publicado dia 6 de setembro de 2017
Em São Paulo, ocupação do Largo da Batata vive novo impasse
Reportagem: Nana Soares
publicado dia 6 de setembro de 2017
Reportagem: Nana Soares
Quem viu o Largo da Batata em 2013, quando foi encerrada a última operação urbana no local, não imaginava o que estava por vir: nos quatro anos seguintes, o vazio desértico daria lugar a bancos, brinquedos, árvores, instalações e mudas de todos os tipos. As intervenções, realizadas por moradores e coletivos urbanos, simbolizavam a nova fase do Largo como espaço público de encontro e convivência na cidade de São Paulo.
Dentre as mudanças, a paisagem passou a abrigar mobiliários lúdicos para as crianças, convertendo-se em um espaço amigável também para os pequenos e suas famílias. Escolhidos por meio do BatataLab – concurso do Instituto A Cidade Precisa de Você e do Instituto de Pesquisa e Inovação em Urbanismo (IPIU) que elegeu projetos de mobiliário para o Largo – os quatro equipamentos infantis foram uma proposta do Erê Lab para a categoria “Lúdico”. Vencedores, os brinquedos passaram a ocupar uma área de 280m².
No dia 18 de agosto, dois anos após as instalações, a população que frequenta o espaço foi surpreendida com a remoção dos brinquedos, em uma ação da Prefeitura Regional de Pinheiros que desagradou moradores, ativistas e comerciantes locais. O órgão justificou a retirada afirmando que “o coletivo que tinha assinado um contrato de manutenção do espaço não vinha realizando o serviço” e que o mobiliário representava risco às crianças. Embora desgastados pelo uso e pelo tempo, os moradores relatam que os equipamentos poderiam ser reparados com ações de zeladoria, sendo desnecessário removê-los.
O coletivo ativista “A Batata Precisa de você” nasceu em janeiro de 2014, em uma ocupação modesta no Largo da Batata. Desde então, tem organizado e apoiado diversas intervenções no território. Já o Instituto A Cidade Precisa de Você não se limita a este território da zona oeste, trabalhando para a melhoria da cidade a partir de discussões, incubação e desenvolvimento de projetos. O estatuto completo está disponível no site da organização.
Em comunicado oficial, o Erê Lab explicou que a Prefeitura Regional havia comunicado com antecedência o desmonte do parquinho – ação realizada em prol de um novo projeto para o Largo – e deu à empresa a possibilidade de retirá-los antes, caso desejassem reaproveitar algum material. Com a notícia, parte da estrutura foi removida pela empresa, que agora pretende realocá-la em outros locais da cidade.
Procurado pela reportagem do Portal Aprendiz, o Erê Lab informou que não se pronunciará mais sobre o caso. “Fizemos nosso melhor e esperamos que as crianças da cidade tenham sempre os melhores espaços de brincar que a cidade pode oferecer. [O parquinho] foi um espaço simbólico muito importante, justamente por estar em um território de disputa como é o Largo da Batata, e foi importante para reabrir o debate e apresentar à população uma nova maneira de brincar na cidade.”
Já a Prefeitura Regional de Pinheiros alegou estar em fase de negociação com as empresas e sem condições de fornecer um prazo exato para a conclusão do novo projeto (incluindo o parquinho). Não há detalhes sobre o novo espaço dedicado às crianças, mas a previsão é que o Largo da Batata receba equipamentos de ginástica, estrutura para carregamento de celulares, wi-fi livre e 70 árvores “para reduzir a aridez do espaço”, todos oriundos de doação da iniciativa privada.
Desestatizações em São Paulo ameaçam direito à cidade
Algumas semanas antes da remoção do parquinho, a Prefeitura retirou um dos muitos canteiros comunitários do Largo da Batata, o que causou a agitação dos coletivos, moradores e movimentos sociais. As plantas foram substituídas pelas 70 mudas que compõem o novo projeto paisagístico do Largo, doadas pelo Shopping Iguatemi. O canteiro era administrado pelo coletivo Batatas Jardineiras, que organizou atos protestando contra a retirada e intervenções como a colocação de cruzes no canteiro, simbolizando sua remoção. Segundo reportagem da Folha de São Paulo, as cruzes também foram retiradas pela Prefeitura.
Diálogo e participação social
Os moradores e responsáveis pelas intervenções no Largo da Batata reclamam que as ações foram tomadas sem consulta à população, medida que destoa da forte tradição de participação social do território. “A retirada do parquinho foi uma decisão de um lado só”, argumenta Úrsula Troncoso, do Instituto A Cidade Precisa de Você, responsável pela organização do concurso que instalou os mobiliários no Largo. “Desde a retirada dos canteiros, o Prefeito Regional está sinalizando que a região está sob ataque”, completou.
Úrsula refere-se a este vídeo gravado pelo Prefeito Regional de Pinheiros, Paulo Mathias, em resposta a pichações realizadas no Largo em julho deste ano. Nas imagens, ele acusa “petistas vagabundos” de terem passado anos controlando o Largo da Batata e promete: “o Largo da Batata vai ser da população de São Paulo”.
Para a ativista, o gestor desvia o foco da situação, confundindo participação popular com disputa partidária. “O movimento popular não tem nada a ver com qualquer partido, são os moradores da região que querem cuidar do espaço público e dialogar com a prefeitura. É uma questão de gestão compartilhada e não de quem está no poder.”
Um novo projeto para o Largo
Em reunião no dia 25 de agosto, o coletivo Batatas Jardineiras levou os acontecimentos recentes ao prefeito regional, que prometeu enviar o projeto completo para os coletivos, o que ainda não ocorreu. Na ocasião, o órgão reafirmou que o parquinho foi removido por conta do estado de conservação e que será substituído. Já a derrubada dos canteiros comunitários, segundo a prefeitura, serviu para dar espaço ao projeto de paisagismo doado pelo Shopping Iguatemi.
