publicado dia 18 de julho de 2015
Escolas rompem barreiras e levam crianças para ocupar e aprender na cidade
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 18 de julho de 2015
Reportagem: Danilo Mekari
Ao fotografar a escultura de madeira Milon de Crotona, na qual o artista Pierre Puget retrata a luta entre o atleta grego e um leão, um aluno pergunta para a professora: “O rei da floresta existe de verdade? Eu só vejo leão em desenho, fotos, filmes e agora aqui, no Parque Buenos Aires.”
A atividade busca registrar o olhar fotográfico de cada criança da EMEI Monteiro Lobato, situada na região central de São Paulo. E representa apenas um dos muitos exercícios fora do ambiente escolar que a instituição de ensino possibilita às suas crianças – a escola promove também visitas pedagógicas ao Museu de Arte Brasileira (MAB), ao Instituto Moreira Salles e à Biblioteca Monteiro Lobato.
Bastou essa sutil e ingênua pergunta para que a gestão escolar agendasse mais uma visita a um espaço educativo da cidade: o zoológico municipal. Classificados pela diretora da EMEI, Eloisa Bassani, como “vivências diferenciadas”, esses momentos de aprendizagem externa se tornaram comuns na rotina escolar – são valorizados não apenas pelas crianças, mas também pelos docentes, funcionários e famílias.
“Para a criança estar apta a ler e escrever é necessário o desenvolvimento neurológico, que está intimamente ligado ao desenvolvimento físico: esses momentos são propícios para saltar, correr, pular e brincar livremente”, afirma Eloisa, que vê nessa abordagem da escola uma proximidade com a educação integral. Sua assistente, Tânia de Oliveira, observa no dia a dia o reflexo dessas aprendizagens. “Após os passeios, as crianças criam brincadeiras com elementos das aprendizagens externas. A conversa fica mais rica, pois trata-se de uma fase de descoberta e encantamento.”
Tirar o aluno do espaço escolar e levá-lo para a cidade, expandindo as possibilidades de aprendizagem e permitindo que aquela pessoa em desenvolvimento se aproxime da realidade do território onde vive e estuda, sempre foi uma premissa da educação integral. Questões urbanas problemáticas como segurança e mobilidade, contudo, ainda fazem com que muitas escolas mantenham as portas fechadas para a cidade.
“Antes de tudo, é preciso construir a ponte para a comunidade entrar na escola. Depois, o caminho de volta – ou seja, a escola sair para explorar a comunidade – torna-se algo natural”, aponta Mônica Galib, diretora da EMEI Gabriel Prestes, outra escola na região central de São Paulo que promove itinerários educativos pela cidade. Longe de omitir os desafios dessa empreitada, Mônica adverte: “Não se aproxima os pais da escola com uma reunião. É através da nossa prática pedagógica, sempre em busca de aprimorar o diálogo com a cidade, que estreitamos essa relação.”
“Não posso fazer de conta que a rua não existe”
As saídas da Gabriel Prestes variam entre os mais diversos destinos: Praça Roosevelt, Biblioteca Mário de Andrade, livrarias, feiras e sacolões localizados no entorno do espaço escolar. Muitas vezes, pais e até mesmo avós das crianças participam das atividades externas. “O aluno que chega aqui já passou pelo centro e tem contato direto com a cidade. Não posso fazer de conta que a rua não existe. É preciso mostrar o espaço urbano com o olhar pedagógico e até mesmo poético”, reflete Mônica.
A diretora também percebe nitidamente os resultados de um projeto pedagógico que aposta na rua e no espaço público. “Vejo através do comportamento da criança, sua desenvoltura, sua forma de comunicação. É uma criança que questiona e isso é saudável.” Para ela, a função da escola infantil não é alfabetizar, mas sim proporcionar um “letramento de mundo e de cidade”.
Há cinco anos, a parceria entre gestores, docentes, estudantes, funcionários e famílias tem sido responsável por trilhar o caminho de uma aprendizagem que transcende a sala de aula, consolidando processos de gestão democrática e contribuindo para a co-responsabilização pela educação das crianças nessas escolas.
Mas não para por aí. Uma das metas da gestão da EMEI Monteiro Lobato para o segundo semestre letivo de 2015 é ampliar as experiências voltadas para pais e mães de alunos. A escola também prevê a realização de uma formação externa voltada para os funcionários. “A ideia é que todo o corpo escolar saiba o que as crianças estão vivenciando lá fora e possa trocar experiências mais facilmente, tanto com as crianças como com os pais”, explica Tânia.
Do outro lado da ponte
“Localização privilegiada”. As diretoras das EMEIs utilizaram essa expressão para definir o território onde estão inseridas. Elas identificam com facilidade as oportunidades educativas e culturais que o centro de São Paulo oferece e reconhecem as modificações que esse cenário sofre à medida que se aproxima das periferias.
A distância do centro e de equipamentos culturais consagrados, porém, não impede que escolas localizadas nos extremos da cidade organizem saídas, mapeamentos e visitas aos seus territórios. É o caso do CEU Alvarenga, o único equipamento cultural disponível na região da Pedreira, na zona sul do município. Lá, crianças saem para fotografar o bosque vizinho e jovens percorrem trajetos educativos pelas ruas, becos e vielas. Cortejos, saraus e contação de histórias completam as atividades realizadas no espaço público.
“Quando estamos na rua somos todos iguais”
“Experiências como essa fazem com que os alunos se apropriem de suas identidades, trazendo suas vivências para dentro do espaço escolar”, opina Luci Guido, gestora do CEU. “Na rua, as crianças têm uma organização própria e é só fora que percebemos o quanto a escola está aquém do conhecimento. Explorando o bairro, elas nos contam histórias, vivências, lembranças. É um processo apaixonante, e vamos construindo pautas de formação a respeito dessas experiências.”
Os percursos são acompanhados por líderes comunitários locais e ainda contam com a presença de funcionários do CEU. “Quando estamos na rua somos todos iguais. Essa é a riqueza das experiências externas”, aponta a gestora.
Também na zona sul da cidade, a EMEI Chácara Sonho Azul fez questão de assinalar em seu projeto político-pedagógico que “a criança tem direito à cidade”. “Por estarmos na periferia, as famílias têm dificuldade de usufruir o patrimônio cultural paulistano. Por isso, achamos importante constar no currículo da escola”, defende Antonio Norberto, diretor da EMEI.
Localizada próximo à represa Guarapiranga, a escola tem levado as crianças às áreas verdes, aos parques ecológicos e até mesmo às feiras livres da região. Os trajetos costumam ser feitos a pé, valorizando o entorno da escola. “É essencial que a criança tome conhecimento da cidade. O quanto antes isso for feito, mais significativo será para a sua aprendizagem, pois sai de uma abordagem só de conteúdo e amplia para a experiência, vivência, criando um jeito legal de aprender”, opina Norberto.
Cidade para crianças
Voltando ao centro, Eloisa ressalta as transformações que o espaço urbano vivencia quando incorpora as crianças em seu cotidiano. “A despeito de violência, temos espaços educadores na nossa cidade e condição de levar as crianças para participarem da rotina urbana, favorecendo um elemento importantíssimo para o desenvolvimento da sociedade – a infância.”
Já Mônica lamenta que os planejadores da cidade ainda não considerem meninos e meninas nos processos de decisão. “Se o espaço urbano pensar na criança, ele naturalmente vai ser mais educador e fará com que avancemos na questão da cidadania pedagógica. Como é que o sistema quer adultos educados se a criança não participa da cidade? Ninguém nasce aos 14!”