publicado dia 10 de abril de 2015
O que a saúde da cidade tem a ver com a sua saúde?
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 10 de abril de 2015
Reportagem: Danilo Mekari
A saúde da cidade é a nossa saúde. Foi esse o lema do Inspira São Paulo, evento realizado na noite desta quinta-feira (9/4) no Museu da Casa Brasileira, como parte da programação da Virada da Saúde, que acontece até o próximo domingo (12/4). De caráter inspiracional, a proposta da atividade era reunir 12 profissionais de diversas áreas do conhecimento para compartilhar suas histórias de transformação do ambiente urbano, com a intenção de torná-lo mais saudável e sustentável – afinal, 84% dos brasileiros vivem em cidades, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“A expansão urbana, a expansão econômica e a vida acelerada facilita que as pessoas adoeçam”, acredita a médica Evangelina Vormittag, fundadora do Instituto Saúde e Sustentabilidade e idealizadora da Virada da Saúde. Ela lembrou que entre as causas mais comuns de mortalidade – para além de doenças crônicas não transmissíveis, como câncer e infarto – estão a violência e os acidentes fatais, “evidentemente decorrentes da rápida urbanização do mundo nos últimos anos”.
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Dados mostram como essa realidade tem atingido os paulistanos – principalmente as mulheres. De acordo com a médica, nos últimos quatro anos houve mais internação de mulheres por conta de infarto do que de homens. Para ela, esse dado corrobora o fato de que cerca de 70% dos cidadãos de São Paulo sofrem de stress elevado.
A idealizadora da Virada da Saúde recorre à própria infância para defender uma Cidade Saudável. “A minha geração foi uma das últimas que pôde brincar na rua. Ali onde eu morava, na Avenida Juscelino Kubitschek era de terra e passava um rio. Hoje, não nos incomodamos de respirar um ar tóxico, de ter rios canalizados e milhares de nascentes abandonadas”, lamenta. “As gerações depois da minha não puderam mais brincar na rua, que passaram a ser dos carros. A ansiedade e o pânico quanto à violência nos impedem de conviver com a cidade e com o próximo. Nos afastamos dos nossos valores, da cultura, das histórias e da memória.”
“A poluição do nosso ar está relacionada a três tipos de câncer: pulmonar, de mama e de bexiga. Se não fossem obesas, 40% das mulheres poderiam ter o câncer de mama evitado.”
Para superar esses problemas de saúde, Evangelina enfatiza a importância da mobilidade ativa – seja caminhando ou pedalando – para reduzir o número de infartos, câncer e casos de depressão. A Organização Mundial de Saúde (OMS), aliás, prevê que em 2030 a depressão será a doença mais comum do planeta. “De 1970 a 2000 houve uma perda de 35% da biodiversidade. Restou um conjunto de vazios que não sabemos como proceder”, opina. “A nossa existência significa saúde. A preservação da espécie humana também, e uma vida saudável só é possível numa cidade saudável. Precisamos estimular a mudança de comportamento que traz benefícios para a saúde.”
Para João Figueiró, fundador do Instituto Zero a Seis, uma das soluções para reduzir desigualdades e violência é investir em políticas públicas dedicadas à primeira infância, fator que promoveria a saúde individual e social. Ele cita o prêmio Nobel de Economia de 2000, o estadunidense James Heckman, que defende a tese de que a cada dólar investido nessa etapa da vida há um retorno de nove dólares.
“A cidade, no seu planejamento, não pensa a criança no território. A ágora infantil desapareceu, aquele lugar de compartilhamento e estabelecimento de regras, normas e limites e de aprendizado social. Nossas crianças estão confinadas em espaços fechados e sedentárias, assistindo em média 4h50 de televisão por dia.”
Figueiró ressalta que é nessa fase que se desenvolvem as bases das principais competências humanas. “É o período de mais intensa neuro-construção: aos seis anos, em torno de 90% do cérebro está desenvolvido. Os valores morais e princípios éticos também são estabelecidos nesse período”, afirma.
“Na periferia, temos o senso que em muitos lugares se perdeu: para ser saudável você tem que ser feliz”, aponta o cozinheiro Matheus Oliveira, que se autodenomina ‘crítico gastronômico da favela’. Ele elogia as novas opções de alimentação saudável que estão surgindo nas bordas de São Paulo, normalmente relevadas a uma alimentação de má qualidade. “O restaurante Dona Linda, na Vila Mascote, tem um buffet 100% integral. O Ateliê Sustenta CaPão também segue essa linha”, afirma.
Matheus sugere ainda uma reflexão em torno do conceito de saúde. “Ser saudável é ir no médico e ver se está tudo bem? Ou ser saudável é sentar numa mesa com quem você ama e ter uma boa conversa durante o jantar?”
O médico patologista Paulo Saldiva arrancou gargalhadas dos presentes quando fez uma analogia das doenças presentes em São Paulo. “A cidade cresce e a estrutura não suporta. Hoje, sofremos de trombose arterial, pois o tráfego está entupido; obesidade, por conta da densidade habitacional; a poluição do ar provoca diarreia, que resulta em nossos rios mortos; sofremos de insuficiência renal e impotência, pois não conseguimos limpar nossas águas; e, por fim, também somos vítima de um declínio cognitivo, pois os dirigentes esquecem rapidamente aquilo que prometeram.”
Ele defende que a saúde não é algo que se cura com vacina, antibiótico e novalgina. “Com o tecido social descontruído, as pessoas estão isoladas em carros, onde existe uma cidade que atrapalha o caminho entre a casa e o trabalho. Essa lógica há de ser desfeita para podermos curtir a cidade e estabelecer relações afetivas e sociais. Afinal, perdemos a riqueza da urbanidade quando nos enclausuramos dentro de nós mesmos.”