publicado dia 21 de fevereiro de 2019
O que jovens da periferia acham sobre a reforma da previdência?
Reportagem: adminAprendiz
publicado dia 21 de fevereiro de 2019
Reportagem: adminAprendiz
*Artigo publicado originalmente na Agência Mural. O autor é Vagner Vital.
Vista com preocupação, a reforma da previdência divide opiniões entre jovens das periferias de São Paulo. Para alguns, a mudança é necessária, mas a maneira como está sendo proposta pelo governo pode pôr em xeque a segurança financeira no futuro.
Entre os principais pontos da reforma, está o aumento da idade mínima para se aposentar, com diferenciação entre mulheres e homens, em torno de 62/65 anos, respectivamente, conforme já adiantou o presidente Jair Bolsonaro (PSL). O texto foi apresentado nesta quarta-feira (20).
“Acredito que tenha que ter, mas não desse jeito. Ele [governo] quer enxugar ainda mais a garantia que o pobre tem de um pouco de tranquilidade no futuro”, diz a agente de gestão de políticas públicas Maria Luiza, 27.
Moradora do bairro de Americanópolis, no distrito do Jabaquara, na periferia da zona sul da capital, ela aponta que é necessário se prevenir fazendo outros investimentos como garantia para o futuro. “Não trabalho de carteira assinada. Já ouvi falar de previdência privada, mas não tenho nem como fazer no momento, nem poupança.”
Alguns estão mais pessimistas com a perspectiva de se aposentar, por conta dos modelos de contratação. Pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) estão todas as leis trabalhistas que regulam o trabalho individual ou coletivo nas empresas, além da garantia da contribuição automática para o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Porém, várias empresas têm contratado profissionais como PJ (Pessoa Jurídica).
“Não tenho esperança alguma de aposentadoria. Está acontecendo uma glamourização de liberdade profissional”, diz a produtora de eventos, Isa Gonçalves, 19, moradora do distrito do Campo Grande, na zona sul da cidade. “Só fui CLT uma vez. Na minha área só aparecem oferecendo PJ. Abri meu MEI (Microempreendedor Individual) assim que fiz 18 anos, porque era o único jeito de levar dinheiro para casa”, completa.
Previdência privada
Segundo pesquisa recente da Datafolha, a maioria dos brasileiros está despreparada financeiramente para apertos no futuro. A cada 10 brasileiros, nove não têm previdência privada e apenas 38% dos entrevistados dizem aplicar em poupança e outros investimentos.
“Não tenho previdência privada e nem poupança, pois faço estágio e não tenho como fazer investimentos. A renda acaba não sendo suficiente para fazer um recolhimento espontâneo, sabe. Se tivesse essa oportunidade, investiria”, diz o estudante de jornalismo, Victor Hugo, 25, morador do bairro da Vila Albertina, região do Tremembé, na zona norte da capital.
“[A reforma] é um tema que me preocupa, pois é o nosso futuro. Temos que nos preocupar com o que vai vir no cenário econômico e, infelizmente, a prospecção não é nada agradável”, diz.
“Nós [da periferia] sempre somos os mais atingidos, principalmente no que tange a parte econômica, por ter uma renda baixa e por muitas vezes trabalharmos de forma informal, sem recolher nenhum tipo de contribuição e muito menos poupando para ter algum tipo de investimento”, afirma o estudante que trabalha como estagiário em uma empresa de análise de dados.
Contribuidor da previdência há dois anos, o agente de saúde Richard Nickson, 22, também diz acreditar que o jovem da periferia encontra maior dificuldade para poupar. “Quem mora na periferia precisa comprar o que comer, ajudar ou até mesmo bancar a casa. Não dá para juntar muito”, diz o morador da Cidade Júlia, no distrito da Cidade Ademar.
“Quando não, não temos muita expectativa de vida. Como juntar se você não sabe nem se estará por aqui por mais tempo? O jovem da periferia está muito sozinho nessa”, ressalta Nickson, que divide o tempo entre o trabalho em um posto de saúde, serviços de recreador e a venda de doces para pagar o curso de enfermagem.
Outro ponto discutido para a reforma da previdência é a alteração automática na idade mínima para se aposentar de acordo com a expectativa de vida da população, que não leva em conta fatores como desigualdade social e econômica, que afetam as regiões periféricas.
Segundo os últimos dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2017, no Brasil a expectativa de vida da população é de 76 anos (72 – homens e 79 – mulheres).
No entanto, na cidade de São Paulo, das 32 subprefeituras, apenas quatro estão com índices de idade média ao morrer acima dos 76 anos: Pinheiros, Vila Mariana, Santo Amaro e Lapa. Em contrapartida, há 28 abaixo e as regiões dos extremos da capital são as mais críticas: Guaianases (62,4 anos), M’Boi Mirim (62), Parelheiros (61,6), Perus (59,9) e Cidade Tiradentes (58,4), aponta o Mapa da Desigualdade 2017.
“Os jovens da periferia são os que mais encontram dificuldades para investir ou guardar dinheiro. Ou comemos e pagamos as contas, ou investimos em algo para o futuro. Os dois não dá”, diz a estudante de pedagagogia Daniela Dias.
Para o especialista em investimentos, Rafael Moreira, a reforma da previdência é algo inevitável. “Não tem saída. Precisa mudar o regime para capitalização. Hoje quem banca são os jovens que entram no mercado. Isso não existe”, diz.
No regime de capitalização, proposto pelo governo, cada um faz a própria poupança em contas individuais, diferente do que ocorre hoje em que o trabalhador em atuação paga o de quem já está aposentado.
“Precisa saber juntar dinheiro, a regra dos 10%”, completa o especialista que cita Investimento no tesouro direto, pré-fixado, como opções para os jovens.
“Eu não consigo poupar por muito tempo. Guardo para usar durante o mês”, diz a estudante de pedagogia, Daniela Dias, 25. Moradora do bairro Cidade A.E. Carvalho, no distrito de Artur Alvim, na zona leste de São Paulo, a estudante diz que o que ganha só da para cobrir as contas. “Se eu quisesse poupar, teria que ter menos conta, o que não se aplica a quem tem que pagar aluguel, água, luz”, diz.
A reforma da previdência proposta pelo governo ainda terá que passar por votação no Câmara dos Deputados e pelo Senado.