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publicado dia 8 de janeiro de 2015

Livro brasileiro sobre escravidão infantil é incluído em maior biblioteca infanto-juvenil do mundo

Reportagem:

escravidão

Crédito: Ilustração de Rogério Borges / Reprodução do livro “As Cores da Escravidão”

Por Carolina Pezzoni, do Promenino, com Cidade Escola Aprendiz

“Depois de ter feito um alqueire e meio de juquirão e 20 km de aceiros, eu vi uma cena perigosa de um companheiro menor com idade mais ou menos 10 anos, que andava mais eu: em uma sexta-feira ele tomou uma bota emprestada para ir ao trabalho, pois não queria comprar uma por preço de 20 reais, tinha medo de ficar devendo e não poder mais ir embora, depois disseram que ele tinha roubado a bota, então o Gato Fagoió levou ele para o mesmo barracão abandonado que ficamos quando chegamos na fazenda Flor da Mata, e bateram nele de facão, depois pegaram uma arma de calibre 38, apontaram para ele e mandaram ele correr sem olhar para trás, e ele correu, entrou na mata e eu não vi mais.”

Este relato verídico, do adolescente Sebastião Luiz Paulo, então com 17 anos, faz parte do documento “Trabalho Escravo no Brasil Contemporâneo”, publicado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) em 1999. E inspirou o livro ficcional “As Cores da Escravidão” (Editora FTD), da escritora carioca Ieda de Oliveira, com ilustrações de Rogério Borges, selecionado para representar o Brasil no catálogo White Ravens 2014, publicação anual da Internationale Jugendbibliothek (IJB), a maior biblioteca de literatura infantojuvenil do mundo, situada em Munique, na Alemanha.

Internationale Jugendbibliothek (IJB) abriu suas portas no dia 14 de setembro de 1949 em uma vila no subúrbio de Munique, como a primeira biblioteca internacional voltada à literatura para crianças e jovens. Fundada pela jornalista e autora de livros infantis Jella Lepman, a instituição se orgulha de permear até hoje suas atividades com valores de tolerância e diálogo entre culturas. Hoje, possui em seu acervo cerca de 70 mil títulos, incluindo obras raras.

Neste ano, o catálogo White Ravens, desenvolvido anualmente pela biblioteca, completa 50 anos. Formada por 200 títulos, procedentes de 50 países e escritos em 30 línguas distintas, que merecem ser destacados por suas características, como temática, inovação artística, estilo literário, ilustração, a seleção é apresentada na tradicional Feira do Livro de Bolonha. Em comemoração ao aniversário, a publicação ganhou novo formato: todas as páginas são coloridas e a capa passará a ser feita a cada ano por um ilustrador diferente.

Quando o estudo chegou às mãos da autora, ela já tinha dado início a uma pesquisa sobre as formas de opressão vigentes no país. “Eu havia feito duas viagens à África. A primeira em 2007, a convite da embaixada do Brasil, para uma oficina voltada aos escritores angolanos e visitar escolas. A segunda, em 2012. De alguma forma, aquilo tudo me mobilizou muito. Fui estudar sobre o assunto, ainda sem a pretensão de escrever um livro”, conta Ieda. “Procurava compreender o que levava alguém a escravizar e explorar seu semelhante, ao mesmo tempo em que resgatava uma herança dolorosa”, descreve a autora, que é descendente de angolanos vitimados pela escravidão.

O contundente testemunho de Sebastião, adolescente encontrado por uma diligência em uma fazenda entre Redenção e Santana do Araguaia, no Pará, sobre seu amigo de 10 anos que, acusado de roubo e ameaçado por uma arma de fogo, foi obrigado a entrar no mato e correr sem olhar para trás, levou a escritora a uma reflexão sobre o que poderia levar uma criança para uma situação de trabalho forçado. “Quais sonhos foram retirados dela, que infância foi roubada, em que nível se deu essa destruição”, perguntou-se. A partir desses questionamentos, ela desenvolveu o percurso de Antônio, protagonista de uma história que mescla realidade e ficção.