O empreendimento foi responsável pela doação de 70 árvores nativas da Mata Atlântica para o projeto de paisagismo do Largo da Batata, em um investimento de R$ 205 mil. Em nota ao Portal Aprendiz, o Shopping Iguatemi reforçou que “preza pela preservação dos espaços públicos” e destacou “seu compromisso de longo prazo com a cidade de São Paulo”.
Para Úrsula Troncoso, o argumento do mobiliário mal cuidado pelos coletivos não considera que “a prefeitura também tem que cuidar de todas as praças – e não está cuidando”. A ativista acredita que a questão central gira em torno do uso do espaço para o projeto paisagístico desejado e sem acompanhamento da população.
Na mesma reunião, a Subprefeitura negou a oferta de uma reunião aberta com a população, afirmando que “a gestão é focada em resultados”. O gestor disse aos coletivos presentes que os espaços de discussão e participação social são os Conselhos. Um deles, o Conselho Regional de Meio ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Cultura de Paz (CADES Pinheiros) está desativado desde julho – e a Prefeitura promete retomar as eleições em outubro. Até lá, resta à população acessar o Conselho Participativo.
Gestão compartilhada
Úrsula avalia que os mecanismos de participação comunitária na cidade de São Paulo estão defasados e não previam uma participação tão ativa dos cidadãos. Por isso, há alguns pontos confusos, como os trâmites acerca dos termos de doação e cooperação de mobiliários junto a Prefeitura. “Não é que não existam mecanismos, mas eles são burocráticos e limitados, não absorvendo movimentos de bairro com o da Batata”, explica. Em sua visão, “seria melhor cuidar da cidade com a população e não a despeito dela”.
Uma pesquisa realizada em abril de 2016 pelo Instituto A Cidade Precisa de Você apontava que 81,3% dos usuários do Largo acreditava que o mobiliário havia melhorado a interação entre as pessoas.
Apesar de preocupados com o rumo das intervenções no Largo da Batata, o Instituto Cidade Precisa de Você acredita que a participação social no local não deve diminuir. “Embora haja a pressão de uma força política que detém também o poder financeiro, penso ser praticamente impossível retroceder”, analisa Úrsula. “As pessoas aprenderam a se organizar, fazer participação comunitária e a se sentir em um ambiente acolhedor. Acho muito difícil reverter essa cultura. Os governos vêm e vão, mas nós estamos aqui há mais tempo do que eles.”
Em nota, a Prefeitura Regional de Pinheiros salientou que “o espaço do Largo da Batata é para todas as pessoas que moram, trabalham ou circulam na região e o projeto do Novo Largo da Batata leva essas questões em consideração.”
Histórico
Central na região de Pinheiros desde sua urbanização (no começo do século XX), o Largo servia inicialmente de entreposto comercial, conectando diferentes regiões da cidade. Ganhou esse nome em 1920 graças à venda de batatas por imigrantes japoneses. Na mesma década, as rotas de transporte público se concentraram ainda mais neste território e os terrenos na margem do Rio Pinheiros foram canalizados, extinguindo as várzeas vizinhas.
Com a criação da Avenida Faria Lima, em 1968, a região se transformou novamente: móveis foram desapropriados, o Mercado foi extinto e o Largo da Batata se consolidou como local com intenso tráfego de transporte individual e coletivo, dinâmica acelerada com a construção da estação de metrô Faria Lima.
Na década de 90, o então prefeito Paulo Maluf aprovou a Operação Urbana Faria Lima, que mudou todo o entorno do Largo com alterações que seguiram até a Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini. Em 2001, o Largo da Batata foi incorporado à Operação Urbana e sua reconversão removeu diversos imóveis, incluindo o terminal de ônibus, realocado para a Marginal Pinheiros. As obras foram finalizadas dez anos depois e o Largo da Batata foi entregue junto a estação de metrô, vazio e sem mobiliário, ao contrário do que previa o projeto para a região.
Como o coletivo “A Batata Precisa de você” rememora em sua publicação OCUPE Largo da Batata:
“Em 2013, a população recebeu de volta o Largo da Batata, mas os 29 mil metros quadrados haviam perdido o ar vibrante do passado. Tampouco contavam com o centro cultural, a praça com cobertura vegetal e a alameda de paus-ferros prometidos no projeto urbanístico de autoria do arquiteto Tito Lívio, previstos pela Operação Urbana. Vazio, sem árvores, bancos, mesas ou qualquer mobiliário urbano que convidasse ao convívio social, o Largo ressurgiu como um espaço de tensão. À sua imensidão e aridez somou-se um contexto de dramáticas transformações no espaço físico da cidade, marcado por remoções, deslocamentos e especulação imobiliária.”
No mesmo ano, os atos contra o aumento de passagem agitaram a cidade, recolocando o Largo da Batata sob holofotes. Esse cenário propiciou também o nascimento dos movimentos de resistência e reocupação do território. É quando surge o coletivo A Batata Precisa de Você, movimento de apropriação pautado pelo direito à cidade, que iniciou as atividades timidamente, com cerca de 10 pessoas, ocupando o território com cadeiras de praia e guarda-sois.
Foi o início de uma longa e crescente relação entre Largo da Batata e a população da cidade, que construiu seus bancos, selou seus laços e levou suas crianças para ali brincar. Por meio de coletivos, concursos e acordos de cooperação com a Prefeitura, a população deixou manifesto o seu desejo de participar das decisões e guiar as ações futuras do espaço público.