publicado dia 23 de agosto de 2016
Projeto Viela chega aos sete anos potencializando sonhos de crianças do Jardim Ibirapuera
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 23 de agosto de 2016
Reportagem: Danilo Mekari
A horta pendurada na parede roxa marca o começo de uma viela sinuosa e colorida que, a partir da rua Macedônio Fernandes, percorre boa parte da comunidade do Jardim Ibirapuera, na zona sul de São Paulo. Marcas da periferia estão presentes – ruas estreitas e esburacadas, agito fervoroso, bares como ponto de encontro, uma sequência sem fim de moradias de tijolo sem pintura nem frescura, pipas desafiando os fios elétricos.
Descendo por ela, destaca-se uma casa grafitada e de dois andares, em cuja placa se lê em letras garrafais: PROJETO VIELA. O som de festa e o barulho de crianças brincando chega antes mesmo de escalar os degraus íngremes e não lineares que dão na laje, reformada no início de 2016 através de uma iniciativa de crowdfunding.
A comemoração é de sete anos do Projeto Viela, iniciativa que introduz a literatura para crianças e adolescentes da região através de rodas de leitura e debates, utilizando como ponto de partida duas grandes invenções da humanidade: o cinema e o futebol.
O projeto já teve o nome de Viela Letras e Livros e sua história está intimamente ligada à de seu criador: Anderson Agostinho, ou simplesmente Buiú, como é conhecido por toda a comunidade. Aos 34 anos, Buiú é formado em Educação Física e atualmente toma conta da parte institucional do projeto, costurando parcerias e vislumbrando novas oportunidades de crescimento e desenvolvimento para as crianças e jovens que dele participam.
Vinte anos atrás, porém, a situação era bem diferente. Durante a juventude, Buiú largou os estudos por conta do desgastante trabalho como feirante. De terça a domingo, ajudava familiares e amigos a montar a barraca, ajeitar as frutas e carregar e descarregar o caminhão. Ganhava 15 reais por dia de serviço. Aos 15 anos, começou a trabalhar como pintor.
São paulino de coração e volante de posição, Buiú estava determinado a seguir a carreira de jogador de futebol. Disputou vagas em clubes como Portuguesa, Juventus e Fluminense – sem sucesso. Passou por uma peneira do Ituano e quase concretizou seu sonho – era tarde demais. Já estava envolvido com drogas de alto índice de dependência, como álcool e cocaína, e esteve à beira da morte em 2007 por conta de um mal-entendido com os traficantes da região.
“Depois desse dia resolvi mudar de vida. Foi o limite, um sinal de alerta”, conta Buiú, sentado em um degrau em frente à viela aonde, por tantos anos, organizou sessões de cinema e contação de histórias a céu aberto. Os moradores que passavam por ali – e não eram poucos – recebiam prontamente um convite para subir e comemorar o aniversário do projeto.
Em 2007, após a ameaça de morte, Buiú decidiu investir em suas próprias habilidades para além das quatro linhas que delimitam um campo de futebol. Aos 27 anos, fez cursos de música, desenho e pintura a óleo no Núcleo de Proteção Psicossocial Especial (NPPE). “Sempre gostei de desenhar. Pintar me dá uma sensação de liberdade única”, afirma. Hoje, as camisas e bonés vendidos com a marca do projeto levam seus traços.
Dois anos depois, em 2009, o Projeto Viela ganhava corpo. Em sua própria casa, Buiú construiu um pequeno palco onde eram realizados shows abertos de samba, jazz e hip hop. A viela passou a receber sessões quinzenais de cinema, onde crianças, adultos e também idosos comiam pipoca e liam em conjunto histórias infantis antes e depois do filme. Hoje, após a reforma do local, as sessões são realizadas na própria laje.
Paralelamente, a iniciativa Futebol e Leitura fechou parceria com a Escola Estadual Comendador Alfredo Vianello Gregório para utilizar a sua quadra poliesportiva. Começou com a presença de dez meninos – hoje, mais de 70 participam da ação, onde crianças e jovens participam de uma roda de leitura para então jogar futebol e disputar campeonatos. A intenção agora é expandir a ação para as meninas da região.
Além de realizar encontro de mulheres, oficinas de reciclagem, pintura, artesanato e palestras sobre a realidade do bairro, o projeto também acompanha os boletins escolares de seus participantes. De acordo com Buiú, é evidente a melhora em pontos como leitura, escuta, integração social e rendimento.
“O Projeto Viela surgiu com o objetivo de desenvolver os talentos que já existem dentro da comunidade. Está cheio de artistas dentro das vielas, mas não tinha ninguém que apoiasse essas crianças e adolescentes para que pudessem expressar sua arte”, pontua Buiú, que em nenhum momento parou de convidar os pedestres para subir na laje e comemorar os sete anos do Viela.
E já define como ‘grande’ o papel do projeto na transformação local: “A abertura que a gente dá para que eles possam estar aqui fazendo coisas é a abertura que pode potencializar as suas ideias e seus sonhos. É muito difícil enraizar algo que seja forte para o futuro deles aqui nessa comunidade, mas agora eles já entendem que esse espaço funciona para eles terem ideias grandes e concretas.”