publicado dia 10 de dezembro de 2014
Frente parlamentar em São Paulo quer plebiscito para grandes obras
Reportagem: Pedro Nogueira
publicado dia 10 de dezembro de 2014
Reportagem: Pedro Nogueira
Numa sala na Câmara dos Vereadores, na região de central de São Paulo, o jurista e professor Fábio Konder Comparato, sentando à mesa, começou seu diagnóstico: “Estamos diante de uma enorme doença social e para tratá-la, não basta aspirina. Precisamos examinar as causas dessa morbidez”, proferiu, em tom solene e pausado, o professor. “Desde que se instalou um sistema política no Brasil, em 1549, a política está nas mãos de alguns poucos”.
O discurso de Comparato aconteceu no evento “Mobilização pela Democracia Direta: convocação de consultas populares na cidade de São Paulo”, realizado nesta quarta-feira (9/12) pelo Grupo de Trabalho de Democracia Participativa da Rede Nossa São Paulo. O objetivo da articulação é destravar e regulamentar o artigo 10 da Lei Orgânica do Município (LOM), que garante a possibilidade de convocação de plebiscito popular para obras de grande impacto.
Seguindo em sua elaboração, o professor afirmou, olhando para a história brasileira, que o poder sempre esteve na mão de dois grupos: os grandes proprietários e os burocratas do estado “unidos em matrimônio com as bençãos da Igreja”. Ele lembrou da Proclamação da Independência e da República, que aconteceram sem que a população soubesse ou participasse.
de propor a convocação de plebiscitos antes de proceder à
discussão e aprovação de obras de valor elevado ou que tenham
significativo impacto ambiental, segundo estabelecido em lei.
“O povo brasileiro nunca existiu. Ele sempre foi visto como uma máquina de trabalho, afinal, foram mais quatro séculos de escravidão e isso vive em nós até hoje. Politicamente, o povo sempre foi considerado uma criança, ignorante, para que os de cima possam dizer o que ele deseja”, afirmou. A cura dessa “moléstia”, para Comparato, passa por dois campos: mudança da estrutura de poder e da mentalidade coletiva. E ele acredita que mecanismos de participação social e democracia direta podem avançar nesses dois quesitos “se deus quiser e a polícia deixar”.
Bloqueios da democracia
Apesar de estar prevista na lei orgânica do munícipio, aprovada em 1990, o artigo 10 nunca foi regulamentado em lei. Em 1994, o então vereador Chico Whitaker, um dos redatores da Lei Orgânica, tentou regulamentar a participação popular através do PL 440, mas foi vetado pelo então prefeito, Paulo Maluf.
“A gente até conseguiu encaixar esse artigo progressista na LOM, mas ele veio com a famosa vírgula do “conform estabelecido em lei”. Infelizmente, até hoje, o poder não abriu mão de seguir mandando. Mas eu acho que nesse momento, de maior abertura, vale a pena tentar de novo”, apostou Whitaker.
Em 2005, mais uma vez, o poder público barrou outro PL que propunha maior participação popular. O PL 151/2005, de Paulo Teixeira e Juliana Cardoso, ambos vereadores pelo PT, foi engavetado por José Serra, então prefeito da cidade.
Para Oded Grajew, da Rede Nossa São Paulo, o fato da lei nunca ter saído do papel até hoje se deve ao seu possível impacto. “Se a população for chamada para avaliar obras de grande porte, isso pode contrariar os interesses das empreiteiras, que financiam massivamente as campanhas. Há um temor em confrontar isso”, ponderou Grajew.
“Precisamos instituir o hábito de ouvir a população, para que o governo seja de todos. Faz parte do dia a dia da democracia em diversos lugares do mundo, não é possível que o povo só seja chamado para votar de quatro em quatro anos e isso seja a vida política”, protestou Grajew.
Frente parlamentar
Caso aprovada, a população poderia opinar na construção de grandes obras de infraestrutura, como as marginais, o elevado Costa e Silva, a Ponte Estaiada, parques, vias, linhas de metrô e trem, aeroportos e até tarifas e subsídio do transporte público.
Para isso, uma frente parlamentar suprapartidária, composta por Nabil Bonduki (PT), Antônio Donato (PT), Eliseu Gabriel (PSB), Juliana Cardoso (PT), Ricardo Young (PV). Gilberto Natalini (PV), Police Neto (PSD), Toninho Véspoli (PSOL) e Patrícia Bezerra (PSDB), deve ser oficializada nos próximos dias e iniciar um processo de audiências, fóruns e debates públicos.
“Isso já é rotina em várias partes do mundo, como Austrália, Uruguai, Suíça, Espanha e Inglaterra. Esperamos que em 2016 não apenas elejamos prefeito e vereadores, mas que tenhamos plebiscitos sobre questões importantes da cidade e o povo tenha sua voz efetivamente ouvida”, projetou Maurício Piragino, do GT de Participação Popular da Rede nossa São Paulo.