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publicado dia 15 de dezembro de 2020

A escola pós-pandemia que as juventudes desejam

Reportagem:

Estudante do último ano do Ensino Médio na pequena Atalanta (SC), município com cerca de 3.500 habitantes, Vitor Zanelatto sabe quão diferente foi sua vivência na escola pública de outras regiões do país. Acostumado com a proximidade entre professores, alunos e famílias, o jovem sempre sentiu que suas propostas eram ouvidas.

Este senso de comunidade foi decisivo para enfrentar as adversidades trazidas pela pandemia no tocante à educação. A orientação da rede estadual de Santa Catarina  foi a de adaptar as atividades pedagógicas para ferramentas online como o Google Classroom. Em sua escola, quem não tinha acesso à internet, podia fazer a retirada desses materiais presencialmente. “Como a comunidade é pequena, houve uma disposição de várias pessoas para apoiar que todos os alunos tivessem este acesso”, conta ele.

Matéria publicada originalmente no site Movimento de Inovação na Educação.

Mas bastava dialogar com estudantes de outras regiões do Brasil para se deparar com a discrepância de realidades. “Ficaram ainda mais claras as injustiças e desigualdades. Alunos sem acesso aos materiais didáticos, professores sem formação adequada para apoiá-los, manutenção de avaliações arcaicas, entre outras questões”, relata.

A percepção de Vitor é fundamentada. Lançada em junho deste ano, a pesquisa “Juventudes e a Pandemia do Coronavírus”, da qual Vitor participou como jovem pesquisador, trouxe dados preocupantes: 2 a cada 10 jovens ouvidos afirmam que a instituição de ensino onde estudam não ofereceu nenhuma atividade ao longo da pandemia e, questionados sobre a volta às aulas após o fim do isolamento social, 3 a cada 10 entrevistados confessam que já pensaram em não retornar. No tópico Enem, 49% pensaram em desistir da prova.

“Enquanto uma pequena minoria possui acesso a recursos, metodologias e facilitação, outros não possuem o mínimo, que é ter acesso ao direito à aprendizagem. Quantos jovens precisaram abandonar a escola porque tinham que complementar a renda familiar ou seguir outros caminhos? Quantas pessoas não tiveram que abandonar seus sonhos por sobrevivência?”, indaga Ana Rosa Calado, membro do Engajamundo e do Comitê Consultivo do Escolas2030, acrescentando: “E quando falamos disso não estamos falando do professor, mas do sistema, porque vemos os professores exaustos, fazendo mais do que o possível”.

Educadora popular em territórios de favela na Baixada Fluminense, Débora Amorim, integrante do + Nós, conhece de perto esta realidade. “Estamos falando de juventudes que, mesmo antes da pandemia, já viviam uma situação de violação de direitos, porque a escola, apesar de urgente e necessária, já alimentava um processo de exclusão social.” A educadora aponta, por exemplo, como o currículo escolar sempre se esquivou de explicitar eixos como educação em direitos humanos, educação política e antirracista.

A escola que queremos

Por outro lado, o levantamento “Juventudes e a Pandemia do Coronavírus” também mostra perspectivas otimistas das juventudes em relação ao futuro, principalmente no que se refere à maneira como a sociedade irá se organizar a partir da crise. Quando pensam na sociedade pós-pandemia, cerca de metade considera que ocorrerá a valorização dos educadores, que surgirão novas dinâmicas no mundo do trabalho e dos estudos e que a ciência e a pesquisa receberão mais investimentos.

Para Ana Rosa Calado são estas possibilidades de reinvenção da escola que precisam ser disseminadas. “Precisamos entender que a escola não é só um espaço de gerar conhecimento, mas de encontros, de convergência de trajetórias e histórias de vida. E por fazer essa ponte entre mundos, também precisa se reinventar quando esse mundo se altera”, aponta.

Este desafio, no entanto, não é novo, muito menos foi criado pela crise sanitária que atravessamos. “A escola como conhecíamos já não era o espaço adequado para o desenvolvimento das juventudes, primeiro, porque não lia as ‘juventudes’ no plural, nas suas subjetividades. Segundo, porque via a demandas dos jovens como uma gama de rebeldia e não como fruto de vivências que podiam contribuir com a sociedade”, observa.

Vitor compartilha da opinião. Para ele, o principal ponto é não culpabilizar a pandemia por problemas que haviam antes, mas que não colocamos sob o microscópio para entender. “Neste momento, eu olharia primeiro para os impactos em quem está no Ensino Médio, para buscar maneiras de equilibrar a questão do acesso à tecnologia e melhorar a formação dos professores para isso.”

Outra crítica do estudante recai no âmbito da avaliação. “Não tem a mínima condição de avaliar as aprendizagens por meio de um sistema de pontos. A pandemia evidenciou como é preciso olhar de forma mais empática para cada contexto”.

As reivindicações de agora retomam em grande parte questões que já despontavam entre 2015 e 2016 no contexto da chamada primavera secundarista, movimento de ocupação estudantil de escolas de Ensino Médio que se alastrou pelo Brasil e que fez importantes conquistas.

Tendo acompanhado à época a ocupação do Colégio Dom Pedro II, em Duque de Caixas (RJ), Débora lembra como foi um momento no qual a juventude ganhou espaço no sentido de construir coletivamente a escola que desejava. “É um desafio ser jovem e pautar qualquer luta política sem isso ser lido como ímpeto juvenil”, critica.

Para que as reivindicações de agora não recaiam na invisibilidade, diz, é preciso caminhar de forma coletiva e junto à base popular. “É preciso que as demandas que estão evidenciadas com a pandemia sejam entendidas como força, resistência, de uma galera que decidiu intervir no presente para garantir nosso futuro”. Vontade não falta.

 

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