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publicado dia 13 de janeiro de 2020

Projeto cearense usa literatura de cordel para combater machismo na escola e na comunidade

Reportagem:

literatura de cordel é um patrimônio cultural brasileiro. No nordeste, essa tradição, que mistura versos e gravuras, contém imensa força popular: o que nela está escrito reproduz e influencia hábitos do cotidiano local. Então, por que não utilizá-la para combater o machismo e mostrar para a comunidade a importância de pensar a equidade de gênero?

A produção de cordel feminista é uma das ideias do grupo Dice – Será que a sociedade ainda não entendeu?, criado em 2017 por estudantes do ensino médio da Escola Estadual de Educação Profissional Edson Queiroz, localizada em Cascavel (CE). A iniciativa cria ações e debates sobre o feminismo, atuando na própria escola e também na comunidade do entorno. O Dice foi um dos 40 finalistas do Desafio Criativos da Escola 2019.

jovens se reúnem para falar sobre cordel no ceará
Rodas de conversa sobre feminismo usando literatura de cordel / Crédito: Divulgação

Francisca de Miranda, uma das idealizadoras do DICE e hoje já formada, relembra que a ideia surgiu durante um almoço entre ela, a colega Riana Monteiro e o professor de Filosofia e Sociologia Claudio Simplorio. “Queríamos fazer um projeto que, mais do que ganhar nota, pudesse ajudar as pessoas ao nosso redor a refletir sobre como o machismo é [algo] grave”.

Orientador do coletivo, Cláudio complementa que elas queriam entender os diversos papeis da mulher na sociedade. “Elas sofriam com o preconceito do nosso machismo exacerbado, e queriam discutir isso na escola, sentindo que ainda não havia espaço para as mulheres”.

Atuação do projeto se espraiou no calendário escolar

O projeto, que recebeu o nome da deusa grega da justiça Dice, se arvorou em diversas ações, realizadas tanto na escola quanto fora dela. Em seu próprio território, o grupo juntou rodas de acolhimento para debater o feminismo, culminando na produção de uma apostila que versa sobre o machismo e formas de combatê-lo.

A parte que Francisca mais gostava nessas rodas de fortalecimento da mulher era a oportunidade de conversar entre suas pares: “Fomos até as escolas, falamos com as gestoras, e conseguimos ter um diálogo bacana sobre as dificuldades de ser mulher. A parte que eu mais gostei foi de conversar com os alunos nas escolas”. As atividades incluíam diálogos, discussões sobre músicas machistas e bate-papos.

Dentro do currículo da sala de aula, o Dice quebrantou estereótipos científicos adicionando a produção acadêmica feminina dentro das aulas de sociologia e filosofia, como explica Cláudio:  “O mundo da produção teórica é masculinizado demais, e foi por sugestão das próprias alunas que começamos a inserir as mulheres que marcaram história na nossa aula”. Hannah Arendt, Angela Davis, Viviane Mosé e outras pesquisadoras foram trabalhadas no currículo.

Houve também uma mudança no calendário escolar. Ao invés de só se falar sobre mulheres no 8 de março, o DICE espraiou o tema de feminismo durante todo o ano: “Por exemplo, no final do ano, havia um projeto sobre cultura afro, então aproveitamos para trazer mulheres negras para o centro do debate”, complementa Cláudio.

O cordel como meio de aproximação 

A escola profissionalizante fica em Cascavel, uma cidade do interior do Ceará. É um dos desafios do projeto combater lugares-comuns e preconceitos locais, segundo Cláudio. “As ideias que circulam na nossa comunidade são muitas vezes rígidas e tradicionalistas. Trabalhar a questão de gênero por comunidades dominadas por facções ou cultura religiosa, com fortes tradições enraizadas, tem sido um grande desafio para as garotas”.

participantes do projeto DICE
As atividades são realizadas utilizando literatura de cordel. Na foto, participantes do projeto / Crédito: Divulgação

A aluna Rayonara Pinheiro, que faz parte da segunda leva de garotas a integrar o DICE, concorda com o tamanho do desafio: “Enquanto grupo, já presenciamos situações bem complicadas, desde enfrentamento direto até a falta de reconhecimento. Mas não baixamos a cabeça, vamos a luta!”.

Um dos jeitos que as garotas encontraram para se aproximar da comunidade foi subverter um dos maiores patrimônios culturais do nordeste e transformá-lo em uma ferramenta de conscientização.“Nossa região tem uma cultura muito rica, em que o cordel e seus jogos de palavra são usados para chamar a atenção das pessoas”, adiciona Rayonara.

Uma das idealizadoras do uso do cordel, Francisca finaliza: “O machismo é uma cultura que vai passando de geração em geração, assim como o cordel, que é uma cultura do nordeste, e que algumas vezes trata a mulher como objeto. Então, ao utilizá-lo, despertamos o interesse dos ouvintes, valorizando a nossa cultura e destruindo a do machismo”.

 

*Matéria publicada originalmente no site Criativos da Escola. A autoria é de Cecília Garcia. 

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