publicado dia 25 de fevereiro de 2015
Crise hídrica: “São Paulo está sentada em água e nós ignoramos nossa história”
Reportagem: Pedro Nogueira
publicado dia 25 de fevereiro de 2015
Reportagem: Pedro Nogueira
Com o fim do verão, se aproxima a seca típica dos meses de outono e inverno. Se as chuvas que caíram acima da média nos últimos meses aliviaram o estresse hídrico do Sistema Cantareira, o prognóstico é que, nos próximos meses, sem as águas de março, faltará água e São Paulo estará diante de um colapso inédito: uma cidade de mais de 10 milhões de habitantes ficará sem seu recurso mais fundamental.
O governo do Estado, depois de passar meses – coincidentemente eleitorais – negando o racionamento, já anuncia que poderão começar rodízios de 5 dias sem abastecimento para dois com, o temido 5×2. Toda a cidade já sente os efeitos da falta d’água, sendo que nas periferias, é ainda mais acentuado. Diante deste cenário, o que foi feito e o que resta fazer? Para começar a responder a algumas dessas perguntas, a Aliança pela Água e Assembléia Estadual da Água, realizaram, na noite de terça-feira (24/2), no vão livre do Masp, a Aula Pública “Água: Crise, Soluções e Mobilizações Sociais”.
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Ponto positivo
Lembrando o velho dito de que as crises também são momentos de oportunidade, Cesar Pegoraro, da ONG SOS Mata Atlântica perguntou ao público, de cerca de 150 pessoas, se eles agora sabiam de onde vinha a água que os abastecia. Diante da resposta afirmativa da maioria, reforçou que hoje a relação das pessoas com a água na cidade mudou.
“Nós estamos sentados entre a nascente do Saracura e do Iguatemi, dois córregos que nós tapamos, matamos. São Paulo está sentada em água e nós ignoramos nossa história, não aprendemos a respeitar a água. A nossa legislação prevê rios de tipo 4, ou seja, que são usados para gerar energia e diluir esgoto. O desrespeito está previsto em lei”, avalia.
Para ele, a crise poderia ser usada para investimento público em cisternas residenciais, que diminuiriam o consumo residencial, e para aumentar a participação popular na gestão da água. “Nós não temos que buscar água cada vez mais longe. Temos que restaurar a qualidade aqui dentro. São Paulo tem um número enorme de nascentes: porque elas nunca foram aproveitadas para uso da população?”, questiona.
Revindicações emergenciais para a crise
Em sua fala, Andreia Bianchi, do movimento Juntos, propôs um plano de emergência negociado com a população. Confira os principais pontos:
– Financiamento estatal para a construção de cisternas e compra de caixa d’água em moradias populares.
– Congelamento dos preços de água engarrafada e dos caminhões pipa, que devem ser destinados pelo governo para atender as populações da cidade e não só aqueles que podem pagar.
– Transparência na condução da crise e participação popular nas decisões sobre o racionamento.
– Reparo dos vazamentos na rede de distribuição, que é responsável por até 40% de perda. “Não adianta fazer mega obras com o governo federal, enquanto estamos perdendo tanto em tubulação”, denuncia.
Mananciais e habitação popular
Na zona sul de São Paulo, uma área com quase um milhão de metros quadrados, conhecida como Parque dos Búfalos, enfrenta uma batalha e um grande dilema: foram anunciadas a construção de 193 torres de habitação popular em cima da área que serve como o único parque da região para mais de 500 mil pessoas e que abriga sete nascentes e mata atlântica originária e preservada. Essa luta já foi retratada pelo jornal El País. Para Wesley Rosa, morador da região e ativista do Parque dos Búfalos, a construção dos conjuntos seria um contrassenso na época de crise hídrica.
A visão de Wesley é reforçada pela urbanista e professora da Faculdade de Urbanismo e Arquitetura da USP, Paula Santoro. Segundo ela, há que se haver um esforço para preservação das áreas verdes da zona sul, que deve caminhar em conjunto com a oferta de melhores condições de vida das mais de um milhão de pessoas que vivem em situação precária naquela zona.
