publicado dia 27 de novembro de 2014
Em Ubatuba, laboratório experimental faz ponte entre tecnologia e sociedade
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 27 de novembro de 2014
Reportagem: Danilo Mekari
Se perder pelas ruas da cidade está cada vez mais difícil. Com a proliferação de smartphones no Brasil, carregar mapas enormes e complexos dentro do bolso ficou simples, assim como consultá-los a qualquer hora, em qualquer esquina. Em aplicativos como Google Maps e Waze, um dos atributos mais comemorados pelos usuários é o itinerário automático, que traça a rota desejada e indica apenas as direções: “siga reto”, “vire à esquerda em 100 metros”, “você chegou ao seu destino”.
Cidade Inteligente
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Em Ubatuba, município do litoral norte paulista, um projeto extrapola essa função e utiliza os programas de georreferenciamento para incentivar os habitantes a explorar o território da cidade praiana. Uma árvore gigante e antiga, uma rua importante, uma edificação de 300 anos, um museu, a primeira igreja da cidade – são infinitas possibilidades de exploração proporcionadas pelo mapa, sempre em diálogo com a criação de uma cidade inteligente.
“A maioria das pessoas usam o GPS ou outros aplicativos de mapas para não precisar conhecer o seu entorno. Tentamos fazer justamente o contrário: usar a tecnologia para as moradores de Ubatuba aprenderem com o que está ali do lado deles”, afirma Felipe Fonseca, co-criador do UbaLab, núcleo de articulação de cultura digital experimental, que funciona como um espaço de trabalho e encontro para ubatubenses que atuam com tecnologia, comunicação e cultura.
A ação, que busca conectar redes e ruas, é definida por Fonseca como “uso criativo da cartografia como elemento de identidade e engajamento social”. O UbaLab promove oficinas em que os mapas são projetados na parede e os participantes desenham e falam sobre o que conhecem de seus caminhos cotidianos. Com post-its, definem pontos importantes e muitas vezes desconhecidos para os próprios habitantes de Ubatuba. “O mapa pode servir para nos aproximar de lugares novos, além de ser uma ferramentas de educação e conscientização política.”
De acordo com Fonseca, é construindo pontes entre tecnologia e sociedade que o laboratório busca interferir no mundo e, especificamente, no espaço ao seu redor.
Dinâmica da cidade
Antes de se estabelecer no litoral paulista, em 2008, Fonseca trabalhou com os Pontos de Cultura e na estratégia de cultura digital do Ministério da Cultura (MinC). Essa experiência deu a ele a noção de que a permanência em um só lugar permite um contato mais direto com a população. “Desde que cheguei, comecei a desenvolver experiências para tentar entender quais são as dinâmicas da cidade. Sentei para observar e fazer pequenas intervenções”, relata.
O UbaLab realiza mapeamentos ambientais que usam softwares livres para monitorar a qualidade da água, do ar e do clima ubatubense. “Possuímos um alto índice de preservação e queremos que continue assim”, comenta. O laboratório também está por trás da Gaivota FM, uma rádio comunitária e cultural. “A internet é um dos caminhos possíveis para manter a relevância de uma rádio com conteúdo local.”
Entre elas, Fonseca organizou encontros de metarreciclagem e o Festival Tropixel, evento que integra a rede Pixelache – uma plataforma internacional de experimentação em arte e pesquisa sobre o meio ambiente. Durante cinco dias, artistas, cientistas, ativistas e pesquisadores de diferentes lugares do Brasil e do mundo se reuniram em Ubatuba para discutir – e pôr em prática – experimentos que mesclam cultura e tecnologia. O resultado foi a ocupação temporária de um terminal turístico abandonado e o estabelecimento de um Ônibus Hacker, laboratório móvel que promoveu atividades pela cidade.
Fonseca desconstrói a visão que muitos têm de Ubatuba: uma cidade onde o tempo não passa, fadada ao passado. “Essa é a opinião do veranista, que vive por um mês e depois volta para sua cidade. Aqui, temos uma série de contradições que são bastante contemporâneas e nada têm a ver com o passado. Existe a tensão do desmatamento, a questão das populações tradicionais, ao mesmo tempo em que cresce a movimentação em torno do petróleo e do pré-sal”, pontua. “Há ainda uma intensa troca de bicicletas por motos. Tudo isso está mudando o panorama de Ubatuba.”
Para acompanhar essas transformações, o pesquisador defende a existência de mais laboratórios experimentais. “Não basta estar localizado em um lugar, é importante que esses laboratórios se relacionem com o que existe à sua volta, que tenham consciência do seu impacto, que trabalhem com potencialidades do bairro, da cidade, da região.”