publicado dia 14 de dezembro de 2017
Reconhecer-se na escola e no bairro: Projeto Memórias
Reportagem: Nana Soares
publicado dia 14 de dezembro de 2017
Reportagem: Nana Soares
É dia de exposição no Memorial Solano Trindade. O espaço, que fica em uma das salas da EMEF que homenageia o artista, foi inaugurado em 2011 para dar materialidade a uma iniciativa que acontecia na escola há quase dois anos: o Projeto Memórias, uma iniciativa pedagógica que busca reconstruir a memória do bairro, da comunidade, da escola e de seu patrono Solano Trindade.
Na exposição, as paredes estão cobertas de fotos de moradores e trabalhadores do território, reconhecendo a importância dessas figuras para o cotidiano do Jardim Boa Vista, localizado na zona oeste da cidade de São Paulo. Entre os fotografados, há pais, mães e parentes de estudantes. Uma delas, em especial, se emociona. Nunca estudou na unidade e, ainda assim, se vê retratada nas paredes, em uma homenagem a sua profissão de feirante. A surpresa é positiva e ela afirma que passará a participar dos eventos abertos à comunidade.
Casos como esse não são exceção entre os moradores do entorno na EMEF Solano Trindade, que há sete anos tenta derrubar os muros simbólicos que separam o território da escola. O Projeto Memórias, realizado em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), compõe essa empreitada, implementando estratégias de reconstrução e valorização da memória local. A ideia é fortalecer os vínculos com – e entre – a comunidade, elevando a autoestima do bairro e celebrando as identidades e histórias ali construídas. “O que é ruim nós já estávamos cansados de saber”, resume a coordenadora pedagógica Simone Aguiar, explicando como a iniciativa teve início.
Da vergonha ao orgulho
Dez anos atrás, a EMEF Solano Trindade diagnosticou a cultura de violência impregnada no dia a dia da escola. Vista como um agente apartado do restante do bairro, a instituição não atraía os moradores espontaneamente e não agia em convergência com outras organizações locais. Dada a proximidade da unidade com a USP, frequentemente alunos de graduação das mais diversas áreas faziam da EMEF seu objeto de estudo, na maioria das vezes, apontando somente as falhas e sem dar devolutivas à comunidade escolar. Cansada dessa realidade, a equipe gestora da escola recusou o primeiro pedido de Elisabeth Fraga, da Faculdade de Educação da USP, para realizar na EMEF ações de resgate da memória do local.
Foi só depois de um ano, quando a escola já tinha mudado sua proposta e sua postura perante à comunidade, que o projeto Memórias deu seus primeiros passos. Nesse período, a EMEF Solano Trindade havia mudado seu Projeto Político-Pedagógico (PPP), incorporando a incidência no território como um de seus valores. A equipe então passou a frequentar as reuniões de bairro para entender quais eram as demandas dos moradores e o que precisava ser trabalhado.
Para firmar a parceria com a USP, no entanto, a coordenação exigiu uma devolutiva, uma formatação de projeto que permitisse que os saberes não se restringissem à universidade, mas também fossem agregados aos alunos, pais e moradores. E foi com esse desenho que, em 2010, o projeto começou a tomar forma. As primeiras ações incluíram o diagnóstico e entrevista de pessoas-chave para contar a história do bairro, de seus moradores, da escola e, seguindo a sugestão da professora Núbia Esteves, do patrono Solano Trindade.
Alinhado ao PPP da escola, o projeto envolveu e continua envolvendo todos os professores e turmas, do 1° ao 9° ano. Os alunos aprendem técnicas de entrevistas, conversam com seus familiares sobre suas vidas, desvendam a relação dos moradores com a escola, visitam o bairro e estudam sua topografia, seu processo urbanístico e a paisagem atual. O material consta nos arquivos do Memorial Solano Trindade, dividindo espaço com as exposições fixas, temporárias e com a maquete do bairro em miniatura, confeccionada pelos próprios estudantes.
As exposições são abertas a toda a comunidade e, com quase uma década de relação com o território, o que não falta são moradores circulando pela EMEF, seja para visitar o Memorial, prestigiar as Feiras Culturais ou usar o espaço para articular novos projetos.
Solano Trindade, artista brasileiro
Inicialmente, o Projeto Memórias trabalharia três vertentes: escola, bairro e os atores locais (tanto os atuais como os do passado), mas Núbia Esteves, professora de geografia e co-criadora do projeto, sugeriu que também se explorasse a memória do artista que dá nome a escola, especialmente porque comentários racistas eram frequentes entre alunos e moradores. A ideia era que, ao valorizar a obra de Solano Trindade, os alunos também se reconheceriam no artista e teriam orgulho de sua origem e identidade.
Poeta, folclorista e teatrólogo, o multiartista recifense dedicou sua vida à valorização da cultura popular genuinamente brasileira, fundando o Teatro Popular Brasileiro (TPB), que trouxe para São Paulo na década de 50. Solano viveu em Embu das Artes, município da grande São Paulo onde também moram alunos da EMEF, a escola que leva seu nome.
Para contar essa história, a equipe da escola contatou a família do artista, que tornou-se uma grande aliada do Projeto Memórias. No Memorial, não faltam fotos da vida e obra de Solano e, em uma ocasião, o espaço chegou a receber seus filhos. “Eles dizem que nós somos os únicos que procuraram a família para saber mais sobre o pai, o que dá dimensão da profundidade desta iniciativa”, relata Elisabeth Fraga, que coordena as atividades da USP no local.
Territórios Educativos
O Projeto Memórias foi um dos 10 contemplados pela 2ª edição do Prêmio Territórios Educativos, iniciativa do Instituto Tomie Ohtake em parceria da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e patrocínio da Estácio, que busca reconhecer e fortalecer experiências pedagógicas que explorem as oportunidades educativas do território onde a escola está inserida, integrando os saberes escolares e comunitários.
Este ano, o programa recebeu 67 inscrições oriundas de todas as Diretorias Regionais de Ensino de São Paulo e de diversos tipos de unidades escolares.