publicado dia 17 de novembro de 2014
Coletivo croata usa humor e ação direta para reivindicar direito à cidade
Reportagem: Pedro Nogueira
publicado dia 17 de novembro de 2014
Reportagem: Pedro Nogueira
Após a queda do regime comunista, que resultou na separação da Croácia da antiga Iugoslávia, a paisagem urbana de Zagreb, a capital do país, mudou radicalmente. De um lado, as enormes fábricas, galpões e prédios eram abandonados nas zonas centrais da cidade. Do outro, artistas buscavam espaços que pudessem dar guarida às suas ambições culturais, como era o caso de alguns músicos da cena underground, conhecidos como “Clubture”.
O que parecia ser o casamento perfeito, encontrou na figura do prefeito da cidade, Milan Bandic, seu maior obstáculo. O plano de transformar os prédios antigos em enormes centros comerciais, com seus respectivos estacionamentos, foi uma das fagulhas necessárias para a criação do Pravo na Grad (PNG, em croatra, “Direito à Cidade”), um coletivo que se diz contra “a privatização do espaço público, a corrupção estatal e a falta de participação cidadã nas decisões da cidade”.
E seu surgimento foi tudo, menos silencioso.
Eles começaram espalhando cartazes pela cidade com a foto do prefeito marcada com um “X” enorme sobre sua cara. A prefeitura mandou retirar as imagens e acusou a existência de grupos terroristas a fim de desestabilizá-lo. Semanas mais tarde, os antigos depósitos e fábricas amanheceram com lambe-lambes anunciando “Liquidação total” e “Queima de estoque”, causando curiosidade e atenção da mídia e dos cidadãos de Zagreb.
Pouco tempo depois, o PNG, ainda em formação, ligou para os principais canais de comunicação da Croácia e anunciou que se o governo não atendesse algumas de suas demandas, os “ataques” continuariam. O governo não atendeu prontamente, mas o grupo cresceu e, desde então, mistura ativismo em rede com ações diretas criativas, resumidas em quatro pontos: organizações de campanhas; prestação de assistência técnica para lutas locais e interligação de atores sociais; criações de redes e plataformas táticas pela justiça no espaço urbano e divulgação de pesquisas.
Privatização do espaço público
Durante sua fala no Encontro Internacional pelo Direito à Cidade, Teodor Celakoski, relacionou o surgimento do PNG à “incapacidade do Estado de prezar pelo bem público”. “Queremos construir uma cidade onde o cidadão tenha voz e poder de decisão”, afirmou. “E vamos fazer isso da forma mais divertida e ampla possível.”
Para agir contra a privatização da água e a poluição dos mananciais, por exemplo, eles começaram a vender água enlameada das nascentes contaminadas, como se fosse água mineral. Quando um milionário se aproveitou da legislação para construir uma mansão numa área protegida – inscrita legalmente como um hotel – o grupo alugou um ônibus que levava diariamente ativistas com malas para fazer check in no “hotel”, recebendo seguidas negativas e ganhando simpatia da população e da mídia.
Mas o grande momento do grupo veio quando eles resolveram atacar a construção de um enorme shopping center situado no coração da cidade, na rua Varsavska. O empreendimento iria destruir parte da rua e transformar o passeio para pedestres numa artéria de veículos.
Com mais de 55 mil apoiadores, eles começaram a criar intervenções, como um enorme cavalo de troia de madeira que ironizava as motivações secretas do prefeito para autorizar esse empreendimento. A escultura se tornou um ponto de encontro dos manifestantes, que chegavam aos milhares. O prefeito ordenou a prisão dos líderes, que mantinham uma orientação pacifista e não respondiam às agressões.
Diante da ameaça de prisão, eles se entregaram. Mas não só os “líderes”. De dez em dez, centenas de simpatizantes começaram a aparecer nas delegacias até que o sistema carcerário ficasse superlotado e a justiça não visse saída além de mandar libertar os ativistas, uma vez que não havia crime sendo cometido. Grupos de orientação similar começaram a aparecer pelo país. Ainda assim, o shopping foi levado adiante. Mas a semente de uma nova forma de encarar a cidade foi plantada.
Quem quiser saber mais pode acessar o site do Pravo na Grad, em croata, com alguma ajuda do Google Tradutor. Além de fotos e notícias de ações passadas, você poderá encontrar um manual de ‘faça você mesmo’ do ativismo urbano.