publicado dia 2 de fevereiro de 2017
Paixão Cega: Flamengo promove a inclusão de torcedores com deficiência visual
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 2 de fevereiro de 2017
Reportagem: Danilo Mekari
A caminho do Maracanã, saindo de Jacarepaguá, Nathalia Santos e Andressa Rezende tiveram que mudar de ônibus subitamente. Afinal, onde estavam os torcedores do Flamengo e seus cânticos tradicionais pré-jogo? E aquela curva acentuada de quando a condução chega na Tijuca? E a sequência de lombadas que caracteriza o trajeto?
Deficiente visual, Nathalia acostumou-se a guardar pequenos detalhes de seus deslocamentos pela cidade a partir de outros sentidos. Estes foram alguns elementos que a ajudaram a perceber que estava no coletivo errado. A sacada repentina e acertada fez com que Andressa duvidasse de sua cegueira. “Tenho uma noção espacial muito boa. Circulo muito, conheço os percursos que faço, sempre sei o caminho e o ônibus que preciso pegar. Meus amigos me chamam de GPS”, brinca Nathalia.
Flamenguista “desde o berço”, como ela mesmo se define, Nathalia foi escolhida para participar de um teste da campanha Paixão Cega, plataforma que pretende estimular uma nova experiência para os deficientes visuais acompanharem um jogo de futebol.
O lançamento oficial do Paixão Cega acontece no próximo dia 11/2, no jogo entre Botafogo e Flamengo, que acontece no Engenhão. Antes do clássico, os jogadores rubro-negros entrarão de mãos dadas com 11 crianças deficientes visuais.
Naquela tarde do final de novembro de 2016, Nathalia e Andressa eram mais duas a compor a massa de quase 38 mil rubro-negros que preenchiam as arquibancadas do Maracanã. Fazia calor no Rio de Janeiro e o Flamengo não deu trégua para o Santos: 2 a 0, com um gol no começo e outro no final da partida.
Como parte da ação, Andressa descrevia os lances do jogo, as movimentações dos jogadores, a reação da torcida e dos técnicos. Tanto e tão bem que Nathalia desligou o rádio de pilha com o qual acompanhava a partida. “Acompanhei igual a uma pessoa que enxerga, vibrei muito, o Flamengo ganhou. E perceber a satisfação da minha prima em poder me ajudar a ver o jogo foi muito bacana.”
A torcedora propõe que a experiência seja levada para outros times do Brasil. “Quem tem deficiência costuma ser visto como uma pessoa que não faz nada, fica em casa, não vai a shows, espetáculos, museus. Apesar de ter limitações, eu faço tudo.” Nathalia cita a seleção brasileira de futebol de cinco (para cegos), tetracampeã dos Jogos Paralímpicos. “Não só torcemos como também jogamos. Mostrar isso para as pessoas é importante, um movimento de incluir quem está excluído e entender que, dentro do estádio, todo mundo é igual.”
Realizado a partir de uma parceria do clube com a agência de marketing NBS, a ação possui um site oficial (acessível via desktop e mobile), onde não-deficientes e deficientes podem se cadastrar no sistema, que combinará os encontros para os jogos do Flamengo.
Nathalia é aficionada pelo Clube de Regatas Flamengo. Saiu da maternidade com uma camisa preta e vermelha e foi ao estádio pela primeira vez aos três anos. Além do futebol, ela também acompanha as equipes de basquete, vôlei e ginástica artística.
“Mas futebol é uma coisa louca. Quando se está lá no meio da torcida, não precisa enxergar. Quando é gol todo mundo pula junto, grita junto, sente o que acontece no entorno. Aconselho a todos que me acompanham em um jogo a ficar um ou dois minutos de olhos fechados. Dá pra entender o que acontece só pela vibração. É algo maravilhoso e realmente apaixonante.”
Acompanhante de Nathalia, Andressa também se divertiu com a experiência. “Foi um momento especial. Tentei passar tudo o que estava vendo, mas quando eu falava de um passe errado, de um gol perdido, a torcida já tinha reagido, então ela já sabia o que estava acontecendo.”
Pé quente, Andressa revela que nunca viu o seu time perder no Maracanã. “Quero voltar mais vezes como acompanhante da minha prima. Essa ação ajuda as pessoas a enfrentar barreiras que muitas vezes acham que não conseguem.”
O Paixão Cega se baseia no projeto de lei Nº 837/2011, que garante a gratuidade para cegos e acompanhantes não-deficientes frequentarem eventos esportivos e culturais no estado do Rio de Janeiro.
Para Nathalia, a ação contribui para quebrar as barreiras existentes entre quem é deficiente visual e quem não é. “Quem não tem deficiência tem medo de se aproximar do diferente, seja por falta de conhecimento, por não saber lidar nem como ajudar. Muitos acham que não tem nada a ver com a sua vida”, lamenta.
“O Paixão Cega permite que isso aconteça sem a gente perceber, sem querer, tirando o proveito de ir ao estádio e acompanhar um jogo, mas também levar uma pessoa com deficiência para a partida.” Para ela, esse tipo de experiência também permite que a pessoa não-deficiente entenda os desafios enfrentados cotidianamente por pessoas com deficiência.
“A minha bengala está torta de tanta calçada esburacada. Os carros estacionam onde eu ando. O motorista do ônibus nem te espera sentar para acelerar. Tudo nos leva a ficar recolhidos em casa, mas se for assim nada vai mudar. Se não sairmos não vamos viver”, defende Nathalia, revelando como essa população tem seu direito à cidade violado continuamente.
Acompanhada da prima, Nathalia pretende estar no estádio em todos os jogos que o Flamengo fará na Copa Libertadores de 2017. Quando questionada sobre qual partida não quer perder, ela não titubeia: “Contra o Vasco!”