publicado dia 29 de novembro de 2023
Mídias de periferia apontam realidade dos territórios e propõem educação midiática
Reportagem: Nataly Simões
publicado dia 29 de novembro de 2023
Reportagem: Nataly Simões
📄Resumo: Com maior diversidade racial e foco nos territórios, mídias de periferia driblam desafios de investimento e jogam luz em regiões pouco visibilizadas por veículos de comunicação tradicionais.
Mostrar que as periferias não se resumem à violência e escassez de recursos, mas sim a espaços geográficos onde os moradores conhecem seus direitos e têm um potencial social, econômico, de articulação política e cultural. Este é o papel de veículos, agências e mídias jornalísticas, que se popularizaram e ganharam força no meio digital nos últimos anos.
São iniciativas que driblam desafios como a falta de investimento financeiro para contar o que acontece no país a partir das narrativas de seus cidadãos – que são um terço dos brasileiros. Um exemplo é a Agência Mural, que completou em novembro 13 anos de existência.
Hoje com uma rede de mais de 70 correspondentes que moram ou cresceram em bairros de 36 distritos e em 17 cidades da região metropolitana de São Paulo (SP), o veículo batalhou para se consolidar como uma das mídias mais relevantes de seu segmento.
A Mural nasceu em 2010 como um blog hospedado no site do tradicional jornal Folha de S.Paulo e cinco anos depois ganhou fôlego para o lançamento de seu site em uma plataforma independente. Após o recebimento de um aporte financeiro em 2018 da fundação Open Society, rede internacional de filantropia voltada à promoção da justiça, educação, saúde pública e mídia independente, o veículo passou a ter uma equipe fixa para melhor estruturar a organização.
“Fizemos trabalho voluntário por três anos porque tínhamos desde o início o propósito de contar histórias das quebradas, notícias que não encontrávamos nos veículos tradicionais, com um olhar plural, de quem mora, vivencia e sabe o que é estar nas periferias. O apoio financeiro da Open Society foi muito importante para tudo o que fizemos desde então”, conta a jornalista Cíntia Gomes, co-fundadora e diretora institucional da Mural.
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Ao longo de sua história, mais de 5 mil conteúdos jornalísticos foram produzidos e publicados pela Mural. Além de notícias que impactam o dia a dia da população como a paralisação no sistema de trens e metrô, por exemplo, os leitores encontram no veículo conteúdos diferenciados como brechós de móveis usados em Paraisópolis, dicas de como manter a saúde mental nos vestibulares e como fazer a matrícula em uma creche.
Educação midiática
Outra mídia que carrega propósito semelhante é a Periferia em Movimento, fundada há 14 anos por jovens jornalistas das periferias da zona sul paulistana com o intuito de visibilizar histórias de quem luta pela garantia de direitos.
Entram nessa conta a luta pelo acesso à cultura, saúde, educação, mobilidade, moradia, participação política, preservação ambiental, trabalho e renda, além das questões de gênero, sexualidade, raça e classe de forma transversal.
Atualmente, o veículo também atua em uma frente de articulação dentro e fora dos territórios a fim de pautar a discussão sobre jornalismo, periferias e direitos humanos a partir de encontros de aprendizagem, curadorias e consultorias.
Entre as atividades educacionais desenvolvidas estão cursos livres sobre como a periferia deve ser pautada na mídia e oficinas de jornalismo para formar agentes de comunicação comunitários.
“Essa articulação, desde a proximidade dos movimentos, fóruns, redes e grupos dos territórios, garante que as nossas pautas continuem a abordar o que interessa e gera uma outra frente, de educação midiática em espaços não formais”, detalha o jornalista Thiago Borges, gestor de conteúdos do veículo sediado no Grajaú, extremo-sul de São Paulo.
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Diversidade como pilar
É nas mídias de periferia que parte dos jovens negros que se formam nos cursos de Jornalismo e Comunicação Social encontram a primeira oportunidade de exercer a profissão e, os mais experientes, de atuar como lideranças editoriais, enquanto nos veículos mais tradicionais do país a diversidade ainda parece estar distante de ser um pilar.
Um levantamento feito em 2021 pelo Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa (GEMAA) nos três principais veículos impressos do país, Folha de S.Paulo, Estadão e O Globo, identificou que a maioria dos textos são assinados por homens brancos e, na sequência, mulheres brancas.
No caso do Estadão, por exemplo, 89% da equipe era formada por pessoas brancas. O estudo também não constatou nenhuma pessoa negra entre os profissionais que lideram a redação.
Por outro lado, em veículos como a Agência Mural e o Periferia em Movimento, comunicadores negros são maioria. “Cerca de 70% da nossa rede é composta por pessoas pretas e pardas. A gente sabe o quanto é desafiador ter uma redação diversa na atualidade e isso é uma das riquezas que temos”, compartilhou Cíntia Gomes, da Mural.