publicado dia 27 de agosto de 2014
Para periferia, ocupar o espaço público significa enfraquecer a cultura do medo
Reportagem: Coluna Livre
publicado dia 27 de agosto de 2014
Reportagem: Coluna Livre
Publicado originalmente na Carta Capital
Na periferia, a rua é um ambiente de acolhimento, mas também de abandono e perigo. Para muitos, a rua tem conotação de violência. “‘Menino, a rua é perigosa’, gritava minha mãe quando eu pretendia sair à noite”, diz Marcelo Paz, de 22 anos, morador do Jardim Campo de Fora, região do Capão Redondo, zona sul de São Paulo. Toda a violência sofrida pela periferia gerou em seus moradores um medo que cria, em diversos bairros, uma situação de cárcere social. As pessoas se privam de sua liberdade por sobrevivência.
Joseh Silva é jornalista e blogueiro. Desenvolve o Observatório Popular de Direitos, uma plataforma virtual que tem como proposta monitorar e cobrar políticas públicas voltadas para a periferia da cidade de São Paulo. Pode ser encontrado semanalmente na revista Carta Capital.
Não se trata de uma situação de vitimização. Na favela, ao longo dos anos se construiu a ideia de que “se a pessoa está na rua à noite, é vagabundo ou está fazendo algo de errado”. A própria periferia assumiu esse discurso. Enquanto isso, quem está nas ruas em bairros onde há maior concentração de pessoas da classe média alta, como a Vila Madelena, está “se divertindo”.
Há uma situação muito clara que evidencia isso. Existe um dilema criado em cima dos “pancadões” que aconteciam em ruas da periferia. O “pancadão” nada mais é que um carro, ou alguns, com som ligado em volume alto, tocando funk estilo carioca, ritmo ridicularizado por ser uma música “de favela”.
Nesses lugares, quando o efetivo da Policia Militar é enviado para a dispersão dos jovens que ocupam o espaço público para se divertir, o que deveria ser feito pela Guarda Civil Metropolitana e pelo Programa de Silêncio Urbano (PSIU), bombas de gás lacrimogênio, spray de pimenta, bala de borracha, cassetete e repressão tomam conta do ambiente. É por essa forma de tratamento repressiva que a periferia tem medo de frequentar um ambiente de convivência e de uso coletivo, a rua. O que não é uma preocupação em algumas bairros de classe média.
Durante os jogos da Copa do Mundo, a Vila Madalena foi tomada por estrangeiros, que causaram muitos problemas para a região, despreparada para receber aquela quantidade de gente. Durante as confusões e quando os torcedores não queriam ir embora, houve episódios de bombas de gás, mas os policiais também dispersavam, educadamente, as pessoas com pedidos de “retirem-se, por gentileza”, no megafone.
Com muita persistência, alguns coletivos, indivíduos e organizações estão conseguindo dar outro sentido para a rua. Estão ressignificando este espaço. Por conta da contínua efervescência da cultura periférica, diversos grupos que atuam com linguagens artísticas estão mostrando seu trabalho de forma aberta para todos, e em algumas casos de graça.
Desde 2009, Anderson Verdiano Agostinho, 33 anos, organiza com amigos uma roda de leitura e exibição de filmes em uma viela no Jardim Ibirapuera, zona sul de São Paulo. O coletivo Imargem, dá região do Grajaú, desenvolve trabalhos de artes visuais com um olhar voltado para o meio ambiente, por ser uma região de manancial. Em agosto, o coletivo colabora com a Virada Sustentável (confira a programação) e a edição 2014 do Estéticas das Periferias. No dia 21 de junho deste ano foi realizado, na Cohab Adventista, centro do Capão Redondo, o Festival Percurso, com uma reunião de economia solidária e cultura.
Estes são três exemplos de que, apesar do plantio da repressão, assassinatos, ausência de políticas públicas, a periferia está colhendo bons frutos e fazendo seu trabalho de base. Sozinha.