publicado dia 19 de outubro de 2015
São Paulo comemora 80 anos da Educação Infantil com ocupação da cidade
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 19 de outubro de 2015
Reportagem: Danilo Mekari
Malabarismo, bolhas de sabão gigantes, pintura, cama elástica pra saltar, corda pra pular, poesia, música, instrumentos inusitados. Os 80 anos da Educação Infantil de São Paulo foram comemorados com muita alegria e aprendizagem em um dos espaços públicos mais valorizados da capital: o Parque Ibirapuera. O evento Sábado no Parque, realizado no dia 17/10 e organizado pela Secretaria Municipal de Educação (SME), contou com a presença de educadores e estudantes da rede pública de ensino infantil, acompanhados por suas famílias e amigos.
Durante uma manhã parcialmente nublada – e mesmo assim muito quente –, as crianças puderam brincar livremente em um espaço ao ar livre totalmente dedicado a elas, próximo à área externa do Auditório Ibirapuera. Espalhadas em tendas, Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIs), que representavam as 13 Diretorias Regionais de Ensino (DREs), puderam expor seus projetos envolvendo a cultura da infância e a busca por uma aprendizagem que acolha a diversidade étnica e cultural e multiplique a potência de uma cidade educadora.
O projeto Circo do Fonte, da EMEF Henrique Raymundo Fontenelle (DRE Pirituba), ofereceu atividades circenses para as crianças presentes. Monociclo, malabares, diabolô e equilíbrio de pratos garantiram a diversão dos pequenos, enquanto seus pais buscavam uma sombra para descansar.
Já a oficina do Tecnologia para Brincar (DRE Santo Amaro) ofereceu tinta e papel para as crianças brincarem livremente, além de bolhas de sabão e um bonito xilofone de canos. O projeto tem a intenção de ressignificar o papel da tecnologia, abordando-a como uma das linguagens do brincar.
O Instituto Alana promoveu uma feira de troca de brinquedos. O projeto Parques Sonoros ensinou as crianças a construir instrumentos musicais com objetos inusitados, como garrafas de plástico e panelas. A EMEI Gabriel Prestes (DRE Ipiranga) promoveu uma manhã poética, enquanto o Projeto Encantos, do CEU Alvarenga (DRE Santo Amaro), realizou contação de histórias e músicas para as crianças.
Na opinião de Luci Guido, gestora do CEU Alvarenga, o evento celebrou um novo momento da infância em São Paulo. “É um grupo de educadores que quer descolonizar as crianças da formação pelas quais eles mesmos passaram”, afirma. O “Encantos” leva poesia, literatura e música para todos os cantos do CEU, baseado em uma cultura étnico-racial. “Mas e as crianças que não iam à escola?”, questiona, citando a criação do CEU Itinerante, que levou a iniciativa para as crianças da comunidade. “Hoje temos a oportunidade de ampliar a atuação para crianças que não são de nosso território específico, mas sim de São Paulo como um todo.”
A manhã prosseguiu com a apresentação do Grupo Barbatuques, que estimulou as crianças e famílias a utilizarem o próprio corpo para produzir ritmos musicais. Músicas como Samba Lelê e Marinheiro Só foram cantadas em coro e batucadas junto com as crianças. A banda Trupicalhada também apresentou um repertório baseado na música folclórica do Brasil.
“O papel da Educação Infantil é dar visibilidade aos pequenos, para que a nossa sociedade perceba todo o potencial que a criança tem desde o seu nascimento”, observa Sonia Valverde, diretora da Divisão de Orientação Técnica (DOT) da Educação Infantil da SME.
Segundo dados da Secretaria, a rede pública de São Paulo possui 2.314 unidades de Educação Infantil – divididas entre EMEIs, Centros de Educação Infantil e instituições conveniadas. O número de alunos de zero a seis anos dessas escolas beira os 500 mil, se constituindo na maior rede pública de Educação Infantil da América Latina.
“Mesmo assim, ainda não conseguimos oferecer vagas a todas as crianças que necessitam”, aponta Sonia. Em novembro de 2014, o déficit de vagas em creches (que atendem crianças de zero a três anos) atingia 187.535 crianças paulistanas. A questão ultrapassa os limites da cidade: entre as 27 capitais do Brasil, São Paulo atinge a terceira posição no ranking nacional de atendimento em creches, atendendo 48,9% da demanda, segundo levantamento feito pelo Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul. Os dados indicam que a universalização da educação infantil ainda é um desafio a ser superado pelo Brasil.
“Ao mesmo tempo, é inegável que estamos desenvolvendo um trabalho de qualidade. As oficinas que estão aqui retratam um pouco disso”, argumenta a diretora. “Precisamos considerar a criança como um ator social que está inserido numa cultura, sociedade e território.”
O surgimento da Educação Infantil em São Paulo remete à década de 30, quando o escritor, poeta e ensaísta Mário de Andrade, à frente do Departamento de Cultura da Prefeitura Municipal, criou os Parques Infantis em 1935. As unidades atendiam crianças de três a 12 anos e eram direcionadas aos filhos de famílias operárias, visando garantir o direito à infância.
“Nos parques, as crianças tinham muito espaço e liberdade para brincar”, retoma Sonia. A pesquisa do próprio Andrade sobre o folclore e a diversidade étnica brasileira fundamentavam essa experiência educacional, resgatando tradições populares através da arte e de jogos infantis.
Citando outro educador fundamental, Naíme Silva, coordenadora da EMEI Gabriel Prestes, lembra que Paulo Freire dizia que a educação se faz em comunhão. “Para a gente desenvolver uma cidade educadora, precisamos de um coletivo de escolas empoderadas do território. Não é só a Gabriel Prestes que utiliza o seu entorno na educação – há muitas em São Paulo, mas muitas vezes elas estão no extremo e nem se conhecem. A SME precisa ter essa compreensão e construir como política pública a oportunidade de encontro entre essas escolas.”
A educadora afirma que estas conexões têm acontecido por iniciativa própria, como um grupo de escolas e coletivos culturais que estão dialogando e organizando ações no território com o apoio da DRE Ipiranga e da Associação Cidade Escola Aprendiz. A proposta é co-criar um Território Educativo no centro de São Paulo.
“Temos provocado no nosso território o diálogo com outras escolas, caminhando para o fortalecimento dessa rede de escolas que já pensam a educação contemporânea, que já avançaram no terreno das concepções”, observa. “Essas escolas se fortalecem juntas e, ao se sentirem empoderadas nos seus territórios, provocam as outras escolas a seguir este caminho.”
O Sábado no Parque foi encerrado com o IV Cortejo Poético das Infâncias Paulistanas. Acompanhadas de seus pais e empunhando instrumentos produzidos durante a manhã, crianças e adultos chamaram a atenção dos demais frequentadores do parque. “A criança deve estar na rua. Vamos ocupar o parque em nome da educação e da infância!”, bradou Naíme.
Pai de Artur, estudante da Gabriel Prestes, Celso afirma ter participado dos outros três cortejos promovidos pela EMEI. “Fico impressionado vendo isso, já que estudei em escolas públicas durante a ditadura militar. É uma manifestação que reúne a riqueza da diversidade cultural da cidade especialmente direcionada aos pequenos. São as crianças ocupando a cidade com criatividade”, ressalta.
Para Sonia, as cidades deveriam se mobilizar para ter mais eventos como o Sábado no Parque. “Um dos papéis da Educação Infantil é mostrar para a sociedade a importância de espaços da cidade serem ocupados pela infância. Trazer as crianças e famílias aos espaços públicos é fazer com que ambos percebam a importância dessa relação, pois é nela que as crianças aprendem.”