publicado dia 6 de fevereiro de 2015
Espaço Comum Luiz Estrela: autonomia, arte e ocupação em prol do direito à cidade
Reportagem: Pedro Nogueira
publicado dia 6 de fevereiro de 2015
Reportagem: Pedro Nogueira
Na rua Manaus, número 348, em Belo Horizonte (MG), um amontoado de gente ocupa a rua para assistir a um espetáculo. Montados num casarão, em frente à uma rua evangélica, atores declamam versos de canções brasileiras e saem para percorrer a multidão vestidos, também, de multidão. Trata-se do espetáculo “Estrela ou escombros da Babilônia”, encenada em novembro de 2014, a partir do Espaço Comum Luiz Estrela, ocupado desde 2013 por artistas, ativistas e moradores da cidade – inclusive os temporários.
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A peça é encenada pelos artistas-ocupantes do espaço e percorre as ruas do bairro. Carregada de simbolismos do último período histórico do país, coloca o público presente entre barulhos de bombas e gritos de “Vem pra rua”, enquanto projeções se descolam nas paredes e atores refazem caminhos. Conta-se a história de 2013, do casarão e sua ocupação, da luta por cultura, de Luiz Estrela.
A experiência do Espaço Comum Luiz Estrela representa a urgência, a possibilidade de existência e a potência de uma cultura independente
Em 26 de junho de 2013, enquanto discutia-se a possível ocupação do casarão abandonado, morria, nas ruas de Belo Horizonte, o morador de rua negro, homossexual, alcoólatra, paciente da saúde mental, artesão, poeta e perfomer Luiz Otávio, ou Luiz Estrela, em circunstâncias até hoje não elucidadas, no mesmo dia em que uma manifestação contra a Copa do Mundo acontecia.
Sua trajetória batizou o espaço e essa ideia de comum: um lugar onde todas as decisões sobre o espaço são tomadas em reuniões e assembleias – o que não deixa de trazer impasses e dificuldades: atualmente, o espaço está em fase de “casulo” para gestar seu uso no próximo período.
“Ele carregava consigo muitas das lutas que estávamos dispostos a enfrentar”
A frase acima, retirada do Trabalho de Conclusão de Curso de Manu Pessoa, artista, atriz e ativista do Espaço Comum, revela parte do caráter da ocupação. Hoje reconhecida pelo poder público e em reforma com recursos angariados via financiamento coletivo, o local é um imóvel público inaugurado em 1913, que funcionou até 1946 como sede do Hospital Militar da Força Pública Mineira, e depois como escola pública, até 1980. Abandonado pelo poder público, foi ocupado no caldo das jornadas de junho e hoje serve de espaço livre de criação, aprendizado e encontro.
“O objetivo da ocupação é dar vida a uma casa pública com atividades formativas, vivências artísticas, culturais e políticas abertas propostas por todas as pessoas interessadas em participar dessa construção colaborativa”, defende Manu, em seu artigo.
Pelos próximos 20 anos, o espaço será gerido pela sociedade civil com o apoio da comunidade, simbolizando a vitória do movimento de ocupação e projetando uma série de novos desafios. Nas palavras do coletivo que ajuda a construir a proposta:
“A experiência do Espaço Comum Luiz Estrela representa, no contexto de Belo Horizonte, a urgência, a possibilidade de existência e a potência de uma cultura independente, livre das amarras do mercado e dos mecanismos de incentivo. Representa, ainda, o desejo compartilhado da sociedade assumir para si as rédeas dos processos de transformação e de efetivá-los coletivamente e colaborativamente, salvaguardando, independentemente do poder público, a memória da cidade.”