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Por Ana Carolina Moreno, do G1

Salman Khan mantém uma plataforma de mais de 3.800 vídeos educacionais acessados por 6 milhões de pessoas todos os meses, incluindo os filhos de Bill Gates, a quem chama pelo primeiro nome. No entanto, o americano que criou a Khan Academy se impressionou com o prestígio recebido em sua primeira visita ao país. “Em doze horas conheci o ministro da Educação e a presidente do Brasil, e agora estou aqui”, disse ele na manhã da quinta-feira (17), em São Paulo, para mais de 200 educadores, autoridades e especialistas da área.

Durante quase uma hora o educador de 36 anos contou, com fala tão veloz quanto seus planos de expansão, a história de como trocou uma carreira no mercado financeiro pela academia de vídeo-aulas que já chegou, via internet, a 216 países. Ele ainda compartilhou sua visão a respeito de como o que chama de revolução da informação vem provocando mudanças tão profundas quanto a Revolução Industrial e a invenção da imprensa.

“A educação não é mais um bem escasso, é algo que podemos dar de graça”, afirmou ele para a plateia que ocupou todos os assentos e corredores do auditório do Museu da Imagem e do Som, e também para quem não encontrou lugar e acompanhou a palestra do lado de fora, pela transmissão online.

O cientista da computação e matemático acredita que a educação é um direito humano, como comida, água e abrigo. Por isso, diz, seu objetivo é oferecer “educação gratuita, de nível internacional, para qualquer pessoa em qualquer lugar”.

A frase, com a qual ele costuma concluir suas palestras e escolhida também para introduzir seu livro “Um mundo, uma escola: a educação reinventada”, publicado no segundo semestre de 2012, foi cunhada de improviso há cerca de cinco anos, mas funciona até hoje: Quando decidiu arriscar uma nova carreira e inscrever a instituição sem fins lucrativo Khan Academy na receita federal americana, um dos campos do formulário solicitou que ele resumisse, em duas linhas, a missão da entidade.

O desenhista da turma
Mas se alguém perguntasse ao adolescente Sal (apelido com o qual Khan se apresenta), na sétima série do colégio, o que ele estaria fazendo por volta dos 30 anos, ele responderia que seria ou arquiteto ou cartunista.

O “Khan aluno” passou por várias fases durante sua educação básica. Na segunda série do fundamental, precisou fazer fonoterapia. Dois anos depois, foi colocado em um programa para alunos talentosos, feito que ele atribui em parte graças às boas notas que a irmã mais velha tirava. Durante uma hora todos os dias, ele ia para uma sala de aula com apenas três alunos e duas professoras que, em vez de ditar o conteúdo programado, perguntava o que as crianças gostariam de fazer.

Na sétima série, Khan conta que era tímido, apesar de ter um sólido grupo de amigos, e bom aluno, apesar de não estar sempre no topo da classe. “Nas matérias eu tirava notas altas, mas em disciplina nem tanto”, resumiu. “Na 11ª série [o ensino médio nos EUA], eu meio que acordei e percebi que o mundo era um lugar competitivo. Foi aí que comecei a levar a escola mais a sério.” O esforço de Khan em sua própria educação lhe rendeu dois diplomas do Instituto de Tecnologia de Massachusets (MIT, na sigla em inglês), onde ele conheceu sua esposa, Umaima, e um MBA pela Universidade Harvard.

A experiência na classe separada no ensino fundamental, segundo ele, foi essencial para o caminho que ele acabou trilhando. “Esperamos que os funcionários sejam criativos e inovadores, mas eles passaram dez ou doze anos de suas vidas sentados passivamente na sala de aula”, afirma o educador.

Ainda no ensino médio, ele entrou para o time de luta greco-romana do colégio em que estudava, e notou as diferenças entre treinadores de luta e do professor de matemática. “O treinador falava apenas durante cinco minutos, depois nós praticávamos, e aí os alunos mais velhos, ou o próprio treinador, nos dizia onde estávamos errando. Na aula de matemática o aluno senta e espera o que o professor tem a fazer por ele.”

As metodologias influenciavam na reação dos estudantes às tarefas: enquanto eles aceitavam fazer coisas dolorosas porque sabiam que o treinador queria que vencessem, qualquer tarefa de matemática era vista como uma forma de o “professor malvado” fazer com que fracassasem. “Precisamos fazer com que o estudante entenda que o professor não está contra ele, precisamos fazer com que a aula de matemática seja mais parecida com o treino de lutas”, disse.

