publicado dia 27 de março de 2014
Sobre crianças e preconceitos
Reportagem: Coluna Livre
publicado dia 27 de março de 2014
Reportagem: Coluna Livre
Por Silvia Badim
Publicado originalmente em Biscate Social Clube
Uma das poucas certezas que tenho nessa jornada nada objetiva que é ser mãe, é que quero ser sincera com meu filho. Quero sinceridade nessa troca de vida, nessa relação que se convencionou chamar de mãe e filho (aqui conto mais sobre). Quero poder ser quem eu sou, quem busco ser, ou ainda o que não sei, do lado dele. Sou mãe faltante, mãe-avó, mãe que chora, mãe que trepa, mãe que ama, mãe que ri, mãe que não sabe. E acima de tudo – e antes de ser mãe – sou mulher que se quer livre para ser o que quiser. E dentre essas tantas coisas, sou mulher que se relaciona com mulheres. Afetiva e sexualmente.
Quando as perguntas chegam, nós olhamos juntos. Seguramos na mão um do outro, muitas vezes, para dar conta do preconceito que a sociedade nos obriga a passar. E vai ficando cada dia mais fácil, porque vivemos com naturalidade essa estrutura familiar que somos, dentro e fora de casa. Percebo que ele cresce seguro, porque tem amor. E amor nunca dói, ou fere, ou traz problemas. O que dói é o preconceito e a homofobia que a estupidez humana insiste em cultivar e espalhar aos ventos. E que já sentimos cravada na pele, com medo de agressões e violências que pessoas mal resolvidas e criminosas podem cometer.
Mas seguimos, com força e esperança. Ele, aos 7 anos, já sabe que o amor é livre para ser vivido como for. E que a gente pode ser o que quiser, com quem quiser. Desde cedo fomos desconstruindo imposições sociais como: “menina tem que namorar menino”, “família é uma mulher e um homem, mulher com mulher é errado”, “homem que é homem faz isso ou aquilo”, “rosa é cor de menina”. E fomos aprendendo a sorrir para o apontar de dedos. Jogamos o problema para quem aponta.
Vivemos o que é bonito com confiança, e ele segue com a alegria de acompanhar pessoas que se amam partilharem esse amor. Tenho algumas histórias boas desse nosso pequeno militante e sua amiga-irmã Sol, vamos ouvir algumas?
————
Almoço em família no fim do ano. Estávamos eu, minha mãe, minha sobrinha e Bernardo, conversando sobre coisa nenhuma. No meio da conversa Bernardo conta algo que envolve a Cláudia, minha namorada, na mesa do almoço. Minha sobrinha de 5 anos logo pergunta: “tia, quem é Cláudia?”. Minha mãe se apressa em responder: “É uma amiga da sua Tia Sil”. Bernardo olha feio para a avó. A avó não entende. “O que foi Be?”. Ele não pensa duas vezes: “Vó, a Cláudia não é amiga da minha mãe. Ela é NAMORADA da minha mãe tá? E tudo bem!”. Fim de papo Vó. Vamos para a sobremesa?
——————–
Fila do supermercado, carrinhos cheios, a noite chegando com seu cansaço de fim de dia. Atrás da gente uma senhora folheia a revista Caras, com a Daniela Mercury anunciando casamento com a namorada. Indignada, tenta puxar papo com a mãe e seu filho na frente da fila. No caso a mãe – eu. O filho Bernardo, que corre por entre os atrativos deixados nas proximidades dos caixas. “Olha só, agora isso é um casamento, onde já-se-viu! Que absurdo”, segue a Senhora. A coisa ia piorar quando Bernardo surge do meio dos chocolates, olha para a Dona Carola e diz: “moça, é igual uma homem e uma mulher. Só que é uma mulher e uma mulher”. Eu só acenei e sorri. E, claro, deixei o Be levar os 3 chocolates que carregava nas mãos.
————
Sol e Be correm pelas mesas do bar. Amigos desde sempre, tem aquela boa intimidade de quem cresce junto. Brigam, se amam, inventam jogos e brincadeiras, descobrem o mundo um pouco a cada dia. Uma pessoa dita adulta, querendo fazer graça, pergunta pra Sol: “Sol, o Be é seu namorado?”. O olhar da menina, então com 5 anos, espanta-se. “Nãaaaao, o Be é meu melhor amigo. Minha namorada é a Betina”. Vamos tomar mais cerveja para descer a heteronormatividade chata da pergunta?
Um dia por curiosidade pergunto: “Be, o que você falaria para alguém que perguntasse para você o que você acha da sua mãe namorar uma mulher?”. Ele pensa, sorri, e diz: “Ah mãe, eu falo que a minha mãe é que decide. Que eu não sou a minha mãe, e ela que sabe. E que ter duas mães é bem legal!”. É, ganhei meu dia. Talvez o ano todo.
—–
Por fim, deixo um recado para você, homofóbico:
Não use crianças como desculpa para mascarar seu preconceito. Garanto-lhe que as crianças enxergam e convivem com o amor de forma livre e bonita, como for. A estupidez é sua.