publicado dia 27 de julho de 2016
Mobilização comunitária pede o fim das abordagens policiais opressivas no Complexo da Maré
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 27 de julho de 2016
Reportagem: Danilo Mekari
No maior complexo de favelas da cidade do Rio de Janeiro, que atualmente engloba 16 comunidades situadas entre a Avenida Brasil e a Linha Vermelha, cerca de um quarto (ou 25%) de seus 143 mil moradores afirmam já ter passado por algum tipo de violação de direitos por parte de agentes de segurança pública. A maioria também diz que foi desrespeitada em abordagens policiais.
É o que revela uma pesquisa feita entre novembro e dezembro de 2015 com habitantes do Complexo da Maré. O levantamento serviu para nortear as ações da segunda campanha Somos da Maré – Temos Direitos, encabeçada pela organização Redes de Desenvolvimento da Maré. Lançada no início de julho, a campanha tem como objetivo discutir e transformar o trabalho dos profissionais da segurança pública, com foco em operações policiais na região, e faz parte das estratégias de mobilização dos moradores da Maré na busca pelo direito à segurança pública.
“Esta é a segunda edição da campanha, que já aconteceu em 2012. A abordagem policial continua truculenta e abusiva e continuaremos trabalhando até esse problema ser solucionado”, aponta Alberto Aleixo, integrante do eixo de segurança pública da Redes da Maré.
Participam da campanha associações de moradores da Maré e iniciativas como Luta pela Paz, Observatório de Favelas, Vida Real, Anistia Internacional, ActionAid, Instituto de Estudos da Religião (ISER), Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) e Casa Fluminense.
Durante a tarefa, que deve ter a duração de três meses, serão entregues – porta a porta – materiais explicativos sobre como o morador deve ser legalmente tratado na relação com a polícia. No caso de esse diálogo ser violado, os moradores terão ainda instruções sobre como registrar o abuso deste agente do Estado.
“O material apresenta as ações da Rede e também uma série de atitudes policiais que os moradores não toleram mais, como invasão de domicílio sem mandado e cárcere privado”, pontua Aleixo. No final de junho, uma decisão judicial suspendeu as operações policiais na Maré e pediu que elas sejam revistas.
Aleixo enfatiza que o material também lista contatos e telefones de denúncia caso a abordagem policial ignore os direitos dos moradores. “Este é um trabalho de prevenção. Queremos evitar que os abusos aconteçam. É ainda um processo coletivo, que dará visibilidade às denúncias e fará com que um morador cuide do outro e defenda seu vizinho.”
Atitudes policiais que os moradores da Maré não aceitam mais:
* Que pessoas sejam feridas e mortas nas operações policiais;
* Que as mulheres sejam desrespeitadas por agentes do Estado;
* Que adolescentes e jovens sejam humilhados e tratados com violência;
* Que moradores negras e negros sejam discriminados por sua cor de pele;
* Que nossas casas sejam invadidas por policiais sem autorização judicial;
* Que escolas e unidades de saúde sejam fechadas ou tenham seu funcionamento prejudicado por operações policiais.
Ocupação do espaço público
A ação já foi lançada em duas comunidades do Complexo – a Vila do João e a Praia de Ramos – e tem mais um lançamento marcado, para o próximo dia 30/7 (sábado), às 10h, na comunidade Nova Holanda. Públicos e abertos a todos, estes eventos fortalecem a entrega dos materiais com apresentações de atividades artísticas, como bicicletadas, shows, dança e grafite.
“É um momento muito rico, pois é a oportunidade de dialogar com a comunidade e perceber quais são as dificuldades que ela está passando nesse campo da segurança, além de ouvir como eles estão percebendo esse problema da abordagem policial mais violenta”, observa Aleixo. “Segurança é um direito e não um favor do Estado. Lutamos para que ela seja distribuída de forma igual e uniforme na cidade, pois uma política pública deve ser universal e não ter diferenciação de acordo com a renda dos bairros.”
Por fim, a grande meta traçada pela campanha Somos Maré – Temos Direitos é a transformação da conduta policial nas comunidades. “É importante que o agente de segurança pública entre em contato com a comunidade, mas não há nenhum interesse na Polícia Militar carioca de dialogar com quem mora na favela”, denuncia.
“Acham que todos nós somos coniventes com o crime. O modelo de segurança em prática no Rio de Janeiro convoca a polícia a estar próxima das comunidades, mas o que vemos de fato é o policial em um veículo blindado, de fuzil e colete a prova de bala, uma polícia de choque. Desse jeito, jamais vão atrair a população para entrar em contato com eles.”
Olimpíadas
O Complexo da Maré foi ocupado militarmente durante 15 meses para a Copa do Mundo de 2014, em uma intervenção que custou cerca de R$ 600 milhões de reais. Entre 2010 e 2016, por sua vez, a Prefeitura do Rio investiu R$ 303 milhões em programas sociais nas comunidades.
Aleixo demonstrou preocupação com o aparato militar que está tomando a cidade do Rio de Janeiro às vésperas da abertura dos Jogos Olímpicos. “É um número enorme de forças militares que não estará voltado para proteger a população, mas sim gerar um cinturão de segurança e controle pra quem vai assistir aos Jogos. Nas comunidades teremos contenção do entorno, de modo que a população menos favorecida ficará isolada”, denuncia.
(A foto que abre esta reportagem é de autoria de Elisângela Leite.)