publicado dia 15 de setembro de 2016
Seminário Educação e Migração: “A diversidade cultural nos faz mais fortes como seres humanos”
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 15 de setembro de 2016
Reportagem: Danilo Mekari
“A diversidade cultural nos faz mais fortes como seres humanos.”
A frase de José Manuel Valenzuela, professor do departamento de Estudos Culturais do Colégio da Fronteira Norte, no México, abriu o Seminário Internacional Educação e Migração: Caminhos para uma Cidade Educadora, realizado nesta quarta-feira (14/9), no auditório do Museu da Imigração, na zona leste de São Paulo.
“A migração é uma parte fundamental dos processos que definem o ambiente urbano. O que estamos enfrentando no mundo atual são processos migratórios marcados por grandes condições de vulnerabilidade, violência e morte”, observa
O professor, que também participou do último Congresso Internacional de Cidades Educadoras, em Rosário. Para ele, é preciso colocar de maneira clara e visível o que implica ser migrante no mundo contemporâneo: “Novamente, muros são levantados para separar as culturas. Esse posicionamento criminaliza os diferentes e as culturas que não correspondem ao status quo.”
Valenzuela criticou a “violência calculada e premeditada” a que estão sujeitos os migrantes e refugiados em deslocamento na nova onda migratória europeia. “Corresponde a temas geopolíticos, e quem paga os custos são as pessoas pobres que não tiveram condições de se desenvolver em seus próprios países”, afirma o professor.
A solução para essa complexa questão passa longe da adotada por algumas potências mundiais: a construção de altos muros de concreto e de água. Nos Estados Unidos, por exemplo, o candidato republicano à presidência, Donald Trump, já defendeu a construção de um muro que separe seu país do México, “colocando outra vez na agenda o discurso da Ku Klux Klan e uma série de organizações de ordem supremacista que acreditam que sua raça e cultura são superiores às outras”.
Com a participação de gestores públicos, professores, pesquisadores, estudantes e também de migrantes que vivem no Brasil, o seminário foi organizado pela Associação Cidade Escola Aprendiz, por meio de seu programa Cidades Educadoras, em parceria com a Editora Moderna e apoio do Museu da Imigração.
“As fronteiras funcionam como dispositivo de classificação social. O que Trump está criando é a ideia de que há uma ameaça latina frente à queda dos níveis de vida da população estadunidense”, observa o mexicano, que recorre à Guerra Mexicano-Americana, ocorrida entre os anos 1846 e 1848, quando os Estados Unidos expandiram suas fronteiras invadindo metade do território mexicano. “Foi um processo migratório súbito, pois mais de 125 mil pessoas viram seu país convertido. Não foram eles que cruzaram a fronteira, mas a fronteira que os cruzou.”
A assimilação da população do México, porém, nunca aconteceu. “Cerca de 40% das crianças mexicanas que entravam em escolas publicas nos EUA eram diagnosticadas com problema mental, reforçando a ideia de que havia uma raça superior – com grupos que nasceram para mandar e outros para obeceder. Se demonstrava a todo momento que mexicanos eram menos aptos, e o sistema educativo havia se tornado um sistema de produção e reprodução de desigualdades sociais”, afirma Valenzuela.
Esse cenário político persiste até hoje. Na década de 90, o ex-governador republicano da Califórnia, Pete Wilson, era conhecido pelo discurso que via os imigrantes como uma ameaça à economia estadunidense pois roubavam os empregos dos cidadãos norte-americanos. Mesmo no governo de Barack Obama, visto como progressista em muitos temas, mais de dois milhões de estrangeiros foram deportados dos EUA – incluindo até mesmo filhos e filhas de migrantes que nasceram no país. “É uma situação clara de como a migração se transforma em um dos grandes eixos de manipulação da política”, acredita.
Cidades excludentes
Professora de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), Vera Telles traçou um cenário de grandes transformações na capital paulista a partir dos anos 90. “Interações sociais e paisagem urbana mudaram enormemente. Nesse contexto, a presença boliviana é uma marca importante, assim como a de haitianos, colombianos, sírios e palestinos.”
