publicado dia 15 de fevereiro de 2022
Livro de Raquel Rolnik expõe conflitos e opções políticas que levaram São Paulo à desigualdade urbana
Reportagem: gabryellagarcia
publicado dia 15 de fevereiro de 2022
Reportagem: gabryellagarcia
A arquiteta e urbanista Raquel Rolnik lançou recentemente a atualização de um clássico do urbanismo brasileiro que nos ajuda a entender que a desigualdade urbana encontrada em São Paulo, a maior metrópole do país, é, na realidade, fruto de um projeto político. Segundo a autora, no entanto, é possível reverter o quadro. “São Paulo: o Planejamento da Desigualdade” é também a ampliação de olhares do projeto “Folha Explica São Paulo” de 2001, escrito por ela.
Nesta nova obra, que conta com o prefácio do rapper Emicida, Rolnik mostra que o planejamento de São Paulo se deu pouco a pouco e acabou produzindo um padrão desigual de urbanização. Atualmente a cidade vive, se não a pior, uma das piores crises de moradia de sua história. É nítido que com o agravamento da pandemia de Covid-19, a população em situação de rua, por exemplo, aumentou expressivamente.
Em “São Paulo: o Planejamento da Desigualdade”, a urbanista apresenta conflitos, temas e opções políticas que definiram o destino da cidade desde a sua fundação, resguardando os privilégios de grupos de renda mais elevada, e marginalizando grande parte da população. A obra também inclui episódios recentes, como a pandemia atual, a greve dos entregadores de aplicativos, em 2020 e o incêndio da estátua do Borba Gato, no ano passado.
O livro é organizado em ordem cronológica e enriquecido com mapas e a lista de todos os prefeitos da cidade, focando momentos-chave de transformação urbana, assim como a gênese dos problemas da metrópole e o agravamento das crises econômica, de mobilidade, urbana e de saúde pública.
Essa linha temporal se inicia ainda na abolição da escravidão, momento em que a sociedade entra no período do trabalho livre e, de acordo com Rolnik, se institui uma geografia da cidade em que, sobre as colinas, morava a classe dominante, e, nas várzeas, se instalava a classe operária. Nesta época, a classe burguesa se concentrou em regiões como Higienópolis, avenida Paulista, Jardins e, em seguida, na direção da marginal Pinheiros e da zona sul, enquanto populações periféricas se alocavam literalmente “onde dava”, muitas vezes com a autoconstrução da casa própria em loteamentos irregulares e clandestinos, em periferias distantes, conectadas pelo ônibus.
A urbanista também destaca que, apesar dessa desigualdade urbana parecer um caos, ela foi planejada e apoiada em planos aprovados e numa legislação urbanística absolutamente excludente. Ela afirma que a cidade foi pensada a partir das formas de morar e existir de uma parcela da população e acabou ignorando a maior parte de seus moradores, a quem ficou reservado as piores localizações.
Já nos dias de hoje, e com influência direta da pandemia de Covid-19, Rolnik explica que estamos vivendo um boom de novas ocupações nas extremas periferias, uma explosão de novas ocupações também em prédios em áreas centrais e, ao mesmo tempo, um boom de pessoas na rua. Diante deste cenário, a urbanista critica a falta de uma política habitacional que pense no problema.
No contexto atual, para a autora, cresce uma narrativa sobre a cidade e o direito a ela que vem do movimento cultural das periferias e da luta antirracista colocando sobre a mesa pautas que nunca tiveram muito aderência. Em razão disso, e apesar da desigualdade ser fruto de um projeto político, o cenário ainda pode ser convertido e revertido.
Como um marco dessa movimentação, cita a abertura do parque Augusta, que considera uma importante vitória de um socioambientalismo urbano autogerido. Rolnik, aliás, destaca a necessidade que territórios populares como o Augusta: que existam no centro da cidade, sem que a população menos abastada seja empurrada e jogada às margens. Trata-se de ocupações de espaços e do território.
A obra é publicada pela Fósforo Editora e pode ser adquirida através deste link.