publicado dia 5 de dezembro de 2019
“Com arma a gente não fala, a arma é nossa língua”, diz anciã macuxi
Reportagem: Natália Passafaro
publicado dia 5 de dezembro de 2019
Reportagem: Natália Passafaro
“Eu vim aqui conhecer vocês. Eu trouxe minha palavra, no meio de vocês aqui em São Paulo. Vocês ouviram eu cantar, eu falar, eu defumar. É bom para vocês, e é bom para mim também”.
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A mestra indígena Koko Meriná Eremu, uma das anciãs mais ativas da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, pisou pela primeira vez em São Paulo.
Até o início de dezembro, a “Vó Bernaldina” participa do “OUVEAVÓ”, um ciclo de encontros na capital paulista para compartilhar a espiritualidade macuxi, por meio da palavra cantada e da defumação do Maruai.
As práticas são usadas na luta política da etnia, que vive aos pés do Monte Roraima, fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana.
“Meu trabalho aqui é queimar o maruai. Esse maruai que defumou as meninas, os meninos, é bom demais. Ele veio de avião, longe, só para ver vocês também. Ele é gente esse daqui, ele ouve. E ele veio para ouvir vocês. Meu trabalho é esse daí, lá no Maturuca”, conta a indígena, após o encontro alimento da última semana, no centro de São Paulo, que reuniu dezenas de pessoas no Espaço Matilha Cultural.
Em 2018, a “vó” ficou conhecida internacionalmente quando foi recebida no Vaticano pelo Papa Francisco. Na ocasião, ela e o artista macuxi Jaider Esbell foram apresentar a espiritualidade e a visão indígena da etnia em relação ao “grande mundo”.
Estima-se que existam 140 aldeias macuxi no Brasil e uma população de aproximadamente 50 mil pessoas. A área da Raposa Serra do Sol é a mais populosa e concentra 20% da população total dos macuxi.
A anciã vive na Maturuca, umas das 85 aldeias da Raposa. O território de 1,7 hectares é marcado pelo avanço de grileiros, do garimpo e, principalmente, pela presença de produtores de arroz – que se instalaram na reserva nos anos 1970, em razão dos bons campos cultiváveis.
A área de reserva foi reconhecida pela Fundação Nacional do Índio em 1993 e foi homologada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2005. Quatro anos mais tarde, a demarcação foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou também a retirada dos latifundiários e não-índios do território.
“Nós tiramos os garimpeiros da Raposa Serra do Sol. Eu andava de noite, tirando minhas unhas porque eu queria minha terra. Nossa terra é nossa mãe. Se eu não tiver terra, como é que faz? Não têm nada. Não tem aonde a gente plantar”, afirmou a “Vó”.
Em 2013, o STF voltou a reconhecer a demarcação da terra. A partir de então, garimpeiros e arrozeiros, com apoio do governo de Roraima, pressionam para que a demarcação seja revista.
Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) se juntou a causa dos latifundiários e tentou reverter a demarcação alegando que “é a área mais rica do mundo” e que era necessário explorar de forma racional “dando royalties e integrando o índio à sociedade”. Juristas, porém, consideram a revisão inconstitucional.
“A nossa reserva eles querem tomar de novo, eles querem voltar de novo atrás do garimpo, do mineral. A gente escuta os pistoleiros do Bolsonaro falar, mas com arma a gente não fala, a arma é nossa língua, nosso braço”, denuncia Bernaldina.
A terra da T.I Raposa Serra do Sol é rica em recursos hídricos e minerais, como o ouro, estanho, diamante e o nióbio. Além disso, é onde está a segunda maior reserva de urânio do planeta.
Bernaldina deve voltar para sua terra natal no mês de dezembro. Antes disso, ela participa do YBY, o primeiro festival nacional de música indígena, que acontece entre os dias 1 e 3 de dezembro, na Unibes Cultural, na zona oeste da capital paulista. O evento é uma iniciativa da Rádio Yandê, a maior rádio indígena do Brasil.
Para encerrar a passagem por São Paulo, a anciã participa do lançamento do livro “Meriná Eremu”, que registra canções-reza de sua autoria e outros cantos de língua macuxi. A obra tem ilustrações do artista Jaider Esbell e será lançada na próxima terça (3), ainda sem local definido.
Publicado originalmente no Brasil de Fato, reportagem de Pedro Stropasolas e edição de Julia Chequer
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