publicado dia 7 de novembro de 2017
Em Salvador, crianças ocupam universidade em prol do brincar
Reportagem: Nana Soares
publicado dia 7 de novembro de 2017
Reportagem: Nana Soares
Na região central de Salvador, em frente a biblioteca de uma das universidades mais importantes do país, crianças de todas as idades e suas famílias reúnem-se mensalmente para brincar. Em meio aos jardins da universidade, realizam-se piqueniques comunitários e misturam-se mágicos, grupos de teatro e demais artistas dispostos a conversar com os pequenos e a resgatar a convivência na cidade. É o projeto “Crianças na UFBA”, coordenado pela psicóloga Juliana Prates Santana e que há dois anos ressignifica a relação entre cidade e universidade.
Criado a partir de um sarau infantil durante a greve de professores de 2015, a iniciativa é hoje um dos principais projetos de extensão da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e articula diversos atores de Salvador, dentro e fora dos muros da UFBA. A única regra é não comprar ou vender nada, o que se relaciona com os outros princípios norteadores da ação: solidariedade, sustentabilidade e a desinstitucionalização do brincar, deixando as crianças livres para se divertir.
Esses princípios, valores inegociáveis do projeto, foram escritos em parceria com Adriana Ferriz, também professora da universidade, logo após o sarau de 2015. “Foi uma atividade muito bem sucedida, enchendo a universidade de crianças. Nunca vi os brinquedos dos meus filhos tão utilizados como naquele dia, e então pensei que era um desperdício realizar uma ação desse tipo apenas durante a greve”, relembra.
A primeira edição foi tímida e trouxe 30 crianças para a Praça das Artes do campus Ondina, em sua maioria filhas de alunos, funcionários, ou professores da universidade. A proposta de abrir a UFBA para crianças assustou a reitoria no começo, mas o resultado mostrou que o investimento valia a pena. “Por não estar acostumada a receber crianças, a Universidade tinha vários receios: e se as crianças se machucarem? Se perderem? Com o tempo, veio o entendimento de que essa não é uma ação para tomar conta das crianças, mas sim de abrir o espaço para que elas aproveitem junto às famílias”, esclarece a psicóloga.
A proibição do comércio de alimentos, bebidas ou atividades foi outro diferencial da iniciativa em relação ao que acontece usualmente em Salvador. É algo tão fora do padrão que ainda hoje os idealizadores são procurados por ambulantes interessados em comercializar no espaço. Para Juliana, isso é um indício de como ainda há dificuldade em pensar atividades que não envolvam consumo.
“As famílias agora já têm o costume de trazer um lanche a mais para dividir com os outros, de realizar piqueniques. O feedback é sempre muito positivo”, relata. Esse espírito foi resumido por uma criança que afirmou que aquela era a primeira vez que não ouvia um “não” dos pais, já que não havia impedimento econômico para brincar plenamente. Basta estar ali para divertir-se com a amarelinha, corda e pião.
A ideia deu tão certo que o “Crianças na UFBA” reuniu cerca de 300 crianças em sua edição de outubro e as famílias já pedem por mais encontros além dos que ocorrem mensalmente (todo primeiro sábado do mês, das 14h às 18h). Ainda não há planos, mas a reitoria da Universidade reconheceu a estratégia de ocupação e integração como bem sucedida e como algo em que vale a pena investir.
A razão é simples: o projeto deixa os muros da universidade um pouco menores e dá uma resposta ao problema antigo da UFBA – e de muitas universidades no Brasil – sobre como integrar a instituição de ensino com seu território. “Embora o campus seja aberto, os portões distanciam o espaço da população e não deixam que ele seja visto como um local para brincadeiras”, pondera a psicóloga, reafirmando o papel político da extensão acadêmica.
“[O “Crianças na UFBA”] valoriza o espaço público, resgata a convivência na cidade e proporciona uma experiência cidadã diferente, na base do diálogo e da negociação. Essas crianças vão poder dizer que brincaram na UFBA, o que é uma outra relação com a universidade. Uma relação de compreensão sobre sua função pública e da importância de uma educação gratuita e de qualidade”, sintetiza.