publicado dia 26 de agosto de 2015
São Paulo aprova Plano Municipal de Educação sem medidas de combate à discriminação nas escolas
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 26 de agosto de 2015
Reportagem: Danilo Mekari
Após mais de dois mil encontros de construção coletiva – realizados desde 2007 com comunidades escolares, educadores, movimentos sociais e universidades –, o Plano Municipal de Educação (PME) de São Paulo foi aprovado ontem (25/8), na segunda e derradeira votação na Câmara dos Vereadores. O documento, que orientará o Executivo no planejamento da educação da capital paulista na próxima década, segue agora para a sanção do prefeito Fernando Haddad.
Plano Municipal de Educação
Histórico
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O texto aprovado foi um substitutivo produzido pela Comissão de Finanças e Orçamento da Casa ao projeto original, entregue anteriormente pela Comissão de Educação, Cultura e Esportes. Após a pressão de grupos religiosos e conservadores, a nova versão do documento suprimiu as menções à “diversidade sexual” e “igualdade de gênero”, expressas em estratégias de combate à discriminação nas escolas
Também foram excluídas as menções ao Plano Nacional de Direitos Humanos (2010), que apresenta diretrizes para a igualdade de gênero, e à Lei Orgânica do Município, que aponta para uma “educação igualitária”, responsável por desenvolver o “espírito crítico em relação a estereótipos sexuais, raciais e sociais”.
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Na reta final, a bancada do PT na Câmara conseguiu incorporar três emendas ao texto. Sobre o financiamento da educação em São Paulo, que pouco foi debatido nas sessões anteriores devido à forte polarização sobre a questão de gênero nas escolas, ficou decidido que o investimento público será ampliado de 31% para 33% do orçamento total do município nos próximos dez anos (acréscimo de cerca de R$670 milhões para o setor).
Sobre as creches, o PME pretende garantir o atendimento de 75% das crianças de zero a três anos e 11 meses (universo total) ou 100% da demanda registrada (fila) – no caso, o que for maior. Visando o fortalecimento da qualidade da educação e o respeito às condições de trabalho dos profissionais da educação, houve ainda uma emenda que propôs a diminuição do número de alunos por docente na rede municipal de ensino (confira no box abaixo). A maior mudança acontecerá no ensino infantil: de 29 para 25 alunos por sala.
Relação entre número de alunos/professor aprovada no PME de São Paulo
Berçário I: 7 crianças / 1 educador
Berçário II: 9 crianças / 1 educador
Mini – Grupo I: 12 crianças / 1 educador
Mini – Grupo II: 25 crianças / 1 educador
Infantil I: 25 crianças / 1 educador
Infantil II: 25 crianças / 1 educador
Ciclo de alfabetização: 26 educandos / 1 educador
Ciclo de Intermediário: 28 educandos / 1 educador
Ciclo autoral: 30 educandos / 1 educador
EJA I: 25 educandos / 1 educador
EJA II: 30 educandos / 1 educador
MOVA: 20 educandos / 1 educador
O documento final foi aprovado com 43 votos a favor e quatro contra: dos vereadores Toninho Vespoli (PSOL), Juliana Cardoso (PT), Claudio Fonseca (PPS) e Netinho de Paula (PDT).
Mobilização
Por volta das 11h, os representantes ligados à Igreja Católica começaram a se concentrar em frente à Câmara. Entoando gritos como “Gênero não, família sim” e “Ah, eu sou família”, o grupo ocupou uma das vias do Viaduto Jacareí. Separados por uma grande, ativistas LGBTs (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais) e outros movimentos sociais ligados à educação traziam bandeiras e bexigas, expressando a diversidade.
“Uma salva de palmas para o sol que vai iluminar a nossa vitória. Amém”, discursou um padre franciscano que guiava a cerimônia em cima do caminhão de som. Ele ainda recomendou aos fiéis a não darem entrevistas a “repórteres de má fé, esses manipuladores que estão nos induzindo ao erro”.
A polarização em frente à Casa seguiu para o Plenário 1º de Maio. Enquanto vereadores discursavam sobre o PME, as plateias se comportavam como torcidas de futebol e interrompiam a fala do orador. “Hoje vai ser um dia trabalhoso”, anunciava o presidente da Casa, Antonio Donato (PT).
Um momento emblemático da votação aconteceu durante a fala de Toninho Vespoli, relator do texto original do PME, modificado pela Comissão de Finanças. Ao apontar que a Câmara estava sendo irresponsável ao não discutir valores de tolerância, igualdade e respeito em relação a questão de gênero, afirmou que setores da Igreja contrários ao tema deveriam proibir essa discussão apenas em seus espaços, não em toda a rede de ensino. “Eu sou católico, mas o Estado é laico!”, bradou o vereador, seguido por vaias dos grupos religiosos.
As mesmas vaias foram recebidas pela vereadora Edir Sales (PSD), vindas porém da outra torcida. Ela fez uma pergunta para rebater a fala de Toninho, que afirmou existirem hoje vários arranjos de família: “Quem aqui não nasceu de um pai e de uma mãe?”.
A dose de atraso foi repetida por Ricardo Nunes (PMDB) ao discursar que a escola não deve se preocupar com a educação das crianças, porque esse é um papel da família. “A questão de gênero foi tirada da maioria dos PMEs do Brasil. Para dar um ultimato nela, São Paulo vai tirar também”, sentenciou.
O vereador Calvo (PMDB) causou alvoroço ao dizer que meninas entre 12 e 15 anos formadas em bailes funk fazem parte de uma “geração de cancerígenas”. “Quanto mais sexo se faz nessa idade, com muitos parceiros, mais chances de desenvolver câncer de útero”, observou o médico. “Precisamos fazer algo pelas crianças que estão desassistidas por uma sociedade bruta.”
Enquanto aconteciam os discursos, as 55 cadeiras reservadas aos vereadores se encontravam vazias. Não era difícil encontrá-los perambulando pela plenário, conversando entre si, no celular, de costas para o orador, lendo e papeando.
Paulo Fiorilo (PT) afirmou que o substitutivo aprovado é um pequeno passo de uma longa caminhada. Eliseu Gabriel (PSB) lembrou da importância de se priorizar uma Educação Integral para além do tempo integral.
“É importante entender que a escola está na sociedade, assim como a família, e o conjunto da sociedade que define seus valores. Se uma pessoa não consegue entender essa complexidade, ela não está preparada para discutir a educação pública”, finalizou Toninho.