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publicado dia 30 de setembro de 2014

O futuro da escola está no “contraturno”

Reportagem:

Em entrevista do programa Roda Viva, da TV Cultura, ainda nos anos 90, o escritor norueguês Jostein Gaarder respondeu da seguinte maneira à pergunta se ele não se interessava por temas do ocultismo ou discos voadores, ao invés da trivialidade do cotidiano em suas obras: “Isso me parece ser obrigado a atravessar um rio para buscar água do outro lado”.

Alexandre Le Voci Sayad é jornalista e educador. É fundador do MEL (Media Education Lab) e autor do livro Idade Mídia: A Comunicação reinventada na Escola, publicado pela editora Aleph.

Uma educação baseada em projetos, sem disciplinas estanques, estimuladora do empreendedorismo e autonomia do estudante e desenvolvedora de habilidades e competências para este século existe neste momento – não é uma promessa de futuro.  E mora no chamado “contraturno” de escolas que realizam iniciativas interessantes, alguns em parcerias com universidades. Mas gestores do ensino parecem cegos de tanto enxergá-las.

Muitas atividades extra-curriculares, por exemplo, formam o cenário ideal para que a tecnologia e os espaços “makers” sejam experimentados, catalisando a inovação e provocando a criatividade.

Há uma busca desenfreada por inovação no ambiente escolar (de vocação conservadora).  Este movimento não ordenado soa como buscar água do outro lado do rio.  Muitas vezes a instituição desenvolve soluções importantes na grade extra-curricular. Mas as atividades de “contraturno” foram sempre discriminadas como ações de menor importância dentro de uma escola conteudista e pós-industrial.

É como se, no turno, as disciplinas acadêmicas ou curriculares (Matemática, Línguas, História etc.) fossem a parte importante da escola e o período de contraturno, a recreação para passar o tempo (Teatro, Esporte, Desafios Científicos, Jornal Escolar etc.). Muitas escolas certamente duplicam o fracasso do currículo por mais um período e chamam isso de educação integral – mas há tantas outras com projetos inovadores.

O auto-boicote é tão grande que nem mesmo sistemas de avaliação foram desenvolvidos para as chamadas áreas “não-cognitivas” da educação – afinal, brincadeiras não careciam ser avaliadas.

Os anos 60 e 70,  com o surgimento dos Cieps no Rio de Janeiro e outros projetos de educação integral,  pareciam que chamariam a atenção da sociedade para o lado oculto do cotidiano escolar. Não foi o que aconteceu.  Tais movimentos reforçaram algo positivo, que é a integralidade do ensino – mas, sem perceber, mantiveram o currículo como o eixo central da escola.  A cena conservadora se reflete até hoje, nos discursos dos candidatos à eleição deste ano.

Há um desafio ululante maior: como transformar o chamado “contraturno” na escola em si. E reduzir o tempo de sala de aula, mas não o de envolvimento do aluno com o conhecimento.

Para isso, há o desafio de montar uma mandala pedagógica de conhecimentos, habilidades e competências que atenda tanto a necessidade de compreender a programação de computadores e de se comunicar, como as de se expressar com conhecimento da Língua Portuguesa e fazer operações matemáticas.

Por outro lado, o vestibular continua vivo e passa bem. Não há como ignorá-lo. Essa é a principal barreira para um ensino que considera a habilidade de “fazer” tão importante como a de “pensar”. Mas não deve servir de bode expiatório para justificar a imobilidade da escola perante as transformações do mundo. Uma educação menos escolarizada e mais baseada no “fazer” depende muito da sociedade enxergá-la como transformadora e exigir as mudanças.

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