Ajudando a prima e milhares de desconhecidos
No período entre a conclusão de seu MBA em Harvard, em 2004, e a demissão de seu emprego em uma empresa que administra fundos de investimentos, em 2009, Khan passou de tutor à distância de alguns primos a um dos centenas de professores, professoras e entusiastas que usavam a plataforma YouTube para divulgar vídeos educativos. “Não fui o primeiro, devo ter sido o quingentésimo [de número 500]”, estima ele.

A ideia de criar vídeos e colocá-los no site surgiu no fim de 2006. “Eu estava dando aulas de reforço para entre 10 e 15 primos todos os dias após o trabalho”, relembrou. Com a dificuldade em garantir o aprendizado em um grupo homogêneo e à distância, ele decidiu enviar os tutoriais aos primos-alunos e produzir um vídeo com explicações que eles poderiam ver e rever no seu próprio ritmo.

Com o tempo, internautas desconhecidos começaram a assisti-lo e a lhe enviar cartas agradecendo pelos vídeos. Khan acredita que o tom descontraído e sem toda o ensaio que as aulas tradicionais costumam ter foi o diferencial que o fizeram destacar no site.

Ao comparar o trabalho no mercado financeiro com as cartas de crianças que conseguiram passar em uma prova graças a ele, ou de adultos que conseguiram voltar à faculdade depois de ano por causa dos vídeos, Khan decidiu, em 2009, viver por cerca de um ano dedicando-se exclusivamente a isso. “Meu primeiro filho havia acabado de nascer, não foi fácil”, contou o pai de Imran, hoje com quase quatro anos, e Diya, de um ano e meio, que viajaram com Khan ao Brasil.

Nove meses depois, porém, as primeiras contribuições financeiras começaram a chegar e Bill Gates, fundador da Microsoft, elogiou a plataforma em um discurso. A partir daí, as doações passaram de US$ 10 mil e R$ 100 mil para os milhões de dólares. Em setembro de 2010, a gigante de buscas Google deu US$ 2 milhões para a Khan Academy, e a Fundação Bill e Melinda Gates contribuíram com US$ 1,5 milhão.

Os primeiros três funcionários foram contratados nessa época e a entidade ganhou seu primeiro escritório. Hoje, 40 pessoas trabalham para a Khan Academy no Vale do Silício, na Califórnia, e outras dezenas ao redor do mundo doam seu tempo e habilidades à tradução das aulas. Salman Khan, por sua vez, foi alçado ao status de celebridade.

Nas salas de aula de todo o mundo
Além de alunos e pais, professores e gestores escolares também se interessaram pela plataforma, que hoje é usada em pelo menos 20 mil salas de aulas nos Estados Unidos. Em São Paulo, 200 turmas receberam computadores da Fundação Lemann para trabalharem os vídeos nas aulas de matemática. No Rio de Janeiro, a Secretaria Municipal de Educação criou a Educopédia, que também reúne os vídeos em português e está acessível a toda a rede de escolas.

O sistema de Khan permite que o aluno trabalhe individualmente e o professor monitore o desempenho de todo o grupo em tempo real. Assim, é possível deixar que os estudantes mais avançados continuem progredindo, e ajudar com mais eficácia os que têm dificuldades, já que o programa mostra exatamente qual é o conteúdo que eles ainda não dominaram.

A prioridade atual da entidade pelos próximos 18 meses, segundo Khan, é redesenhar a plataforma para acelerar o oferecimento de conteúdo e sua disseminação internacional. Isso inclui a assinatura de uma parceria global com a Fundação Lemann, entidade brasileira responsável pela versão da Khan Academy em português.

O anúncio foi feito na quinta-feira e vai incluir investimentos da entidade no desenvolvimento do projeto tanto dentro quanto fora do Brasil.

Denis Mizne, diretor executivo da fundação, que desde o ano passado usa os vídeos da Khan em salas de aula da rede pública de São Paulo, afirma que a entidade tem interesse em aproveitar a abertura do governo federal para aumentar o número de vídeos e ferramentas da academia no país. “Quanto mais rápido isso acontecer, melhor”, disse.

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