“Essa ideia de sempre ir levando para longe as habitações populares sempre foi criticada por nós urbanistas. Temos o centro com muitas habitações ociosas: porque não trazer para o centro e preservar a área de mananciais? O centro não pode ter só shopping”, defende Santoro, ressaltando é preciso reconhecer o direito à moradia das pessoas. “É uma Guarulhos que vive lá. Tem que haver uma política que reconheça essas áreas e dê condição para que se produza água com quantidade e qualidade, preservando as fontes”, afirma a urbanista.
Colapso e repressão
Com fogo se chama água? Essa foi uma das soluções dos moradores da periferia de Itu para enfrentar, no último ano, o racionamento. Após muitas reclamações e abastecimento deficitário nas áreas pobres, foi apenas com o recurso de barricadas de fogo que os moradores conseguiram que a Prefeitura atendesse as demandas dos moradores da cidade do interior de São Paulo.
“Para começo de conversa há que se falar que, como em São Paulo, nossa gestão de água foi privatizada”, aponta Pedro Scavacini, do Movimento Itu Vai Parar, “e a concessionária, que deveria sanar a falta d’água, nunca cumpriu esse papel”. Ele relata que, em 2013, começaram os primeiros cortes e a água ia para as casas a cada 72 horas. “Isso quando chegava”.
“A falta d’água alterou drasticamente o cotidiano da cidade. As pessoas não tinham como suprir as necessidades mais básicas e corriqueiras. A água encareceu, os caminhões pipa escacearam. Isso gerou, numa cidade pacata, conservadora e católica, enormes manifestações que foram iniciadas por idosos, mulheres e crianças. E essas mesmas manifestações foram duramente reprimidas”, relata Scavacini.
O que farão dez milhões de sedentos?
“As situações que a gente viu em Itu serão muito mais graves numa metrópole com 10 milhões de pessoas. Estamos falando de saque, desagregação social, violência. Enfim, estamos falando de uma situação que nunca foi vista no mundo”, analisou o professor de Gestão Pública da Universidade de São Paulo, Pablo Ortellado.
Próximos passos
No dia 26/2, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) está organizando uma marcha, às 17h, no Largo da Batata, que irá até o Palácio do Governador, no bairro do Morumbi. Já no dia 22/3, haverá uma nova edição da Assembleia Estadual da Água, com participação aberta.
Segundo ele, na falta de um movimento capaz de organizar essa revolta, como o Movimento Passe Livre, na questão da mobilidade, ou o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, no campo da moradia, é preciso elaborar objetivos políticos que canalizem em ação consciente a insatisfação civil.
Para ele, a solução da crise está no longo prazo, mas é necessário pensar em demandas e paliativos urgentes para atender a população. “Precisamos, por exemplo, dividir o ônus dessa crise. Não é segredo para ninguém que temos um rodízio branco, onde os pobres pagam o peso do descaso e bairros ricos não sofrem nenhum revés. Comprar caixas d’água para a população, garantir o direito à agua para todos e impedir a remessa de lucros para os acionistas da Sabesp são algumas dessas ações.”
Ortellado também defende a responsabilização dos gestores pela má condução dessa crise, que deveriam ter decretado um rodízio responsável enquanto havia tempo, mas não o fizeram para evitar o ônus eleitoral dessas medidas. “O governador não tocou nesse assunto durante a campanha porque sabia que sua imagem poderia ser manchada, assim como sua popularidade. Mas agora é inevitável”, aponta.
Sentados no local onde há quinze dias um protesto pela questão da água foi impedido de sair pela Polícia Militar, Ortellado afirmou ao público que teme pela escalada da violência policial e lançou um alerta: “A forma como nós vamos lidar com isso será observada pelo mundo inteiro, que passa por mudanças climáticas. Temos uma enorme responsabilidade”, finaliza.
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