publicado dia 7 de maio de 2019
Mapa da Rede Antirracista revela o potencial educativo da São Paulo negra
Reportagem: Cecília Garcia
publicado dia 7 de maio de 2019
Reportagem: Cecília Garcia
A Galeria do Rock, no coração urbano de São Paulo, definitivamente não pertence só ao rock. Os andares térreos apresentam uma estética que quebra a sobriedade das lojas acima: salões especializados em cabelo afro, lojas de disco que vão do jazz até o reggae e o burburinho dos múltiplos sotaques africanos. Como muitos outros lugares da capital paulista, a Galeria é um chão de narrativas negras, irradiando história e cultura afro-brasileira.
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Esse é um dos espaços que pulula no Mapa da Rede Antirracista, projeto desenvolvido pela Ação Educativa. O mapa contém ruas, pontos culturais, coletivos, movimentos sociais e pessoas que condensam não só historicidade e cultura negra, como também práticas de combate ao racismo.
“A ideia do mapa era pensar a cidade de São Paulo, e principalmente sua região central, como um espaço em que a presença negra tem uma história e um papel. E nós educadores nem sempre acessamos essa história, nem sempre pisamos esse chão com esse olhar”, explica Edneia Gonçalves, socióloga e diretora executiva adjunta da Ação Educativa.
A concepção de território usada na cartografia é a de que ele se faz e é ocupado “a partir das pertenças e das histórias que se desenrolam nesse local”, como complementa a socióloga. Em uma cidade que sempre empurrou sua população negra para as bordas, o mapa desvela pontos de resistência e de partida para a criação de outras narrativas sobre a São Paulo negra.
Concebido para ser uma ferramenta sobretudo educativa, alargando o conceito do que é uma educação antirracista, o Mapa da Rede Antirracista tem a escola como centro irradiador.
Lélia Gonzales, Sueli Carneiro, Abdias do Nascimento, Conceição Evaristo. Edneia provoca também os educadores a repensarem suas referências bibliográficas e acessarem o conhecimento negro densamente produzido no Brasil: “A população negra sempre escreveu, sempre construiu, sempre falou de forma crítica e contextualizada de sua história. O que acontece é: a educação com o viés racista pouco acessa esse conjunto de escrituras maravilhosas que podem nos ajudar a desenvolver o país enquanto uma nação democrática”.
“A escola é o ponto de partida para estabelecer relações com outros agentes e atores, forçando-a a pensar práticas pedagógicas que olham para esse chão pisado por gente preta, construído por pessoas negras”, declara Edneia.
A escola brasileira, que ainda é – embora muitas vezes não se perceba – racista pode se apropriar de práticas educadoras inovadoras de outros espaços menos ortodoxos, como centros culturais ou coletivos, para fortalecer sua discussão racial. “O mapa não é estático, ele cresce a partir do momento em que os atores que estão nesse território acrescentam suas práticas, tornando-o um repositório de referências”.
O mapa também é um desafio referencial descolonizador. Quando ele provoca a escola e os educadores a olharem para além do que comumente é posto como conhecimento, ele chacoalha a noção que é só na escola ou nos espaços formais de educação que saberes válidos são produzidos.
“A educação tem uma dificuldade muito grande enquanto ciência de perceber nos movimentos locais e territórios a potência da criação. É necessário pensar uma educação de qualidade a partir do resultado da articulação entre saberes de pessoas, culturas e territórios e o outro saber sistematizado, da escola. É só quando dois estão articulados que se constrói saberes que são significativos para pessoas reais”, declara Edneia.
Além de ferramenta educativa, o Mapa da Rede Antirracista é também uma cartografia de direitos humanos, que tem a cultura e a resistência negra como norte para pensar relações raciais na cidade.
“Se todos nós nos apropriamos desse mapa, temos a possibilidade de construir outras possibilidades de pertença de todas pessoas da cidade. A partir da educação, se começa a fluir a forma como as relações raciais se dão no território urbano”.