Para ela, essa realidade torna necessário entender qual é a questão política que está em jogo com a presença de populações deslocadas nos últimos anos. “A geopolítica globalizada redefiniu os fluxos migratórios, e a nova dinâmica urbana também foi redefinida por conta das presenças migrantes.”
A socióloga critica o que chama de cosmopolitismo contemporâneo. “A cidade atual é um grande business que, ao invés de reconhecer aquele que é diferente, incorpora a questão da diversidade para mostrar como é moderna. Trata-se de uma armadilha, pois no fundo essa população migrante continua exotizada. Basta circular pela cidade para vermos que eles estão integrados de uma maneira conflituosa e complicada, muitas vezes de forma ambivalente”, aponta Vera.
Diferentemente dos EUA e de alguns países europeus, onde as margens do território funcionam como dispositivo de classificação social e política, “nossas fronteiras não são ferozes, mas nossas cidades são complicadas para quem chega”, acredita.
“O tema migratório nos obriga a definir de maneira clara o que são os espaços da cidade”, acredita Valenzuela. “Nossas cidades, em termos amplos, se transformam com a presença de migrantes. O grande drama que estamos vivendo na Europa, Oriente Médio e Africa – que em muitas escalas se repete na América Latina – é a ausência de representações para a incorporação humanizada dessa população.”
Levando em conta que a taxa de pobreza na América Latina correspondia, em 2015, a quase 30% dos habitantes do continente (ou quase 175 milhões de pessoas), o deslocamento é uma estratégia central para grande parte das pessoas. Por conta disso, o mexicano aponta que é preciso construir estratégias includentes e plurais, que dêem conta de novos horizontes civilizatórios e novos projetos de país. “Acredito que o grande desafio da nossa humanidade é descobrir que projeto civilizatório queremos construir.”
Trilhas da Cidadania
O evento marcou também o lançamento do terceiro volume da coleção Territórios Educativos, que sistematiza as ações do projeto Trilhas da Cidadania. Levado adiante pelo Aprendiz sob a perspectiva da Cidade Educadora, a iniciativa ofereceu ensino de Língua Portuguesa para imigrantes, solicitantes de refúgio e refugiados, se valendo das oportunidades educativas da cidade, seus espaços públicos e equipamentos culturais.
Para Agda Sardenberg, coordenadora executiva do Aprendiz, o Trilhas da Cidadania foi muito mais do que um curso de língua portuguesa, e ajudou na inclusão da população imigrante na cidade em um contexto no qual poucas iniciativas respondiam a essa demanda.
O material lançado durante o seminário possui dados sobre o fenômeno da migração no mundo e estratégias de interlocução dessa mediação. Como lembrou Luciano Monteiro, da Editora Moderna, em 2012 haviam cerca de quatro mil refugiados no Brasil – em 2015 esse número saltou para 8400. “O projeto Trilhas da Cidadania estava sintonizado com uma demanda crescente que criou reações diferentes na sociedade.”
Para Isadora Arruda, assistente de integração da Cáritas, a língua portuguesa é uma ferramenta essencial para a integração dessas pessoas na sociedade brasileira. “Para além das questões práticas, como a realização de serviços pontuais e centrais para se adaptar a uma nova realidade, há questões mais subjetivas que o conhecimento da língua proporciona, como a autonomia e segurança para essa pessoa tocar projetos pessoais e superar o círculo da família e dos compatriotas.”
O congolês Hidras Tuala está no Brasil há quase quatro anos. Participou de uma turma do Trilhas da Cidadania em 2012 e a firmou que a experiência foi “maravilhosa”. “Sem o conhecimento da língua você está no limite da sociedade”, aponta Hidras. Após trabalhar como atendente da rede de fast food Burger King, conseguiu emprego na seção de diversidade da Secretaria Municipal de Desenvolvimento, Trabalho e Empreendorismo. “Atendo imigrantes que recém chegaram na cidade. Eu já sei o que passei e sofri para conseguir me adaptar e posso passar um pouco dessa experiência. Sinto que estou ajudando os que passaram por uma situação semelhante à minha, mas também sei que ajudo Brasil.”