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publicado dia 13 de novembro de 2020

Indígenas tentam eleger representantes para Câmara de SP

Reportagem:

Na zona noroeste de São Paulo, três mulheres indígenas decidiram entrar para a política. “Precisamos de um indígena na Câmara Municipal para que a gente possa garantir nossos direitos”, diz Sônia Barbosa, líder da chapa Jaraguá é Guarani, que disputa uma vaga no legislativo local pelo PSOL.

Matéria publicada originalmente com o título Indígenas tentam eleger representantes das aldeias para Câmara de SP. A autoria é de Lucas Rodrigues.

O mandato é composto pelas indígenas Sônia Barbosa, Tamikuã Txihi e Patrícia Jaxuka das aldeias Ytu, Itakupe e Pyau respectivamente.

As candidatas apostam na força das aldeias que fazem parte da Terra Indígena Jaraguá para tentarem vencer a disputa. Se conseguirem, será a primeira vez que uma integrante de terra indígena ocupará uma cadeira no legislativo municipal. Mas não foram apenas elas que decidiram buscar essa representação.

integram a foto e a disputa o mandato coletivo Jaraguá é Guarani
Sônia Barbosa, Tamikuã Txihi e Patrícia Jaxuka disputam a eleição coletivamente / Crédito: Divulgação

Com sete candidatos autodeclarados indígenas, as eleições deste ano registraram um aumento de candidaturas indígenas na capital em relação a 2016, segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Naquele ano, eram quatro candidatos.

Apesar do aumento, o número ainda é pequeno e expõe as dificuldades que os povos indígenas têm para eleger um representante de dentro das aldeias.

Com pouco mais de 13 mil habitantes, os indígenas representam 0,03% da população da capital, que tem mais de 12 milhões de habitantes. Além da proporção, há outros obstáculos à participação dos índios na política local. “A maior dificuldade que nós indígenas encontramos para estar na política é o racismo e o preconceito aos povos originários”, relata Tamikuã Txihi.

Para ela, é necessário eleger um representante para acabar com o preconceito contra os povos indígenas e trazer visibilidade para as pautas de interesse das comunidades.

Apesar de se declararem indígenas, a maioria dos candidatos a vereador vive em contexto urbano, caso de Juliana Cardoso (PT), eleita em 2016 e que busca a reeleição.

Para Dinamam Tuxa, coordenador-executivo da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), há diferenças entre quem mora em bairros da capital e quem está nas aldeias. Entretanto, mesmo vivendo fora das terras indígenas, explica, há um compromisso com a causa. “Até porque, se ele se identifica é porque sente-se indígena”, afirma o coordenador.

candidata participa de debate
Sônia participa de debate. Demarcação é principal tema / Crédito: Divulgação

Principais pautas

Dentre as principais lutas, estão projetos de cultura e educação para as comunidades, leis de proteção ao meio ambiente e a demarcação de reservas indígenas.

De acordo com a Comissão Pró-Índio de São Paulo, a capital paulista tem duas terras indígenas, ambas do povo Guarani Mbya. Na zona noroeste fica a Terra Indígena Jaraguá e, na zona sul, a Tenondé Porã.

Cerca de 2.300 pessoas vivem nestas terras, que ainda estão com pendências no processo de demarcação: a terra indígena Jaraguá enfrenta processos judiciais e a Tenondé Porã aguarda a demarcação física pela Funai (Fundação Nacional do Índio), que não tem data para acontecer.

A demora dos órgãos para demarcar as terras indígenas e as mudanças na legislação lançam dúvidas sobre a conclusão dos processos demarcatórios e são alvos constantes de manifestações.

Em agosto de 2017, por exemplo, indígenas das aldeias do Jaraguá realizaram um protesto na Avenida Paulista contra a Portaria nº 683/17 do Governo Federal. Editada pelo então ministro da Justiça, Torquato Jardim, a norma anulava o reconhecimento de 512 hectares (5 milhões de m²) como área indígena.

Aldeia Tekoa Itakupe, no Jaraguá, tem 2.300 moradores: Crédito: Cleber Arruda/Agência Mural
Aldeia Tekoa Itakupe, no Jaraguá, tem 2.300 moradores: Crédito: Cleber Arruda/Agência Mural

Já neste ano, as comunidades do Jaraguá tiveram novamente que ir à luta para defender seus interesses. Os indígenas ocuparam o terreno de uma construtora que fica ao lados das terras.

A ocupação foi um protesto contra a derrubada de 4.000 árvores nativas do local que abriria espaço para a construção de um condomínio de prédios. Duas semanas depois, a Justiça Federal deferiu uma liminar suspendendo as atividades da construtora.

A luta constante em defesa de direitos causa um sentimento de exclusão. “Hoje nós vivemos como estrangeiros em nosso próprio território”, relata Tamikuã Txihi.

Chirley Pankará, primeira indígena eleita co-deputada estadual em uma chapa coletiva por São Paulo, atribui a baixa participação de indígenas na política ao pouco investimento dos partidos nessas candidaturas. Para ela, são necessárias ações públicas de incentivo à participação de indígenas nas eleições.

“Precisamos de formação política para que os indígenas tenham acesso ao sistema político e compreendam a importância de participar das eleições”, diz ela. “Não podemos esperar que os outros pensem em nós porque ninguém vai pensar”, acrescenta.

Tamikuã concorre pela chapa Jaraguá é GuaraniDivulgação
Tamikuã concorre pela chapa Jaraguá é Guarani/ Divulgação

Foi pensando em trabalhar a consciência política dos povos originários que a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) promoveu uma campanha de formação política.

“Iniciamos uma campanha para trazer visibilidade aos povos indígenas e explicar a importância deles ocuparem esses assentos nas câmaras municipais”, explica Dinamam Tuxa, coordenador-executivo da organização.

O coordenador aponta, ainda, outro motivo para explicar a baixa presença da população indígena na política: a exclusão de indígenas do sistema político. “Antigamente, os indígenas eram tutelados e não tinham capacidade de fazerem suas próprias representações”.

Todavia, a Constituição Federal de 1988 extinguiu esse preceito e, desde então, os povos indígenas tentam eleger representantes nas assembleias municipais, estaduais e no Congresso Nacional.

Para Tuxa, o poder público tem falhado na criação de leis e normas em defesa dos direitos dos povos originários. “É por isso que nós estamos neste pleito reivindicando esse espaço para fazer proposituras que nos atendam. Queremos criar demandas partindo das próprias comunidades”.

O mandato coletivo Jaraguá é Guarani conta também com o apoio de várias lideranças das terras. O que os une é a esperança de eleger alguém de dentro da comunidade para ocupar um espaço na Câmara Municipal e lutar por melhorias nas terras indígenas. “Todas as nossas conquistas até hoje foram por meio de nossas lutas. Indo pra rua, militando na parte indígena. É dessa forma que nós somos”, finaliza Sônia Barbosa.

 

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