publicado dia 3 de agosto de 2016
Em Correntina (BA), dicionário criado por estudantes valoriza variante linguística local
Reportagem: Clipping
publicado dia 3 de agosto de 2016
Reportagem: Clipping
do Centro de Referências em Educação Integral.
“Azular”, “biscoitar”, “bucho quebrado”, “sutilin”, “impaludismo”. Esses são alguns dos termos que circulam pelo território de Correntina, na Bahia, e que dão conta de resgatar a história de inúmeras famílias do campo e suas tradições. Carregadas de simbologia e proferidas mais naturalmente pelas pessoas mais velhas, essas expressões também encontram eco na fala dos mais jovens, ao repetir em seus contextos as fala dos bisavós, avós, pais, mães e outros familiares.
Não por acaso, os termos também chegam às salas de aula. E são motivo de observação das docentes de Língua Portuguesa Rozângela Gomes e Aparecida Amaral Silva, no Colégio Estadual de Corretina, unidade que atende cerca de 400 estudantes nas modalidade Ensino Médio e Ensino Médio integrado ao Ensino Técnico.
“Era comum vê-los usando os termos para situar um erro de linguagem dos familiares”, comentou Rozangela, entendendo a necessidade de promover uma ação pedagógica que abarcasse a diversidade linguística da região. “Era preciso mostrar a eles que a língua sofria variações de acordo com seu contexto”, explicitou.
Projeto de pesquisa
Surge então a proposta de investigar o campo da diversidade linguística a partir dos próprios moradores. As docentes e os alunos construíram juntos um questionário e os próprios estudantes conduziram as pesquisas de campo – a atividade envolveu as turmas do 1º ano do ensino médio e 1º ano do ensino técnico.
Os jovens foram em busca de conhecer as histórias dos moradores das áreas urbanas e rurais, procurando evidenciar os costumes e as culturas dos núcleos familiares e traçar paralelos com a vida antigamente e a atual. Tinham como demanda deixar os relatos fluírem livremente e estarem atentos a quaisquer termos diferentes, que deveriam ser prontamente anotados.
Palavras encontradas e seus significados
Azular – sumir; ir embora.
Biscoitar – comer de graça
Bucho quebrado – estar com lombriga
Cabeça de bode – ovo cozido servido com farinha
Carãozim – carona, ir ou vir de algum lugar sem pagar nada
Cremilda – refere- se à dentadura
Impaludismo – palidez
Intiriçado – triste
Lunga – pessoa que não suporta desaforo
Morredeira – desânimo
Primeirão – antigamente
Ritinia – voz bonita
Safanão – chamar a atenção de alguém
Sutilin – pedido de silêncio
Travial – vida de sempre
Vacidera – erva cidreira
Xuxuda – uma dor
Com as informações em mãos e de volta à sala de aula, o trabalho foi catalogar todas as palavras e buscar sinônimos em alguns dicionários. “Muitas delas não foram encontradas. Pudemos verificar que algumas palavras existiam, mas eram pronunciadas de outra maneira; outras não existiam e as entendemos como neologismos”, colocou Rozangela.
A tarefa se apoiou na sociolinguística, e situou as falas dos entrevistados dentro do contexto das variantes linguísticas, levando em consideração fatores que influenciam no falar como o gênero, nível de escolarização e acesso à educação e bens culturais, faixa etária, classe social etc. Com o trabalho, o grupo trouxe à tona alguns preconceitos e puderam repensar suas posturas diante de determinadas variantes linguísticas.
Nasce o Pequeno Grande Dicionário
O grupo decidiu dar visibilidade ao conjunto de termos e assim nasceu a ideia de compor um dicionário. O nome – Pequeno Grande Dicionário, veio de um aluno, como relembrou Rozangela: “pequeno pelo tamanho, mas grande pelo valor”. O produto foi apresentado na primeira Feira de Ciências realizada pela escola e, premiado, rendeu a participação do colégio na Feira de Ciências em Salvador.
A escola também ficou entre as 50 melhores experiências inscritas no Criativos na Escola, iniciativa que faz parte do movimento global Design for Change e encoraja crianças e jovens a transformarem suas realidades, colocando-os como protagonistas de suas próprias histórias de mudança.
Para a professora Rozangela, a iniciativa contribuiu para construir uma cultura de respeito na escola, e também para valorizar os alunos. “Senti que o trabalho de pesquisa liderado por eles contribuiu com a auto estima da turma e também para um olhar sobre o potencial que eles têm de fazer projetos e contribuir com a modificação da realidade”, reconheceu.