publicado dia 6 de julho de 2016
No Glicério, antiga vila operária se transforma em sala de aula
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 6 de julho de 2016
Reportagem: Danilo Mekari
Bastou atravessar uma rua para os alunos da EMEF Duque de Caxias verem sua rotina escolar completamente modificada. Ao ultrapassarem os muros da escola e chegarem à Vila Suíça, cerca de 30 estudantes dos quartos, quintos e sextos anos puderam conhecer um pouco mais sobre a história do bairro e da cidade que diariamente os cerca.
A rua atravessada, aliás, é nomeada dos Estudantes, e está localizada no Glicério, bairro central de São Paulo que, após anos de decadência e descaso público, vê brotar um movimento popular que aposta na presença de crianças e jovens em suas vias e espaços públicos como uma maneira de rearticular a comunidade local.
E foi justamente essa articulação comunitária a responsável por dar novas cores à região. Pintaram paredes e muros, promoveram cortejos infantis, levaram crianças à rua e perguntaram quais eram suas opiniões. Hoje, as paredes da Vila Suíça estão lotadas de grafites, assim como o próprio asfalto. Segundo os moradores, isso mudou drasticamente o uso do espaço.
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“Isso aqui é uma aula pública”, anunciou Paulo Roberto Magalhães, professor de geografia da escola. “E aulas públicas são aquelas em que a comunidade pode participar.” O docente, responsável pela ação, pendurou um mapa estadual de São Paulo na parede, pediu para os alunos sentarem no chão e fez um panorama histórico da construção do bairro e, mais especificamente, da Vila Suíça.
De origem operária, a vila foi erguida em 1910 em uma chácara que pertencia à Ana Machado, que vendera o terreno para as autoridades em 1890. “Como será que era esse espaço há 150 anos?”, soltou a pergunta. “Tinha um rio!”, responderam em coro algumas alunas. “Perfeito. Aqui era a várzea do Carmo. O Glicério era uma grande área agrícola da cidade”, afirmou Magalhães.
“O processo de urbanização, porém, canalizou e retificou a maioria dos cursos d’água da cidade. Vocês sabiam que a rua da Glória era um grande cemitério de indigentes?”, questionou o professor, gerando reação descrente de seus alunos.
O ambiente era muito favorável à troca de conhecimentos. O professor de geografia teve a companhia de outros seis docentes de variadas disciplinas, que lembraram que a EMEF Duque de Caxias foi inaugurada em 1940. A Vila Suíça hoje é um patrimônio tombado da capital paulista, lembrou a moradora Yara, que apareceu no telhado de uma das casas, interessada em aprender mais sobre seu local de moradia.
Ela elogiou o trabalho realizado pelo projeto CriaCidade, que levou cores e mudou a dinâmica da Vila. “Agora as crianças voltaram a andar de bicicleta e jogar bola nessa rua. É bom porque valoriza o nosso espaço”, comemorou Yara.
“Precisamos preservar a cultura e preservar o espaço que é nosso!”, proclamou Magalhães, ao pedir para os jovens que desenhassem, em papel vegetal, aquilo que viam no trajeto de casa para a escola. A mudança no humor dos estudantes foi perceptível: saíram da escola quietos e cabisbaixos, voltaram alegres, abraçados e tirando fotos.
O bairro do Glicério é um dos principais destinos escolhidos por imigrantes e refugiados que acabam de chegar ao Brasil, e isso reflete na escola: muitos alunos são de origem síria, haitiana ou colombiana, entre outras.
Paulo Magalhães participou da formação Potenciais Educativos do Território Urbano: rumo à Cidade Educadora, que teve seu encerramento no último final de semana. “O curso me proporcionou elementos para que eu pudesse agir sobre a minha realidade. Sozinho, sem o respaldo da escola e dos coletivos que estão trabalhando na região, minha voz não seria ouvida”, acredita.
Para além de coragem e humildade, que Magalhães julgou serem características fundamentais em todo esse processo, ele listou uma série de preparativos necessários para a ação ocorrer. “Isso não aconteceu da noite para o dia – tive antes várias conversas com os alunos, pedi algumas autorizações, preparei a aula e o material, li teses sobre o tema, analisei o trajeto, entreguei o projeto para a coordenação.”
“Quando poderíamos imaginar que um professor de EMEF iria sair dos muros da escola e ocupar a rua, o bairro, o espaço urbano, com a comunidade percebendo a importância disso e recebendo bem os alunos?”, pergunta, para responder ele mesmo. “Essa ação existe porque houve uma iniciativa de pessoas que estão transformando o bairro e, como consequência desse trabalho, eu ocupo esse espaço junto com meus alunos.”