Motivação social

“Não é para qualquer um a capacidade de perceber, no meio do descaso e dos descuidos do mundo, um episódio que pede com tanta urgência para ser narrado – e que trata de um tema doloroso, muitas vezes varrido para baixo do tapete: a escravidão no Brasil”, ressalta a escritora Adriana Lisboa na apresentação do livro, destacando ainda a necessidade de sustentarmos, tal qual “o herói do livro”, o olhar firme diante da difícil imagem do que o homem é capaz de cometer contra seus semelhantes.

Segundo a Walk Free Foundation, há no Brasil aproximadamente 155 mil homens e mulheres exercendo algum tipo de trabalho escravo. E, diferentemente da trajetória ficcional criada pela autora, que dá margem à redenção do protagonista, na realidade os trabalhadores do campo na mesma condição não conseguem retornar. “Eles são aliciados pelos gatos [pessoas que recrutam trabalhadores do campo, como intermediárias entre o empreiteiro e o peão], a serviço de um mandante, no caso o fazendeiro, e levados para lugares muito distantes de seu ponto de origem, em caminhão de carga ou até mesmo de avião, para que não tenham chance de voltar”, explica Ieda.

Sobre os cuidados que teve ao abordar o tema de cunho social, ela menciona o estilo sintético que manteve no decorrer do texto – “para não enfraquecer a história nem torná-la piegas” – e o projeto gráfico, que diferencia o que é documento verídico e o que é ficção. “Para mim não há tema difícil. Estamos em um mundo em que a criança enfrenta diariamente violências de todas as naturezas e tudo isso é assunto de literatura, cuja função é trazer o leitor a uma reflexão sobre o seu entorno. A literatura não é para fechar sentidos, mas para abrir portas”, opina.

Assunto de poesia

Outro aspecto que Ieda destaca a respeito de seu trabalho como escritora de livros para crianças e adolescentes é não perder o leitor de vista. “Sempre penso em quem está do outro lado da linha. Eu não escrevo para mim, mas para o meu leitor. Então, se ele reage ao livro, é uma alegria”, compartilha.

A seu ver, não há distinção entre produzir um livro para uma criança e para um adulto: “a diferença está apenas no contrato de comunicação, na formulação do texto”. Ainda na opinião da autora, o desafio aumenta quanto maior for a defasagem entre o produtor e quem recebe o texto. “Procuro tratar a literatura infantil e juvenil com a responsabilidade, a seriedade e a competência com que ela tem de ser tratada”, declara.

Internationale Jugendbibliothek (IJB) abriu suas portas no dia 14 de setembro de 1949 em uma vila no subúrbio de Munique, como a primeira biblioteca internacional voltada à literatura para crianças e jovens. Fundada pela jornalista e autora de livros infantis Jella Lepman, a instituição se orgulha de permear até hoje suas atividades com valores de tolerância e diálogo entre culturas. Hoje, possui em seu acervo cerca de 70 mil títulos, incluindo obras raras.

Neste ano, o catálogo White Ravens, desenvolvido anualmente pela biblioteca, completa 50 anos. Formada por 200 títulos, procedentes de 50 países e escritos em 30 línguas distintas, que merecem ser destacados por suas características, como temática, inovação artística, estilo literário, ilustração, a seleção é apresentada na tradicional Feira do Livro de Bolonha. Em comemoração ao aniversário, a publicação ganhou novo formato: todas as páginas são coloridas e a capa passará a ser feita a cada ano por um ilustrador diferente.

Ao falar sobre o reconhecimento do livro que, além de ter entrado para o catálogo White Ravens 2014 da biblioteca infantojuvenil de Munique, foi considerado “altamente recomendável” pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) na Categoria Jovem, Ieda destaca a visibilidade que temática passa a ter. “Costumo dizer que, se o tema é bem trabalhado, tudo é assunto de poesia. Não existe limitação. A fantasia existe justamente para isso: ir onde a vida não está indo, no lugar do sonho, da poesia.”

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