publicado dia 5 de agosto de 2020
Eleições 2020: em meio a pandemia, despontam candidaturas de mulheres e lideranças comunitárias
Reportagem: Cecília Garcia
publicado dia 5 de agosto de 2020
Reportagem: Cecília Garcia
O segundo semestre de um ano de eleições municipais geralmente marca o aumento dos compromissos de candidatas e candidatos à vereador: comícios, visita aos bairros e encontros com o eleitorado corporificam a campanha dos pleiteantes ao cargo cuja função é formular leis municipais.
Mas a pandemia de Covid-19 altera radicalmente a campanha eleitoral de 2020. Além da mudança de data – tradicionalmente agendado para outubro, o pleito acontecerá no dia 15 de novembro – ela também causa interrupção no encontro presencial entre vereador e sociedade civil:
“Candidaturas de vereador precisam de poucos votos, cinco a dez mil já elegem. Mas ele ou ela precisam ser conhecidos, porque este é um voto baseado em confiança”, explica Gabi Juns, coordenadora de programas do Instituto Update. “Quando alguém vota neste cargo, pensa ‘Já estive na presença dela, conheço quem é ou o que faz!’. Isso depende da relação de rua, de reunião, do encontro. A pandemia dá uma chacoalhada nisso.”
Dedicado à mapear movimentos de inovação política no Brasil e na América Latina, o Instituto Update traça dois perfis de candidatura que devem surgir nestas eleições atípicas:
“Temos as candidaturas mais brancas, centrais, conectadas. Elas têm acesso à privilégios e com mais tranquilidade puderam ficar nos últimos meses em suas casas e construir sua campanha online. E temos as outras que são lideranças de bairro, ativistas populares – principalmente pessoas negras – que não ficaram em casa. Elas estavam envolvidas em tarefas nas próprias comunidades, como arrecadação de alimentos e itens de higiene. Ao mesmo tempo que não puderam planejar a campanha online, estavam na rua, fazendo e sendo vistas.”
Os resultados das campanhas digitais e territoriais se encontram nas redes sociais, que para Julia Albino, gerente de projetos da Agenda Pública, instituição que promove participação social e aprimoramento de serviços públicos, terão a mesma importância – e os mesmos desafios, como as fake news – que os da eleição passada
“O campo digital permanecerá central no debate político. O que pode haver de diferente é uma polarização não tão extrema, como aconteceu em 2018, já que o apoio ao bolsonarismo está nebuloso. Se acontecer uma polarização, ela deve estar centrada nos debates de economia e de salvar vidas, que é o que tem aparecido nas últimas discussões políticas.”
Inovação política: questão de gênero e território
Embora haja incertezas sobre o cenário em disputa, tanto no campo digital quando no territorial, há uma tendência que despontou nas últimas eleições e se consolida nesta, principalmente para o cargo de vereador: a ascensão de mulheres à cargos políticos.
Segundo a pesquisa Eleitas: Mulheres na Política, do Instituto Update, que mapeou mudanças das eleições de 2014 e 2018, as mulheres passaram de 51 para 77 deputadas eleitas, sendo 66 brancas, 10 negras e a primeira mulher indígena da história política; nas Assembleias Legislativas estaduais, das 1059 vagas existentes, as mulheres passaram a ocupar 164 cadeiras em 2018, um crescimento de 38% em comparação a 2014.
“São mais de 80 movimentos apoiando candidaturas mulheres nestas eleições”, relata Gabi. “São movimentos civis que nascem como resposta ao brutal assassinato de Marielle Franco, mas também às candidaturas laranjas de mulheres, negando-as e afirmando candidaturas reais para 2020.”
Quando o cineasta e pesquisador do Instituto Update, Wellington Amorim, que atuou na pesquisa “Emergência Política Periferias”, olha para as candidaturas de mulheres, candidaturas negras ou surgidas em territórios vulneráveis, ele enxerga não uma inovação política e sim um resgate de práticas que sempre ocorreram nas periferias, nascidas do bojo da sociedade civil:
“É um deslocamento de olhar para práticas que já acontecem em territórios periféricos e que entendemos como ações políticas: atuações de coletivos promovendo cultura, criação de espaços e associações, e outras ações de engajamento político. Historicamente temos políticos somente em períodos eleitorais, mas este novos possíveis candidatos partidos do território estão no dia a dia e têm maior identificação com suas comunidades.”
Ainda para o ativista, esta retomada é sintomática da ocupação de corpos e territórios dissidentes na máquina pública, expressas em candidaturas como as de Erica Malunguinho (PSOL-SP), a primeira candidata trans a assumir a assembleia legislativa, ou de Joênia Wapichana (REDE-RR) a primeira indígena.
“A periferia tem entendido que precisa fazer parte do processo da política institucional para dizer sobre o território. Se a gente tem uma população de cerca de 54% não representada no congresso – uma população de maioria negra e feminina – sinto que as periferias têm pautado que sim, vamos colocar essas pessoas nesses espaços de poder, porque só assim nossas pautas serão representadas.”
Formar um caldo eleitoral com os aprendizados do território
Os desafios para essa candidaturas dissidentes nascidas do território ou da introdução de novos atores nos espaços eleitorais depende de financiamento e do que Wellington chama de formação de um caldo eleitoral.“O grande desafio é transformar isso em um caldo eleitoral, fazer isso se converter em votos e saldo político depois das eleições. Historicamente quem ganha as eleições é o dinheiro. Embora o sistema de financiamento tenha mudado [Aqui Wellington se refere ao Fundo Eleitoral, criado em 2018], as dificuldades são grandes. Grande parte dessas lideranças se elege no boca a boca, então o desafio será lidar com as redes sociais num contexto de pandemia.”
Há também um desafio da própria participação social dentro das eleições. Em 2018, 30% do eleitorado se absteve ou votou branco/nulo, o que é preocupante.“Recentemente o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) fez uma consulta pública sobre como a população entendia essas eleições e a segurança sobre o pleito, e com base nos dados, deve haver uma continuação do patamar médio do Brasil de participação social. E também um aumento da taxa de abstenção, que é algo que não gostaríamos. É importante garantir que o pleito seja seguro para que as pessoas mais vulneráveis possam se sentir seguras para votar”, defende Julia.