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publicado dia 21 de outubro de 2015

Paralapracá propõe escola aberta ao território para garantir educação infantil de qualidade

Reportagem:

Na periferia de Natal (RN), um velho casarão mal-assombrado, uma ruína do passado da cidade, é investigado por crianças de 4 e 5 anos. Em conjunto com pais e professores, caçam o fantasma da viúva Machado e trazem um novo sentido para aquele lugar e para a história do bairro de Guarapes.

A visita à Casa da Viúva Machado, realizada pela CMEI Marilanda foi uma das atividades impulsionadas pelas formações do programa Paralapracá, desenvolvido pelo Instituto C&A e que recentemente foi validado pelo Ministério da Educação por fortalecer o desenvolvimento integral de crianças. Conectando território e escola, o programa tem buscado despertar potenciais comunitários adormecidos para estimular a constituição de uma cidade educadora.

O programa parte do diagnóstico de que houve uma necessária expansão da rede pública destinada às crianças de até 6 anos, mas não houve necessariamente uma preocupação com o incremento da qualidade desta etapa educacional, que precisa ser desenhada de forma equitativa, plural e acolhedora. Ao lado do desafio de assegurar o fundamental direito das mães ao trabalho, é preciso garantir o pleno desenvolvimento de seus filhos e filhas.

“As conquistas que tivemos desde a Constituição de 1988 têm que ser levadas adiante, temos que olhar para a criança como um sujeito de direitos e ter responsabilidade com a qualidade da educação que estamos provendo”, defende Patrícia Lacerda, gerente da área de Educação, Arte e Cultura do Instituto C&A.

Para ela, o direito à educação infantil de qualidade é um aspecto novo no sistema de educação brasileiro e o “menos valorizado”. Para sair deste lugar, as famílias são essenciais. “Na educação infantil, a ligação entre escola e família é mais forte. Temos que fortalecer o local da escola dentro das comunidades, valorizá-la e entendê-la como aspecto fundamental do desenvolvimento daqueles indivíduos e daquele bairro”, avalia.

Investir na infância é chave para acabar com a desigualdade

James Heckmann, economista americano vencedor do Prêmio Nobel no ano 2000, realizou uma pesquisa com crianças de estratos sociais distintos. Seu estudo, prolongado por décadas, desmentiu os mitos de que uma pessoa herda habilidades especiais ao nascer e a colocou no campo de potencial a serem desenvolvidos. Ele é o autor da estimativa de custo benefício de que a cada dólar investido na primeira infância – dos 0 a 6 anos – nove voltarão para a sociedade. “Um programa de primeira infância de qualidade para a população carente é uma condição necessária para avançarmos em direção a uma sociedade mais educada, igualitária e, sobretudo, menos violenta”, atesta.

A partir desta percepção, algumas cidades e áreas vulneráveis do nordeste brasileiro passaram a receber, desde 2010, formação docente e acesso à materiais didáticos por meio de parcerias entre as secretarias e prefeituras interessadas e o Instituto C&A, que seleciona por edital as regiões que serão contempladas.

Até agora, o programa já foi implementado nos municípios de Campina Grande (PB), Caucaia (CE), Feira de Santana (BA), Jaboatão dos Guararapes (PE) e Teresina (PI), até 2012; e em Camaçari (BA), Maceió (AL), Maracanaú (CE), Natal (RN) e Olinda (PE), de 2013 até o final deste ano.

Casa fantasma, aprendizagem real

O incentivo para que a escola se conecte com a cidade e incorpore os espaços urbanos no itinerário formativo das crianças incluiu uma visita dos educadores à Reggio Emília. A cidade italiana ganhou notoriedade ao assumir coletivamente, logo após a II Guerra Mundial, a missão de educar a primeira infância.

Na metodologia implementada no Brasil, esta preocupação está refletida no “Assim se Explora o Mundo“, uma estratégia que incentiva os professores a irem além dos muros da escola. Foi assim que a CMEI Marilanda Bezerra aprendeu que, até no medo do sobrenatural e na superstição da comunidade, é possível encontrar conteúdos históricos sobre um local.

Edilma Costa, diretora pedagógica da CMEI, que atende 300 crianças de 4 a 5 anos, relata que a professora Isabel Cristina de Lima Silva já pensava em trabalhar o tema da viúva pelo medo que ela despertava nos estudantes – e nas famílias. Decidiu então ir atrás da história e entender os elementos que compunham tamanho receio.

“Por ter sido uma mulher poderosa, em um tempo onde isso não era bem visto, teve início todo tipo de difamação, inclusive a de que ela matava crianças para comer. Ao desmistificar algumas dessas crenças, conseguimos trabalhar a história de Natal e do patrimônio cultural de um bairro periférico, que sempre teve uma auto-estima muito baixa. A partir das crianças, a gente consegue trabalhar a identidade do bairro e o orgulho de um lugar”, relata Edilma.

Cidade Educadora

“Quando você traz o pai para assistir uma aula, ele se sente valorizado e a criança fica feliz de vê-lo por lá. Isso fortalece a gestão, a escola, o bairro, até gente que não tem filho agora vem nas exposições de trabalhos que acontecem na escola. Todos saem ganhando”, argumenta a diretora pedagógica.

Ela revela que, desde a primeira “aula-passeio” à casa da viúva, a escola passou a ter uma “alma nova”. “A gente já tinha essa inclinação, mas deu força, sabe? As professoras hoje ampliaram suas pesquisas e as crianças têm desenvolvido pesquisas muito bonitas a partir de seus interesses. Cada tema gerador cria muitas oportunidades que podem ser trabalhadas em sala.”

Isso fez com que a escola saísse da mesmice das atividades repetitivas. “Passamos a entender a criança como um indivíduo com particularidades que devem ser levadas em conta. E o território também: estamos, inclusive, buscando e valorizando brincadeiras tradicionais do bairro”, aponta Edilma.

“A gente quer que o que seja feito com a criança seja vivenciado pela equipe pedagógica, ou seja, instigar uma filosofia de formação em que a vivência e a experiência sejam transformadoras”, projeta Patrícia.  E como isso se dá? “Além de garantir o direito à educação, é importante que as crianças e os professores tenham garantido seu direito à cidade, à ocupação dos espaço, à experimentar a fauna, a flora e a cultura local, trazendo o território para dentro da escola, percebendo que a formação integral parte dessa possibilidade de ver o mundo como espaço de aprendizagem”, conclui.

Acesse o site do Paralapracá para conhecer a metodologia e ter acesso aos materiais do programa.

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