publicado dia 1 de novembro de 2016
Museu envolve comunidade por memória de bairro em Porto Alegre
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 1 de novembro de 2016
Reportagem: Danilo Mekari
Contar a história local a partir do olhar e da memória individual e coletiva dos seus próprios moradores. Esse é o objetivo que move o Museu Comunitário de Lomba do Pinheiro desde a sua criação, em 26 de março de 2006.
Desde muito antes dessa data, porém, as lideranças do bairro – localizado na periferia de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul – já demonstravam interesse e, além do mais, necessidade de se criar um espaço onde a trajetória de construção histórica do bairro fosse demonstrada – não apenas por objetos e itens estritamente materiais, mas principalmente pelo conjunto de memórias e histórias orais que fazem do patrimônio imaterial um dos pilares do desenvolvimento comunitário.
De acordo com pesquisa de Davidson Kaseker, mestre em Museologia e membro da Associação Brasileira de Ecomuseus e Museus Comunitários (ABREMC), a Lomba do Pinheiro era, até a década de 1960, um bairro tipicamente rural, com pequenas propriedades agrícolas e pecuárias. “O ar bucólico foi se perdendo aos poucos com a ocupação irregular de migrantes oriundos do êxodo rural, reproduzindo o modelo caótico de crescimento das regiões metropolitanas latino-americanas, marcado por infraestrutura absolutamente precária, degradação do meio ambiente e acentuados índices de vulnerabilidade social”, pontua Kaseker.
Fez-se necessário, então, um lugar que preservasse o histórico de luta dos moradores em busca de melhorias para a Lomba do Pinheiro. Hoje, o Museu Comunitário trabalha com educação patrimonial através de oficinas ofertadas tanto para alunos e docentes de escolas públicas da região como para grupos de fora que tenham interesse no bairro.
“Buscamos sempre trabalhar noções de identidade, território, memória e história, trabalhando sempre a partir do morador e crescendo então para a comunidade, o bairro, a cidade e o todo”, afirma Manuela Garcia, coordenadora do museu.
Em 2010, o museu comunitário da Lomba do Pinheiro foi reconhecido como Ponto de Memória pelo IBRAM (Instituto Brasileiro de Museus).
No início, o acervo do museu foi se constituindo de um modo convencional, com mobiliário, louças, rádios, documentos, fotos, jornais antigos. A sede tomou o antigo imóvel de uma das famílias pioneiras do bairro, a Remião, e muito de seus objetos. As contribuições da comunidade foram chegando na forma de depoimentos.
“A dimensão desafiadora da diversidade étnica-cultural ímpar da Lomba do Pinheiro – expressa pelo convívio de três CTGs (Centro de Tradições Gaúchas), duas escolas de samba, três escolas de música, três etnias indígenas (Kaingang, M´byá Guarani, Charrua), vinte e sete times de futebol e trinta e três associações de moradores – impulsionou esta primeira iniciativa de preservação da memória da comunidade para um projeto de musealização do território”, acredita Kaseker.
Segundo uma pesquisa realizada junto a professores de História da rede pública de ensino do bairro, 82% deles não dispunham de conhecimento sobre o cotidiano e história da comunidade. Realizadas pelo museu, as ações de educação patrimonial estimulam docentes, crianças e jovens a conhecer o patrimônio cultural do bairro e conservar e preservar o meio ambiente por meio de exposições, contação de histórias, análise de documentos, trilhas ecológicas e atividades lúdicas que abordam conceitos de sociedade, memória, história, patrimônio e museus.
O projeto Rodas de Memória coletou mais de 400 depoimentos, com o objetivo de preservar as histórias individuais e de grupos e resgatar e valorizar saberes e fazeres populares, que passraam a ser compartilhados com toda a comunidade.
Uma das principais ações do museu, o Lomba Tur realizou uma pesquisa com diversos moradores do bairro para elencar pontos significativos que contam a história local. O passeio, que percorre o sítio arqueológico, a pedreira, a vinícola e as comunidades indígenas, é realizado principalmente com estudantes das escolas públicas e cria um momento de reflexão sobre o desenvolvimento local e questionamentos sobre os novos rumos que o bairro vem tomando.
“A Lomba do Pinheiro vive hoje profundas transformações urbanísticas e sociais, convivendo com condomínios de classe média e enfrentando inúmeros desafios para conquistar e assegurar qualidade de vida para seus 65 mil habitantes”, observa Kaseker.
Para Manuela, que mora no bairro e é estudante de museologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), as muitas áreas verdes que a região preserva são prato cheio para o avanço da especulação imobiliária.
Tal contexto aumenta o papel do Museu Comunitário de Lomba do Pinheiro na preservação do patrimônio local e sua utilização como suporte de mudança e desenvolvimento social. “O nosso foco de trabalho são as pessoas e os moradores locais”, relembra Manuela. “Um museu, na medida em que trabalha com questões da identidade e memória, cria uma relação de pertencimento e traz um empoderamento para as crianças e jovens, além de despertar um olhar crítico para a comunidade e, consequentemente, para a própria vida.”