publicado dia 14 de abril de 2020
Como o Covid-19 afeta o já fragilizado setor da cultura e como ele responde
Reportagem: Cecília Garcia
publicado dia 14 de abril de 2020
Reportagem: Cecília Garcia
Na terceira semana de março, quando teve início o isolamento social em razão da epidemia de Covid-19 (novo coronavírus), 7.553 eventos culturais foram cancelados em São Paulo. Show, peças e outros tipos de apresentação foram adiadas ou suspensas, impactando não só artistas, mas também a rede de trabalhadores que depende da economia da cultura.
Quem compilou e continua a compilar estes dados é o projeto Cultura Faz Falta, uma iniciativa digital onde trabalhadores do setor de cultura podem inserir o cancelamento ou adiamento de seus eventos e acompanhar a situação em outras cidades brasileiras.
Alessa, artista e co-fundadora do projeto, relata que embora o Covid-19 traga inéditos desafios ao setor, a pasta de cultura sofre corte de recursos há muito tempo.
“O setor da cultura está sem orçamento e mesmo na gestão do PT sofreu vários cortes. Com o Temer a situação se agravou e com a eleição do Bolsonaro piorou, não só pela asfixia de orçamento mas com a censura, porque o presidente vê a cultura como inimigo a ser combatido e promove uma guerra cultural”.
As dificuldades do setor da cultura para além do orçamento
Para além dos vaivéns institucionais e orçamentários da pasta – o Ministério da Cultura (MinC) foi absorvido pelo Ministério de Cidadania e em novembro do ano passado, passado para o Turismo – o Ministério da Economia acaba de anunciar um corte de 50% por três meses no Sistema S, o que impacta diretamente o SESC, bastião aos quais os artistas tem recorrido no último ano.
“A pasta está em uma decrescente, e as pessoas tem se apoiando no SESC nesta época de escassez de edital, o que torna esse corte muito preocupante”, complementa a produtora cultural Luciana Gandelini.
Para Alessa, a diminuição de gastos com cultura colide com um setor com dificuldade em se ver como econômico, e que sofre da subnotificação para entender quais as dimensões e reais gastos:
“A cultura tem muita dificuldade se assumir como setor econômico, e isso não é só no Brasil. Como os moldes e dados são muito capilarizados e como a cultura vai desde a pessoa que faz o figurino, a luz, até o artista do palco, então é difícil reunir e entregar para o poder público o que é de fato e quanto custa a cultura”.
Alternativas em tempo de pandemia
Zé Ed e Paulo Neto são um casal de artistas residentes em São Paulo. Durante a quarentena, eles criaram o projeto Adote o Artista, onde eles transmitem músicas e composições autorais para pessoas ao redor do mundo.
“Uma pessoa presenteia outra com uma música, e quem oferece não sabe a música que vai ser oferecida. Nem nós sabemos, porque primeiro perguntamos se a pessoa está bem, como está sendo o isolamento, criando assim uma relação. Neste momento de distanciamento todo mundo quer um afago, conversar, e as lives não deixam isso acontecer, então esse é nosso jeito de fomentar a música autoral e dar algo para as pessoas”, explica Paulo.
Luciana também uniu-se a parceiros do setor cultural para criar o Manifesta Arte em Rede, onde apresentações de uma gama de artistas online gera renda para ajudar organizações que trabalham com populações vulneráveis:
“Essa rede funciona para fortalecer o setor cultural, por isso envolve grupos de várias linguagens, algo plural e diverso para sair da bolha, inclusive das próprias bolhas do setor cultural. [O Manifesta Arte em Rede] tem essa pegada de fortalecimento de grupos entre artistas, e pessoas que não se conheciam estão trocando dicas e informações”.
A produtora entretanto não deixa de salientar que as discussões que estão sendo feitas a partir da pandemia, como questões de monetização dos vídeos ou a explosão de lives, precisam ser precedidas pela discussão sobre como um setor, antes já fragilizado, pode se fortalecer:
“Antes de falar em monetização, todo nosso setor cultural precisa olhar com cuidado para a comunicação com a população. A arte tem uma função social, e mesmo que tenhamos deixado de lado os encontros físicos, temos que pensar nas ações em si, e como os diferentes tipos de artista estão se relacionando com a arte agora”.