publicado dia 23 de outubro de 2014
São Paulo cria polo de educação em direitos humanos
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 23 de outubro de 2014
Reportagem: Danilo Mekari
Os conceitos de diversidade e respeito ao próximo, vitais para qualquer ambiente de aprendizado, se encontram fragilizados não apenas na escola, mas na sociedade brasileira em geral. O aumento das denúncias de racismo e homofobia, os crescentes episódios de bullying entre jovens, a violência policial que assola as periferias são alguns dos elementos que compõem esse cenário preocupante de violações.
Em São Paulo, um projeto tenta romper com essa lógica, trazendo a comunidade escolar como protagonista nas discussões sobre direitos humanos e cidadania. Há seis meses, os chamados Centros de Educação em Direitos Humanos (CEDH) levam uma formação humanitária, tolerante e baseada no respeito às diferenças à professores, diretores, estudantes, familiares e à comunidade no entorno de quatro CEUs (Centro Educacional Unificado): Casa Blanca (zona sul), São Rafael (zona leste), Pêra-Marmelo (zona oeste) e Jardim Paulistano (zona norte). Fruto de uma parceria entre as Secretarias Municipais de Educação e Direitos Humanos e Cidadania, com colaboração da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, o projeto pretende se tornar uma referência para a rede municipal de ensino, fornecendo material de pesquisa, debates e formações, promovendo a articulação comunitária e a construção de acervos específicos; fomentando um calendário de atividades baseado na agenda dos direitos humanos e a gestão democrática. “Pode ser uma questão de racismo que apareça na escola ou a persistência das formas de violências que permeiam o cotidiano escolar e que dão para o educador a chave pela qual ele entra com o tema do respeito, da consideração ao outro, da liberdade de expressão, da solidariedade, do que é democracia e diversidade na vivência da escola e como as opções e as diferenças devem ser valorizadas, asseguradas e garantidas”, explica Eduardo Bittar, coordenador de Educação em Direitos Humanos da prefeitura.
Transformação do ambiente escolar Os CEDHs são o primeiro passo para a concretização do objetivo 63 do programa de metas da gestão do prefeito Fernando Haddad, que prevê a implementação da Educação em Direitos Humanos nas escolas públicas da cidade. Para Bittar, o projeto possibilita uma oportunidade de aprendizado coletivo e de transformação qualitativa das relações nas escolas.
A sua inspiração vem do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, lançado em 2006 com a intenção de fortalecer práticas individuais e sociais que gerem ações e instrumentos em favor da promoção, da proteção e da defesa dos direitos humanos, assim como a reparação das violações. “A replicação do Plano está acontecendo nos processos formativos. Trabalhar considerando esse marco normativo é se apropriar dele e trazê-lo para a nossa realidade”, comenta Bittar. Ainda de acordo com a meta 63, a intenção da prefeitura paulistana é formar seis mil educadores até 2016. A escolha das unidades que receberiam os Centros levou em conta a situação social dos CEUs. A ideia foi dar mais espaço aos centros educativos que se localizam em regiões de alta vulnerabilidade e que tenham questões recorrentes no âmbito dos direitos humanos. “Havia equipes gestoras com muita vontade de iniciar esse tipo de projeto, inclusive com afinidade temática, necessidades e demandas acumuladas no tema”, relembra Bittar. Currículo Cada unidade do CEDH pode optar pela inclusão de uma disciplina relacionada aos direitos humanos no currículo escolar ou usar o contraturno para promover atividades lúdicas, esportivas e culturais, nos quais os temas relativos à cidadania, violência, brutalidade do Estado, racismo e falta de acesso à escola serão trabalhados por meio de filmes, mostras e debates.
Segundo o coordenador, esses elementos possibilitam a “transformação cultural através de aulas com conteúdo mais humanista, crítico e interdisciplinar, voltado às preocupações de acesso e realização dos direitos”. Mas ele pondera que esse processo deve ser gradativo e não impõe, necessariamente, a criação de uma disciplina. “Do ponto de vista pedagógico, as duas estratégias são válidas e úteis, mas se somadas têm mais força. Atuando isoladamente, elas podem ficar soltas demais na proposta”, acredita Bittar. Aline espera que o impacto dos Centros aconteça no dia a dia das matérias. “O professor de História não pode discutir a escravidão sem falar de racismo e igualdade. O docente de Ciências não pode explicar o meio ambiente sem falar de sustentabilidade, lixo, água. Já o de Português pode ensinar sobre a língua falada em Moçambique e Angola e também citar as diferenças culturais entre esses povos”, sustenta. “Quando a gente fala de formar o professor e o gestor é para que ele seja capaz de fazer a ligação com os direitos humanos dentro do currículo existente. É a maior riqueza que podemos conseguir: o professor, na sua rotina de aulas, conseguir falar de tópicos e temas dentro dos direitos humanos e cidadania.” Cidade Educadora Projetos como esse podem contribuir para a construção de uma cidade mais educadora e menos desigual. “Não apenas contribuir: acredito que a Educação em Direitos Humanos é a base para que isso aconteça”, afirma Aline. “Os conceitos e valores que defendemos extrapolam os muros da escola.”
“Esse conceito de cidadania expandida – uma cidade que educa através de seus equipamentos, em vários espaços, e transforma o seu próprio meio ambiente excessivamente urbano – é extremamente bem vindo, no sentido de tornar possível que o projeto do CEDH se consolide e se realize”, conclui Bittar.