publicado dia 23 de setembro de 2020
Jovens de periferia criam rede social com obra da escritora Carolina Maria de Jesus
Reportagem: Redação
publicado dia 23 de setembro de 2020
Reportagem: Redação
Depois de ser publicada em mais de 46 países e em dezenas de idiomas diferentes, receber homenagens nacionais e internacionais e ter seu livro como uma das obras brasileiras mais conhecidas no exterior, a escritora Carolina Maria de Jesus está no Instagram desde 16 de julho deste ano.
Matéria publicada originalmente na Agência Mural com o título Carolina Maria de Jesus entra no Instagram com relatos da obra. A autoria é de Lucas Veloso.
Os textos da escritora migraram para as redes sociais pelas mãos dos estudantes de psicologia Thallis Sousa, 24, e do jovem aprendiz Leonardo Felipe, 19, no perfil ‘Diário de uma favelada’. Eles tiveram contato com a obra durante o ensino médio e decidiram trazer trechos do texto para o Instagram a fim de ampliar o acesso.
Livro mais famoso de Carolina, “Quarto de Despejo” contém relatos do dia a dia na favela do Canindé, na zona norte de São Paulo. A primeira postagem da dupla no perfil ‘Diário de uma favelada’ foi também em 15 de julho deste ano. Exatamente 65 anos depois do primeiro texto escrito por ela.
Carolina Maria de Jesus nasceu em março de 1914, em Minas Gerais, e morreu aos 62 anos, em São Paulo, em 13 de fevereiro de 1977, vítima de insuficiência respiratória.
Na favela da zona norte, registrava o cotidiano precário do local onde criava os três filhos. A autora também escreveu outras obras, como “Casa de Alvenaria”, “Pedaços de Fome” e “Provérbios”.
“Para nós, ela sempre foi uma grande fonte de inspiração por retratar uma realidade que está muito próxima daquela que conhecemos nas nossas quebradas”, comenta Thallis, criado em São Mateus, na zona leste da capital. Já Leonardo, é de Osasco, na Grande São Paulo. Os dois se conheceram na graduação.
“Quando tivemos a ideia de começar, nossa intenção era justamente a de disseminar o ‘Quarto de Despejo’ e fazer com que mais pessoas pudessem ter acesso a ele, visto que, muitas vezes, o livro acaba ficando restrito a quem pode comprar uma edição física”, aponta Leonardo.
As postagens têm seguido a cronologia da obra como forma de aproximar o público leitor da rotina de Carolina. A dupla está no segundo ano do diário, em 1958.
A expectativa de Thallis é que a obra chegue a mais pessoas. “Esperamos que esse formato que escolhemos, assim como a maneira de relatar a história, possam gerar reflexões sobre a existência e resistência da favela”, diz. “Embora tenha sido relatado há 60 anos, ainda compõe e faz parte da realidade de praticamente todas as periferias”.
Para Leonardo, o ‘Diário de uma favelada’ também pretende chegar a quem mora nos bairros mais pobres e pouco acessa os livros, além de evidenciar a importância de autores das periferias. “A literatura favelada, assim como todas as outras, não pode ficar restrita somente à uma obra física que, muitas vezes, é inacessível para quem é de quebrada”, comenta.
Segundo Thallis, há vários motivos que dificultam o acesso à literatura nas periferias, desde as bibliotecas em condições precárias até a falta de investimento e abandono.
Nas últimas semanas, o acesso à leitura tem sido debatido após apresentação da proposta de reforma tributária no Congresso, com a ideia de taxar em 12% obras literárias.
“Os preços altos de obras literárias também dificultam”, cita Thallis. “Tentamos criar um meio alternativo para que as pessoas pudessem entrar em contato com a obra e não precisassem, necessariamente, gastar um dinheiro a mais exclusivamente para ter uma versão física”, resume.