível graças à intensa mobilização social”, aponta o coordenador, ressaltando que a cidade ainda tem muito a avançar.
Com cinco anos de mobilização e articulação intensa de diversos setores da sociedade, o Fórum foi o primeiro passo para a criação da UniverCidade Educadora, programa formalizado em maio de 2016 e fruto da articulação entre a UPF, a Frente Parlamentar Mista da Câmara de Vereadores de Passo Fundo e o Grupo Gestão Integrada (GGI) da Prefeitura, entre outras entidades parceiras.
O UniverCidade Educadora atua fortemente na temática da mobilidade urbana por meio do projeto Circulando Cidadania, também coordenado por Márcio Tascheto. O professor também está à frente da área de Extensão da UPF e, não à toa, a integração entre a universidade e o território em que ela se encontra é uma conversa e um desafio constante.
O Fórum de Mobilidade Urbana e Educação segue sendo um dos braços do Circulando Cidadania, congregando mais de 10 entidades para construir um currículo de mobilidade urbana da cidade, destacando a experiência de pessoas com deficiência, de crianças, idosos, entre outros.
Mas o projeto atua também junto ao Detran, instruindo profissionais das auto escolas da cidade sob a perspectiva das cidades educadoras. Eles realizam dois cursos por semestre abordando temas como educação ambiental, fundamentação pedagógica das cidades educadoras e Rotas Leitoras – outro braço do projeto, que consiste em uma mobilização realizada antes da Jornada Literária de Passo Fundo, que acontece a cada dois anos.
Focada nos adolescentes, o Rotas Leitoras traz um jogo em que o tabuleiro é o mapa da cidade, com suas histórias e cânones literários escondidos, convidando os jovens a explorar o território e se apaixonar pela leitura. Outras ações do UniverCidade: Circulando Cidadania incluem também a parceria com a Sala futura, do Canal Futura, e o Vidas em Movimento, programa de TV da UPF com foco em mobilidade urbana a partir da vida das pessoas, com o objetivo de criar uma cartografia subjetiva da cidade.
“Nossa ideia é tornar a universidade cada vez mais comunitária e a cidade educadora é uma estratégia para isso, pois materializa diversos direitos humanos”, diz Márcio.
Outros caminhos
Apesar de ser o tema mais antigo e com maior articulação territorial, a mobilidade urbana não é a única área de atuação do UniverCidade Educadora, que tem outros dois projetos: o Descaminhos da Escola e o Cidades Inteligentes, que articulam diferentes áreas da universidade na construção de uma cidade educadora.
Em parceria com a Faculdade de Engenharias e Arquitetura (FEAR) da UPF, o Descaminhos da Escola foca em estudar e melhorar o trajeto das crianças entre suas casas e escola, estimulando a criação de rotas que promovam o andar a pé. Atualmente, duas escolas são parceiras na construção de metodologias de alternativas para o transporte individual, que devem ser implementadas no segundo semestre de 2017.
Para Tascheto, um aspecto inovador do projeto é aproximar a arquitetura do debate das cidades educadoras, especialmente como um elemento transversal. O Descaminhos da Escola é coordenado pela urbanista Carla Portal Vasconcellos, professora da UPF.
O projeto Cidades Inteligentes, por sua vez, trabalha com os alunos de mestrado em Computação Aplicada do Instituto de Ciências Exatas e Geociências (Iceg) da universidade para melhorar os serviços públicos através da tecnologia. A proposta é otimizar o uso dos recursos e humanizar os espaços públicos, indo de encontro ao objetivo de desenvolver a dimensão pedagógica das políticas públicas.
Desafios dos municípios no século XXI
Nesta perspectiva de fortalecimento da agenda, a UniverCidade Educadora organiza o I Encontro sobre Cidades Educadoras e Inteligentes: desafios dos municípios do século XXI, a ser realizado nos dias 13 e 14 de setembro, em Passo Fundo (RS). O encontro irá difundir e qualificar as concepções de cidade educadora e inteligente como estratégia de desenvolvimento urbano e social nas outras cidades do norte do estado. “Em um momento de involução política e de derrocada de direitos, é importante nos voltarmos para as estratégias municipais”, diz Márcio Tascheto.
Para tanto, o evento trabalhará cinco eixos estratégicos: ampliação da participação e do controle social; dimensão intersetorial e pedagógica das políticas públicas; cidades Educadoras e inteligentes no marco da educação integral; a valorização dos espaços públicos na perspectiva da sustentabilidade ambiental; e a inovação e empreendedorismo no território.
Voltado especialmente para gestores públicos e sociedade civil organizada, o encontro visa inserir de vez a região de Passo Fundo no circuito das cidades educadoras. Na visão de Tascheto, esses municípios, muitos deles rurais, ainda estão na fase de debate e sensibilização para os temas referentes à educação integral e cidades educadoras. Com a articulação, o objetivo é fazer com que iniciem ações concretas nesse sentido. A inspiração está logo ao lado.